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A intepretação constitucional do termo “congêneres” da lista de serviços da LC 116/03

A análise do elemento isonômico do serviço a ser tributado, à luz do princípio da isonomia, é indispensável para a constitucionalidade da cobrança.

26/3/2022

(Imagem: Arte Migalhas)

Sabe-se que a LC 116 de 31/7/03 traz anexo que contempla uma lista de serviços sob os quais incidem o ISS – Imposto sobre serviço – tipificando-os, além de tornar referido rol exemplificativo, posto que, em diversos gêneros de serviço há a complementação ao final com a palavra “congênere”.

Diante da competência municipal e a partir da constatação supramencionada, o STF fixou entendimento quanto a possibilidade dos municípios interpretar de forma extensiva referido rol de serviços (RE 784.439 de Relatoria da Min. Rosa Weber – Tema de Repercussão Geral 296).

A decisão supramencionada majora o poder das administrações municipais quando do apontamento da incidência do ISS, o que torna imprescindível, à luz da Constituição Federal de 1988, o limite interpretativo à luz do termo “congênere”, sob pena de se cobrar tributo sem lei que o estabeleça (art. 97, inciso I do Código Tributário Nacional) e, sobretudo, violando a isonomia tributária (art. 150, inc. II c.c. art. 5º caput da Constituição Federal).

De plano há de se distinguir o termo “congênere” constante na lista para se identificar os fatos geradores do imposto sobre serviço do termo “analogia” expresso no art. 108, incisos I do Código Tributário Nacional.

A palavra “congênere” remete ao que é “do mesmo gênero, classe, função, espécie, tipo etc; Enquanto que “analogia” à semelhança de propriedades entre coisas ou fatos. 

No que tange à lista de serviços constante na lei complementar 116 de 31/7/03 há disposição expressa, em alguns serviços, do termo congênere, afastando a possibilidade de lançar-se mão da interpretação por analogia constante no art. 108, inciso I do Código Tributário Nacional.

Ou seja, inexorável que a autoridade competente verifique se o serviço a ser tributado tem alguma relação com alguns dos serviços previstos nos itens e subitem da lista de serviços, não de modo análogo ou simplesmente congênere.

A Constituição Federal, em seu art. 156, inc. III, delegou à lei complementar a competência para definir quais serviços seriam tributados, sendo que ela própria, Constituição, poderia ter definido quaisquer serviços poderiam ser tributados, mas resolveu delegar esta função. Todavia, a competência-delegada à lei complementar não é absoluta, pois o legislador infraconstitucional está vinculado à Constituição Federal, ou seja, há limites a serem respeitados quando da tributação de serviços.

Dentre as várias limitações constitucionais ao poder de tributar do legislador infraconstitucional está a isonomia, prevista tanto no art. 150, inc. II, como no art. 5º, caput, da Constituição Federal.  À autoridade competente não é admitido preterir alguns prestadores de serviços em detrimento de outros, uma vez que ele, legislador infraconstitucional, está limitado ao princípio da isonomia.

Para ser mais direto, o legislador não poderá escolher critérios arbitrários quando da tributação de prestadores de serviços que estiverem exercendo as mesmas atividades, tampouco pautar-se na analogia para tanto.

A título de exemplo, não poderia o legislador tributar a atividade de psicologia e não tributar a atividade de psicanálise, uma vez que ambas as profissões possuem um elemento em comum que é o comportamento humano, coadunando em serviço do mesmo gênero.

Se o legislador tributasse a atividade de psicanálise e não tributasse a atividade de psicologia, o município, na pessoa de seus agentes fazendários, estaria autorizado a tributar a atividade de psicologia, uma vez que há um elemento de isonomia entre estas atividades, pensar diferente seria incidir em uma inconstitucionalidade, violando assim os arts. 150, inc. II e 5º, caput, da Constituição Federal.

Nesse sentido é que a LC 116/03, com o intuito de auxiliar o intérprete, inseriu a expressão “congêneres” em vários itens da lista de serviço, todavia, esta palavra não é isenta de interpretação, porque ela por si só pode levar a questionamentos, ou seja, se o intérprete estaria incidindo ou não em uma ilegalidade quando da tributação de serviços não previstos no subitem.

Não se pode usar a palavra “congêneres” sem analisar a fundo sua etimologia e em descompasso com os princípios constitucionais, posto que assim em nada ajuda na interpretação, seria apenas mais uma palavra sem função no mundo jurídico.

O intérprete quando da tributação do serviço previsto no subitem, deverá identificar o elemento isonômico entre os serviços, como já mencionado aos serviços de tratamento psicológico, no caso a psiquiatria e a psicologia.

Outro exemplo com reflexos no cotidiano é o previsto no subitem 7.16, quando o intérprete deve analisar se há um elemento isonômico entre as atividades de florestamento e, por exemplo, a atividade de plantio de cana de açúcar.

O elemento isonômico entre as atividades de florestamento e de cana de açúcar é a atividade de plantar, ou seja, tanto uma atividade, como outra, ambas se utilizam do mesmo serviço que é o ato físico de plantar na terra seja por meio de semeadura, seja por meio de mudas.

Tais atividades, florestamento e de cana de açúcar, dependem da terra para seu desenvolvimento. Se na primeira atividade, florestamento, não haverá o corte e na segunda, cana de açúcar, haverá o corte, este fato é irrelevante para definir o elemento isonômico, porque a isonomia está na atividade de plantar.

Antes da reforma da lei complementar 157/16, entendia a jurisprudência que a atividade de silvicultura não poderia ser tributada, por ausência de previsão no subitem 7.16. De fato estava correto este entendimento, porque não havia um elemento isonômico entre as atividades, uma vez que a silvicultura é uma atividade de exploração, sendo que o florestamento é uma atividade de plantação.

Indo um pouco mais além, a própria atividade agrícola pode ser inserida no subitem 7.16, uma vez que há um elemento isonômico que é a atividade de plantar, ou seja, há um prestador de serviço que se utiliza da terra para plantar, assim como no florestamento e na cana de açúcar.

Por isso a necessidade de se analisar a expressão congêneres, não por si só, mais afundo e à luz da isonomia, de forma a extrair se nas atividades há elementos iguais e não simplesmente análogos ou parecidos.

Utilizar do termo congênere sem constatar a identidade de elemento isonômico quando da tributação de ISS em serviço não expresso na lista é o mesmo que se utilizar da expressão “analogia”, tornando, por conseguinte, inconstitucional a tributação.

Carmelino Pereira dos Anjos Junior
Procurador jurídico chefe do Município de Jaboticabal/SP.

Afonso Bonfati Tasso
Procurador jurídico do Município de Jaboticabal/SP e advogado sócio do escritório Tasso Soares Advocacia. Especialista em Direito processual civil pela FDRP-USP.

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