O dia mundial da água, 22/3, certamente é uma data de importância ímpar, sobretudo porque nos permite recordar temas de elevado relevo, tais como os relacionados com o direito ambiental e social. Do mesmo modo, o dia da Constituição, 25/3, nos permite refletir, dentre outros temas relevantes, sobre os direitos humanos fundamentais, tais como o direito a uma vida digna. Desta proximidade de datas e de direitos, à luz da PEC 4/18, faz-se a intersecção proposta.
No que tange a água, segundo informações da ANA¹ - Agência Nacional de Águas e Saneamento Básica, em torno de 97,5% de toda a água do planeta é salgada e imprópria para o consumo direto, sendo que dos 2,5% restantes, 69% são de difícil acesso e 30% estão localizados em águas subterrâneas, restando apenas 1% em rios.
A organização Trata Brasil selecionou um compilado de outras informações relevantes sobre o tema, dentre os quais merece destaque o fato de que 35 milhões de brasileiros não possuem acesso a água tratada, segundo dados do SNIS - Sistema Nacional de Informações sobre o Saneamento
No que tange a Constituição, como é sabido, o art. 5, caput, garante a todos o direito à vida, à igualdade e à segurança, e o art. 1, inciso III, por sua vez, garante a dignidade da pessoa humana, a saber:
Art. 5. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
Art. 1. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado democrático de direito e tem como fundamentos:
[...]
III - a dignidade da pessoa humana;
Disto, extrai-se a máxima garantia constitucional: o direito à vida digna e igualitária.
Ciente deste cenário, ponderando o direito constitucional e a realidade da água, a proposta de emenda à Constituição nº 4, de 2018, realizada pelo até então senador Jorge Viana, visa a amparar não somente as 35 milhões de pessoas referidas acima, mas também a resguardar o acesso de todos a este tão precioso bem.
Isto porque, segundo a proposta, o direito de acesso à água potável, em quantidade adequada à vida, passaria a ter status de direito fundamental, mediante acréscimo de um inciso ao art. 5, da Constituição Federal1
É garantido a todos o acesso à água potável em quantidade adequada para possibilitar meios de vida, bem-estar e desenvolvimento socioeconômico.
Trata-se, ademais, de tentativa do legislador em atualizar o texto constitucional com a resolução 64/292, de 2010, da assembleia-geral da ONU - Organização das Nações Unidas, que previu, em tradução livre2:
Reconhece o direito a beber água limpa e segura, além do saneamento básico como direitos humanos essenciais ao integral desenvolvimento da vida e dos direitos humanos.
Vale ressalvar que, atualmente, o processo legislativo se encontra na CCJC - Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara dos Deputados, após aprovação unânime no senado federal.
Paralelamente à proposta citada, a ANA - Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico deve garantir, com respaldo no art. 49 da lei 9.433/97, a fiscalização à correta utilização dos recursos hídricos, o que, no momento atual, está sendo procedido mediante novas tecnologias: como por “telemetria e de aplicativo de celular, como o “declaraágua”, de imagens de satélites de alta resolução para identificação de áreas irrigadas e possíveis usuários irregulares, de drones para sobrevoos às áreas irrigadas, durante as atividades de campo.”3
Nesse sentido, considerando se tratar de direito fundamental de segunda geração, vê-se que a matéria é intrinsecamente ligada à obrigatoriedade de guarida estatal. Em outras palavras: não basta a existência da norma no texto Constitucional, se inexistirem medidas públicas que tornem concretas as garantias, como pela via do aprimoramento de infraestrutura.
Ou seja, em razão destas características, verifica-se o embate entre o princípio da reserva do possível, amparado pela análise econômica do direito, e do mínimo existencial.
É verdade, todavia, que, atualmente, mesmo não dispondo o texto constitucional da garantia objeto da PEC no rol do art. 5 da Constituição, em uma análise sistemática da Carta Magna não se chega a outra conclusão além de que já existe tal proteção. Como observado, o constituinte buscou amparar o sujeito destinatário dos direitos básicos com garantias fundamentais embasadas na dignidade da pessoa humana.
Nessa linha, a evidência de tal conclusão é obtida exatamente pela simples ideia de que a água é indispensável à sobrevivência humana, logo, o devido acesso a ela se mostra vinculado a outros diversos itens constantes no extenso rol do art. 5 da Constituição, sendo os mais aparentes à vida e à saúde.
Sendo assim, conclui-se que independentemente de o processo legislativo avançar na câmara dos deputados, a atenção cidadã deve se voltar para a própria fiscalização do direito, não apenas no ambiente das grandes metrópoles, mas, igualmente, nas regiões mais afastadas, sem grande infraestrutura, capaz de fornecer este item tão caro à sobrevivência (digna) humana.
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1 https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=7631316&ts=1630445110519&disposition=inline.
2 https://www.un.org/ga/search/view_doc.asp?symbol=A/RES/64/292.
3 https://www.gov.br/ana/pt-br/assuntos/regulacao-e-fiscalizacao/fiscalizacao/fiscalizacao-do-uso-de-aguas