O instituto jurídico da fraude à execução é tratado desde a sistemática do código de processo civil de 1973, em seu art. 593. Àquela perspectiva, era dito que o ato de fraudar a execução era consumado a partir da alienação ou oneração de bens pertencentes ao devedor, quando o determinado bem fosse litigioso ou se o devedor compusesse o polo passivo de demanda que pudesse reduzi-lo a insolvência.
Com a substituição para o código de 2015, o tema foi tratado de maneira mais aprofundada e detalhada devido ao aumento do rol de ações que tornam a alienação ou a oneração fraudulenta. Portanto, a atualização, propiciou desde então, um leque de mobilidade mais amplo aos advogados que tratam de ações do executado que configuram a fraude.
Ressalta-se, ainda, que o rol do art. 792 do código de processo civil é exemplificativo, pois elenca situações que configuram a fraude sem limitar sua possível existência em outros circunstâncias não descritas em lei.
Art. 792. A alienação ou a oneração de bem é considerada fraude à execução:
I - quando sobre o bem pender ação fundada em direito real ou com pretensão reipersecutória, desde que a pendência do processo tenha sido averbada no respectivo registro público, se houver;
II - quando tiver sido averbada, no registro do bem, a pendência do processo de execução, na forma do art. 828 ;
III - quando tiver sido averbado, no registro do bem, hipoteca judiciária ou outro ato de constrição judicial originário do processo onde foi arguida a fraude;
IV - quando, ao tempo da alienação ou da oneração, tramitava contra o devedor ação capaz de reduzi-lo à insolvência;
V - nos demais casos expressos em lei.
O código penal também dispõe acerca do tema em seu art. 179, e há evidente compatibilidade com as ações expostas no código de processo civil.
Art. 179 - Fraudar execução, alienando, desviando, destruindo ou danificando bens, ou simulando dívidas:
Pena - detenção, de seis meses a dois anos, ou multa.
Parágrafo único - Somente se procede mediante queixa.
Importa dizer, à luz do tema, que é notório o movimento e trabalho das empresas em prol da captação quantitativa e qualitativa de clientes, objetivando maior domínio do mercado de consumidores e, este fator, viralizou a criação de grupos econômicos. Trata-se da junção de empresas diversas e que possuem personalidades também diversas, porém enseja solidariedade entre si, ou seja, a responsabilização dos atos de uma das empresas, atinge o dever de responsabilização das demais componentes do grupo econômico.
A adoção de condutas sem respaldo jurídico pode, muitas vezes, cumular consequências na área cível e penal. E torna-se relevante ressaltar que, a atribuição de responsabilidade civil para que a reparação ocorra de forma efetiva, pode ser atribuída a terceiros. A responsabilização de terceiros, se torna aplicável na prática ao tratar de grupos econômicos, tendo em vista o a aplicação da solidariedade entre elas.
A partir de todas as informações expostas e dos pontos em comum entre fraude à execução nas áreas cível e penal, é possível compreender que, se há constatação de ação fraudulenta do executado em um processo de execução que tramita na área cível, há possibilidade de distribuição de uma ação criminal, para apurar conduta que se enquadre na descrição do artigo 179 do código penal.
A análise jurisprudencial entorno do tema, resulta em decisões condenatórias em desfavor de querelados que se utilizaram de meios para evitar o pagamento da execução com atos que, por exemplo, visam evitar a penhora dos bens para satisfação da dívida a partir da simulação de acordos envolvendo a transferência de valores para outro empresa dentro de um mesmo grupo econômico.
A queixa-crime imputou responsabilidade penal aos querelados porque, na condição de representantes legais das empresas “Walnet Soluções em Informática e Telecomunicações” e “Softnet Solutions Informática Eireli”, praticaram o crime de fraude à execução. Segundo consta na inicial e nos documentos que a instruem, “Walnet Soluções em Informática e Telecomunicações” possuía crédito a ser recebido pela empresa “Avaya Brasil Ltda”. Em 29/08/19, a empresa “Avaya” realizou o depósito de valor, objeto de acordo, no importe de R$ 210.000,00, infinitamente inferior ao débito e transferido para empresa terceira “Softnet Solutions Informática Eirelli”. A fraude à execução, nos termos da lei penal (art. 179 do CP), consiste em: alienar, desviar, destruir ou danificar bens ou, ainda, simular dívidas. Portanto, o crime se consuma se comprovada a prática dessas condutas específicas, ou seja, alienação, desvio, destruição ou danificação de bens pelo devedor executado ou inclusão de credores fictícios para simular dívidas.
Por esta lógica, as razões que ensejaram o processo cível, podem motivar o ajuizamento de ação criminal em face do executado, que passará a exercer a figura de querelado, caso suas ações se enquadrem na descrição do tipo penal, qual seja, alienar, desviar, destruir ou danificar bens ou simular uma dívida, esquivando-se da quitação de sua obrigação, e dispondo do patrimônio de forma indevida e ilegal para que o processo de execução não seja devidamente satisfeito.
Além disto, é cediço que as ações dos sócios de empresas estão sujeitas a análise para apuração de correspondência com as ações da pessoa jurídica que faz parte, visto que, não serão dissociadas em casos de suspeita de fraude à execução.
Não importa quantos sejam os indivíduos partícipes, em ações de grupo econômico para fraudar a execução, todos envolvidos responderão pelo tipo penal e poderão ser responsabilizados penalmente, de acordo com a análise do juízo.
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