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Vida de advogada não é fácil: o efeito interruptivo dos embargos de declaração

O artigo analisa, a partir de um relato bem humorado, a manutenção do efeito interruptivo dos embargos de declaração para qualquer das partes na vigência do Código de Processo Civil de 2015.

28/3/2022

(Imagem: Arte Migalhas)

“Os embargos de declaração interrompem o prazo para a interposição de outros recursos, por qualquer das partes”, certo? Sempre foi assim, essa era a redação do art. 538, do Código de Processo Civil de 1973. Eis que o art. 1.026 do Código de Processo Civil de 2015 passou a dispor somente que “Os embargos de declaração não possuem efeito suspensivo e interrompem o prazo para a interposição de recurso”. Daí a dúvida: será que agora os embargos de declaração apenas interrompem o prazo para a interposição de outros recursos pela parte embargante, mas não para as outras partes?

A situação era a seguinte: foi proferida uma sentença contrária aos interesses do cliente e não havia razões para a oposição de embargos de declaração, então eu já estava preparando a apelação. A parte adversa, todavia, opôs embargos de declaração tempestivos, apontando omissões na sentença. E agora? Devo esperar a decisão dos embargos da outra parte para apresentar a apelação ou devo apresentá-la contando o prazo da intimação da sentença?

Ora, não faz o menor sentido obrigar uma das partes a recorrer de uma decisão pendente de embargos de declaração, dado o caráter integrativo deste recurso. A decisão que julga os embargos apenas complementa a decisão embargada, não a substitui, como ocorre, por exemplo, com o julgamento proferido pelo tribunal em relação à decisão impugnada (art. 1.008 do CPC). Além disso, em conjunto com a correção de inexatidões materiais ou erros de cálculo, os embargos de declaração consistem precisamente na exceção à vedação ao juiz de alterar a sentença após a publicação (art. 494 do CPC). De fato, seria um contrassenso ter que recorrer sem conhecer todos os fundamentos da decisão. Isso sem falar na possibilidade de infringência do julgado decorrente da correção de algum vício. É, vou aguardar.

Por outro lado, com prazo não se brinca, ainda mais de apelação. Certamente a doutrina e a jurisprudência terão todas as respostas e eu todas as certezas, após uma rápida pesquisa. Ah, a almejada segurança jurídica! Só que não, claro que não.

A jurisprudência, na maioria das vezes, não enfrenta expressamente questão da supressão da expressão “qualquer das partes” pelo CPC atual e a sua eventual consequência. No STJ, localizei um julgado, da Corte Especial, que afirma não ter havido mudança legislativa no que diz respeito ao efeito interruptivo dos embargos de declaração com a edição do Código de Processo Civil de 2015 (quando houve!). Tal julgado esclarece que, na égide do CPC 2015, deve prevalecer o entendimento de que “os embargos de declaração somente não interrompem o prazo para outros recursos quando intempestivos, manifestamente incabíveis ou nos casos em que oferecidos, com pedido de aplicação de efeitos infringentes, sem a indicação, na peça de interposição, de vício próprio de embargabilidade (omissão, contradição, obscuridade ou erro material”1. Como se vê, a decisão trata dos requisitos necessários para que os embargos de declaração interrompam o prazo para outros recursos, mas não enfrenta a questão sobre o alcance subjetivo da interrupção do prazo.

Há acórdãos, ainda, que seguem repetindo a fórmula de que os “embargos de declaração, nos termos do art. 1.026 do NCPC, interrompem o prazo para a interposição de outros recursos por qualquer das partes”2, apesar da supressão da expressão do texto legal. Outras decisões posteriores ao CPC em vigor apenas afirmam, embora sem maiores digressões, que a interrupção do prazo se aplica a todas as partes3.

Para complicar ainda mais, o Código de Processo Civil trouxe uma nova disciplina no art. 1.024, §§4º e 5º, possibilitando que a parte que interpôs o seu recurso antes da decisão dos embargos de declaração opostos pela outra parte possa complementar ou alterar as suas razões, caso tenha havido modificação da decisão. O dispositivo, que não existia no Código anterior, está assim redigido:

“Art. 1.024. O juiz julgará os embargos em 5 (cinco) dias. (...)

§ 4º Caso o acolhimento dos embargos de declaração implique modificação da decisão embargada, o embargado que já tiver interposto outro recurso contra a decisão originária tem o direito de complementar ou alterar suas razões, nos exatos limites da modificação, no prazo de 15 (quinze) dias, contado da intimação da decisão dos embargos de declaração.

§ 5º Se os embargos de declaração forem rejeitados ou não alterarem a conclusão do julgamento anterior, o recurso interposto pela outra parte antes da publicação do julgamento dos embargos de declaração será processado e julgado independentemente de ratificação”.

Pois é. Não faz sentido nenhum ser compelida a interpor a apelação na pendência de embargos de declaração contra a sentença, claro, mas: num artigo, o CPC simplesmente corta a tranquilizadora expressão “por qualquer as partes”; no outro, cria uma disciplina inteiramente nova para a parte que não embargou permitindo-lhe a complementação. Por que, afinal, o legislador fez isso? A intenção foi realmente interromper o prazo apenas para o embargante? Por que razão? Ou será que a expressão foi cortada porque a Lei não admite termos inúteis e como o dispositivo já dizia “outros recursos”, aí estariam incluídos outros recursos de quaisquer das partes?

Confesso que, como advogada, achava bastante útil a expressão “por qualquer das partes” e preferia que ela ainda estivesse lá. Não sei por que mexer em algo que não causava qualquer polêmica, mas o.k., vamos lembrar dos prazos em dias úteis e da interrupção dos prazos de 20 de dezembro a 20 de janeiro. O resto a gente releva.

Voltando ao ponto, diante da mudança legislativa, há doutrina sustentando que os embargos de declaração de fato interrompem o prazo somente para o embargante4. Se eu concordo? Claro que não, mas prazo é prazo, então, para finalizar a história, é claro que protocolei a apelação sem considerar os embargos de declaração da outra parte. Dever de cautela, excesso de zelo, ou simples paranoia? Me julguem.

Também é claro que, dada a incidência certeira da Lei de Murphy, houve alteração da sentença ao invés dos habituais “não padece de omissão, contradição ou obscuridade, pretendendo a parte a mera reversão do julgado” e tive que complementar a apelação. Tudo bem, é sempre bom estrear um dispositivo.

Vida de advogada não é fácil. Mas é divertida. 

___________

1 EAREsp 175.648/RS, Rel. Ministro OG FERNANDES, CORTE ESPECIAL, julgado em 24/10/2016, DJe 04/11/2016,

2 TJRJ. 3ª CC. AI 0000017-65.2022.8.19.0000. Rel. Des. Renata Machado Cotta, julg. 19/01/2022.

TJSP. 6ª Câmara de Direito Privado. AI 2255307-91.2018.8.26.0000. Rel. Des. Marcus Vinicius Rios Gonçalves, julg. 12/04/2021; TJSP; 32ª Câmara de Direito Privado; Embargos de Declaração Cível 1101761-53.2020.8.26.0100; Rel. Des. Kioitsi Chicuta, julg.; 09/09/2021; TJSP; 38ª Câmara de Direito Privado;  Apelação Cível 1074275-30.2019.8.26.0100; Rel. Des. Fernando Sastre Redondo, julg. 23/08/2021.

4 No modelo anterior, constava norma no sentido de que o efeito interruptivo dos embargos era extensível a todas as partes (art. 538, CPC-73). O novo modelo, porém, não mais fez menção a essa situação (art. 1.026). Pelo contrário, há até mesmo outro dispositivo (art. 1.024, §4º), que prevê que não será reaberto prazo para a outra parte recorrer, mas apenas para alterar o conteúdo do seu recurso anteriormente interposto, caso tenha ocorrido modificação da decisão embargada. Este efeito interruptivo, portanto, ficará restrito apenas à parte que tiver interposto embargos de declaração (...)” (HARTMANN, Rodolfo Kronemberg. Curso completo do Novo Processo Civil. 3. ed. Niterói, RJ: Ímpetus: 2016, p. 665)

Eliane Leve
Advogada, sócia do escritório BCW Advogados. Formada em Direito pela UERJ, especialista em direito civil-constitucional pela UERJ e em direito contratual pela FGV.

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