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O compartilhamento de postes: a abordagem do regulador deve se concentrar na regularização do passivo

Pode ser que faça mais sentido o Poder Público concentrar seus esforços iniciais em garantir a regularização dos postes já explorados e que novas utilizações ocorram somente de forma adequada e de acordo com as normas técnicas.

28/3/2022

(Imagem: Arte Migalhas)

A Consulta Pública 17 da ANATEL trata da resolução conjunta com a ANEEL sobre compartilhamento de postes. A norma proposta busca resolver o problema crônico e grave de ocupação desordenada de postes pelas operadoras de telecomunicações. Problema este que tende a piorar com a chegada do 5G e o aumento nos investimentos em infraestrutura que necessariamente se seguirão.

Os problemas atuais são conhecidos: ocupação irregular, precificação obscura, falta de regras claras – problemas que geram uma enorme ineficiência, sem falar nos impactos estéticos e riscos reais à integridade física dos moradores das cidades. Basta caminhar pelas ruas de qualquer grande cidade para ver a confusão de fios e equipamentos sobre nossas cabeças. A foto que ilustra este artigo não precisa de direito autoral. Eu mesmo tirei, perto de casa. E acreditem que esse é a situação há mais de um ano!

Sem entrar nos detalhes do que propõem as agências, podemos extrair do texto e dos materiais de discussão dois objetivos fundamentais da consulta pública.

Preocupação em resolver o legado. Essa é uma questão que remonta aos primórdios do setor, logo após a privatização. A primeira resolução conjunta é de 1999 e o problema cresceu muito nos últimos anos, com a explosão dos pequenos provedores de banda larga, que expandiram suas redes sem grande controle. É notório o nível de ocupação clandestina. A Anatel estima em pelo menos 10 milhões de postes ocupados irregularmente, que levariam cerca de 10 anos para serem regularizados. Sem falar nos que estão ocupados sem observância de normas técnicas adequadas. Há que se considerar os custos e os esforços necessários para lidar com esse legado de forma organizada. Além do aspecto financeiro, certamente se faz necessário um notável nível de coordenação entre os agentes, públicos e privados, para enfrentar questões fundamentais. Quem arca com os custos? Quais os critérios técnicos? Quanto tempo para regularizar? Como fiscalizar? Dentre várias outras que permeiam esse tema.

Tornar o acesso aos postes equânime e eficiente. Obviamente, é preciso estabelecer um regime que, a partir da nova Resolução, funcione para as ocupações regulares, assim como permita a instalação de novos pontos nos postes, de forma eficiente. Nessa parte, assim como no caso da solução do legado, aspectos como os valores devidos pelo uso da infraestrutura e as condições técnicas adequadas têm igual relevância.

Para encarar essas duas questões, as agências propõem uma regulação consideravelmente mais assertiva que a atual. A minuta foca nas diretrizes para o compartilhamento, com razoável detalhamento, mas deixando a implementação para as próprias empresas. Há, ainda, normas em prol do aumento da transparência nas condições técnicas e financeiras em que o compartilhamento ocorre. Os preços seriam definidos em ato da Agência Reguladora do setor elétrico, considerando as características das redes de cada distribuidora. É um bom caminho, mas a própria Agência reconhece suas falhas, em especial o alto custo administrativo e a necessidade de uma boa coordenação entre os agentes privados. A experiência no setor de regulação de telecomunicações está repleta de exemplos de remédios bem-intencionados e até bem-feitos que ficaram longe de atingir o resultado esperado. Além das próprias normas anteriores sobre compartilhamento de postes, vale mencionar as regulações sobre exploração industrial (EILD) e MVNO (operadoras móveis virtuais), por exemplo. O fato é que o custo de vigiar regras com critérios complexos é alto, e muitas vezes o esforço é inócuo, dado o número de variáveis envolvidas – técnicas e financeiras – e a oportunidade para comportamentos resistentes à regulação se torna ampla. Há, portanto, o risco de simplesmente não funcionar, como as outras normas já editadas com o mesmo objetivo.

Talvez os objetivos de enfrentar o enorme passivo de postes irregularmente ocupados e, ao mesmo tempo, fomentar competição e eficiência no compartilhamento sejam muito ambiciosos para serem perseguidos simultaneamente. Pode ser que faça mais sentido o Poder Público concentrar seus esforços iniciais em garantir a regularização dos postes já explorados e que novas utilizações ocorram somente de forma adequada e de acordo com as normas técnicas. Uma versão do famigerado “aumentar o bolo para depois dividir”, mas em um cenário em que o “bolo” tem que ser literalmente refeito. Não dá para assegurar acesso equânime e exploração eficiente de uma estrutura degradada. Por isso, essa busca por maior eficiência na exploração dos postes viria em um segundo momento, inclusive com a experiência obtida no processo de regularização. Possivelmente, uma certa ineficiência teria que ser assumida e iria se refletir nos custos para regularização, maiores do que o custo ótimo. Mas pode ser o preço a se pagar pela solução de um problema que vem se agigantando.

Outro ponto que merece reflexão é a vantagem de ter um terceiro atuando como explorador de infraestrutura. As vantagens são evidentes: menor oportunidade para comportamentos discriminatórios, maior foco no negócio, maior transparência quanto a valores e processos, para citar alguns. A terceirização da exploração da infraestrutura possibilitaria um modelo típico em que o operador investiria na solução do passivo com a percepção de recebimento de receita, posteriormente, com a exploração de uma infraestrutura de qualidade. Uma modelagem financeira bem conhecida. E ainda que incluir um outro agente no cenário pode aumentar a complexidade da coordenação, isso poderia ser compensado pela redução do papel da distribuidora de energia elétrica. E aí parece-me que a norma em consulta poderia ter sido mais ousada. Além de permitir a existência do terceiro explorador, poderia ter introduzido incentivos regulatórios para que as distribuidoras efetivamente preferissem essa solução. A regulamentação poderia, por exemplo, permitir uma maior liberdade de precificação quando a estrutura fosse explorada por um terceiro. O impacto das receitas obtidas pelo aluguel da infraestrutura – as chamadas receitas alternativas – seria modulado de forma diferenciada caso a distribuidora optasse por um terceiro explorador. Outra ideia seria estipular estruturas mínimas de governança voltadas para o negócio de aluguel de infraestrutura, de forma a garantir os aspectos de transparência e eficiência esperados pela sociedade. Tudo isso poderia estimular uma exploração mais eficiente da infraestrutura e tornaria mais atrativa a terceirização. O assunto não é simples. Recentemente, Alexandre Rosa Lopes dedicou um livro inteiro ao tema. Mas a complexidade não deve impedir o enfrentamento de um problema que piora a cada dia.

Luciano Costa
Sócio do escritório Fleichman Advogados.

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