Em 19/9/12, a CSPB – Confederação dos Servidores Públicos do Brasil, entidade sindical do terceiro grau no sistema confederativo, representativa dos servidores públicos civis dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, nos níveis Federal, Estadual e Municipal, com sede em Brasília, propôs ação direta de inconstitucionalidade com pedido de medida cautelar.
Contra o inteiro teor, com eficácia ex tunc, art. 11, §1º, in fine, da Lei n. 9.868/99, dos efeitos jurídicos dos artigos, incisos e parágrafos do decreto 7.777/12 - DOU 25/7/12 e retificado no DOU 31/7/12.
Art. 1º Compete aos ministros de Estado supervisores dos órgãos ou entidades em que ocorrer greve, paralisação ou retardamento de atividades e serviços públicos:
I. promover, mediante convênio, o compartilhamento da execução da atividade ou serviço com Estados, Distrito Federal ou Municípios; e
II. adotar, mediante ato próprio, procedimentos simplificados necessários à manutenção ou realização da atividade ou serviço.
§1º As atividades de liberação de veículos e cargas no comércio exterior serão executadas em prazo máximo a ser definido pelo respectivo ministro de Estado supervisor dos órgãos ou entidades intervenientes.
§2º Compete à chefia de cada unidade a observância do prazo máximo estabelecido no § 1º.
§3ºA responsabilidade funcional pelo descumprimento do disposto nos §§ 1° e 2° será apurada em procedimento disciplinar específico.
Art.2º O ministro de Estado competente aprovará o convênio e determinará os procedimentos necessários que garantam o funcionamento regular das atividades ou serviços públicos durante a greve, paralisação ou operação de retardamento.
Art.3° As medidas adotadas nos termos deste Decreto serão encerradas com o término da greve, paralisação ou operação de retardamento e a regularização das atividades ou serviços públicos.
Art. 4o Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação.
O decreto 7.777/12
O referido decreto dispõe sobre normas acerca das atividades e serviços de órgãos e entidades da administração pública federal durante greve de servidores públicos.
Ocorre que, para o autor, o decreto não se restringiu a regular a lei 7.783/89. Esta lei, por sua vez, dispõe sobre o exercício do direito de greve, definindo as atividades essenciais, regulando o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade, além de outras providências.1
O decreto teria inovado no campo normativo, nivelando-se a uma lei em sentido estrito extrapolando, pois, os limites de sua conformação jurídica, estabelecendo, segundo o autor, comandos gerais, autônomos e abstratos, regulamentando o art. 37, VII, CF/88, cerceando o direito de greve dos servidores públicos.
A particularidade da generalidade e da abstração do decreto 7.777/12 expõe a extensão de seus efeitos, que alcançarão todas as carreiras de administrados, não se conduzindo a estabelecer normas a um fato concreto e específico. A autonomia se assoalha pela sua desvinculação da lei que, em tese, objetiva regulamentar, pois essa lei autoriza ao empregador contratar por via direta os serviços necessários à mantença de atividades essenciais ou em que a paralisação venha a causar prejuízo, na marcha que o decreto presidencial permite de forma ampla e muito além das deliberações da lei 7.783/89, a concretização de convênios e procedimentos administrativos simplificados de forma a garantir a permanência das atividades ou serviços públicos durante o movimento paredista, sejam estes essenciais ou não, e estejam ou não sendo atendidos, pelos próprios grevistas, os considerados essenciais.
Segundo o proponente, no caso de greve no setor privado, a lei 7.7831/89 não carece de regulamentação. Já no setor público, essa lei necessita apenas de algumas alterações, o que já foram suficientemente esclarecidas no bojo dos mandados de injunção 670, 708 e 712. Sendo assim, o decreto inovou no ordenamento, prejudicando a classe trabalhista.
A Inconstitucionalidade do decreto 7.777/12
Em primeiro lugar, há vício de competência, segundo a confederação. Para a entidade, compete ao Legislativo, após iniciativa do presidente da República, para deliberar sobre leis que instituam cargos, funções ou empregos públicos, conforme
Art. 61. A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacional, ao presidente da República, ao STF, aos Tribunais Superiores, ao Procurador-Geral da República e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição.
§ 1º São de iniciativa privativa do presidente da República as leis que:
(...)
II. disponham sobre:
a) criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração;
(...)
c) servidores públicos da União e territórios, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria; redação dada pela Emenda Constitucional 18, de 1998.
Art. 48. cabe ao Congresso Nacional, com a sanção do presidente da República, não exigida esta para o especificado nos arts. 49, 51 e 52, dispor sobre todas as matérias de competência da União, especialmente sobre:
(...)
X. criação, transformação e extinção de cargos, empregos e funções públicas, observado o que estabelece o art. 84, VI, b ; redação dada pela Emenda Constitucional 32, de 2001.
Para a CSPB, o decreto não dispõe expressa e especificamente a respeito da criação ou provimento de cargos, funções ou empregos públicos federais, não havendo, em tese, ofensa à Constituição Federal. Contudo, a entidade aponta que, ao autorizar a execução do serviço, no curso da greve seja mantido por convênios com outras entidades públicas e prestadores de serviços, selecionados por meio de “procedimentos simplificados”, o decreto teria estabelecido um artifício prático e apto a contornar a rigidez normativa das disposições constitucionais, precisamente em seu art. 1º, incisos I e II. Ao permitir o procedimento de contratação simplificado, o presidente da República consentiu que pessoas fossem investidas temporariamente no exercício de função pública quando houver greve.
É importante deixar consignado que o poder Executivo Federal, no uso de suas atribuições, não pode expedir decretos que resultem em acréscimos de despesas públicas.
Art. 84. compete privativamente ao presidente da República:
(...)
VI - dispor, mediante decreto, sobre: redação dada pela Emenda Constitucional 32, de 2001.
a) organização e funcionamento da administração federal, quando não implicar aumento de despesa nem criação ou extinção de órgãos públicos; incluída pela Emenda Constitucional 32, de 2001.
Art. 167. são vedados:
I - o início de programas ou projetos não incluídos na lei orçamentária anual;
II - a realização de despesas ou a assunção de obrigações diretas que excedam os créditos orçamentários ou adicionais;
(...)
V - a abertura de crédito suplementar ou especial sem prévia autorização legislativa e sem indicação dos recursos correspondentes;
VI - a transposição, o remanejamento ou a transferência de recursos de uma categoria de programação para outra ou de um órgão para outro, sem prévia autorização legislativa.
O arguinte também apontou que os arts. 1º, I e II, 2º e 3º do decreto afrontam a art. 241 da Constituição Federal,
Em verdade o decreto 7.777/12 atribui poderes aos ministros de Estado supervisores dos órgãos e entidades, no âmbito das quais ocorre à greve de servidores federais, para firmar convênios de colaboração com Estados, Distrito Federal e Municípios para execução de atividades e serviços federais atingidos pela paralisação, podendo inclusive adotar procedimentos simplificados que considerarem necessários de modo a alcançar tal finalidade.
Além dos dispositivos apontados, a entidade confederativa apontou outros.
Decisão do STF
A referida ação ficou rotulada como ADIn 4.857/DF. A relatoria ficou a cargo da ministra Cármen Lúcia. O julgmaneto foi finalizado em 11/3/22.
Em resumo, entendeu a corte que são Constitucionais o compartilhamento, mediante convêio, com Estados, Distrito Federal ou Municípios, da execução de atividades e serviços públicos federais essenciais, e a adoção de procedimentos simplificados para a garantia da sua continuidade em situações de greve, paralisação ou operação de retardamento promovidas por servidores públicos Federais.
No caso do decreto, não foram criados cargos nem foram autorizadas contratações temporárias, tampouco foram delegadas atribuições de servidores públicos Federais a outros estaduais, também não foram autorizada a investidura em cargos públicos Federais sem a provação em concurso público.
O que se tem, segundo o STF, é o compartilhamento da execução da atividade ou serviço para a garantia da continuidade do serviço público em situações excepcionais ou temporárias, motivo pelo qual a medida será encerrada ao término daquelas circunstâncias.
Além disso, o pleno considerou que o decreto, que prevê a cooperação entre os entes federativos, está calçado na lei 7.783/89, precisamente nos arts. 11 e 12. Além disso, a aplicação das medidas nele previstas devem se restringir aos serviços públicos essenciais.
Lei 7.783/89: “Art. 11. nos serviços ou atividades essenciais, os sindicatos, os empregadores e os trabalhadores ficam obrigados, de comum acordo, a garantir, durante a greve, a prestação dos serviços indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade. Parágrafo único. São necessidades inadiáveis, da comunidade aquelas que, não atendidas, coloquem em perigo iminente a sobrevivência, a saúde ou a segurança da população. Art.12. no caso de inobservância do disposto no artigo anterior, o poder Público assegurará a prestação dos serviços indispensáveis”.
Com base nesse entendimento, o Plenário, por unanimidade, julgou parcialmente procedente a ação direta de Inconstitucionalidade.
Leia a íntegra da decisão - Informativo 1.046.
ADIn Nº 4.857.
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1 BRASIL. Lei nº 7.783, de 28 de junho de 1989. Dispõe sobre o exercício do direito de greve, define as atividades essenciais, regula o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade, e dá outras providências. Disponível em : < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7783.HTM>. Acesso em: 25 de março de 2022.