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O princípio da kompetenz-kompetenz e o conflito de competência entre tribunais arbitrais na jurisprudência do STJ

Questão tormentosa e inovadora surge quando dois tribunais arbitrais se declaram competentes para conhecer da matéria.

22/3/2022

(Imagem: Arte Migalhas)

É cediço que dentro da seara arbitral vige o princípio da competência-competência ,kompetenz-kompetenz, segundo o qual compete ao próprio árbitro decidir sobre a existência, validade e/ou eficácia da cláusula arbitral. Em outras palavras, compete ao próprio árbitro decidir sobre sua competência para julgar o caso posto sob análise. 

Referido princípio, inclusive, encontra-se positivado no parágrafo único do art 8ª da LArb lei 9.307/96:

Art. 8º [...]

Parágrafo único. Caberá ao árbitro decidir de ofício, ou por provocação das partes, as questões acerca da existência, validade e eficácia da convenção de arbitragem e do contrato que contenha a cláusula compromissória.

Ademais, o Superior Tribunal de Justiça possui ampla jurisprudência a validar tal entendimento:

[...] 2. A jurisprudência do STJ se firmou no sentido de que, segundo o princípio do kompetenz-kompetenz, previsto no art. 8º da lei 9.307/1996, cabe ao juízo arbitral, com precedência sobre qualquer outro órgão julgador, deliberar a respeito de sua competência para examinar as questões que envolvam a existência, validade e eficácia da convenção de arbitragem e do contrato que tenha cláusula compromissória. [...] AgInt no AREsp 1276872/RJ, rel. ministro OG Fernandes, segunda turma, julgado em 01/12/20, DJe 30/6/21.

Questão interessante surge, entretanto, quando se analisa a possibilidade do estabelecimento de conflito de competência entre o juízo arbitral e o juízo estatal.

Em caso paradigma julgado pelo STJ, no âmbito dos autos CC 111.230/DF, de relatoria da em. min. Nancy Andrighi, restou decidido pela segunda seção do STJ que “a atividade desenvolvida no âmbito da arbitragem tem natureza jurisdicional, sendo possível a existência de conflito de competência entre juízo estatal e câmara arbitral”.

Nos casos de estabelecimento do conflito de competência entre o juízo arbitral e o juízo estatal, a jurisprudência evoluiu no sentido de privilegiar o princípio da competência-competência, cumprindo ao juízo arbitral, com prevalência sobre o juízo estatal, decidir sobre sua competência para analisar o caso sob discussão.

[...] 2. Segundo a regra da kompetenz-kompetenz, o próprio árbitro é quem decide, com prioridade ao juiz togado, a respeito de sua competência para avaliar a existência, validade ou eficácia do contrato que contém a cláusula compromissória, nos termos dos arts. 485 do NCPC e 8º, parágrafo único, e 20 da lei  9.307/96. 3. Caberá ao juiz arbitral apreciar a aplicabilidade do compromisso arbitral à relação contratual entabulada entre as empresas. [...] AgInt no REsp 1746049/SP, rel. ministro Moura Ribeiro, terceira turma, julgado em 29/6/20, DJe 01/7/20.

Todavia, nada impede, de fato, que seja instalado conflito de competência entre o juízo arbitral e o juízo estatal. Sobre o assunto, o STJ também possui firme jurisprudência no sentido de competir ao próprio Superior Tribunal de Justiça dirimir os conflitos de competência entre o juízo arbitral e o juízo estatal:

[...] 1. De acordo com o atual posicionamento sufragado pela segunda seção desta corte de justiça, compete ao STJ dirimir conflito de competência entre juízo arbitral e órgão jurisdicional estatal, partindo-se, naturalmente, do pressuposto de que a atividade desenvolvida no âmbito da arbitragem possui natureza jurisdicional. [...] CC 150.830/PA, rel. ministro Marco Aurélio Bellizze, Segunda seção,  julgado em 10/10/18, DJe 16/10/18.

O posicionamento adotado pelo STJ decorre da interpretação conjunta da norma estabelecida no art. 105, I, alínea d da Constituição Federal, e do entendimento de que o tribunal arbitral se insere dentro da expressão “quaisquer tribunais” constante do referido dispositivo constitucional. 

Art. 105. Compete ao STJ:

I - processar e julgar, originariamente:

d) os conflitos de competência entre quaisquer tribunais, ressalvado o disposto no art. 102, I, "o", bem como entre tribunal e juízes a ele não vinculados e entre juízes vinculados a tribunais diversos;

Ainda, em decisão monocrática proferida em. min. Marco Aurélio Bellizze no conflito de competência 185.702, restou expressamente externalizado este posicionamento:

[...] compete ao STJ conhecer e julgar originariamente os conflitos de competência entre quaisquer tribunais [leia-se, Tribunais de Justiça dos estados e do Distrito Federal, Tribunais regionais Federais e Tribunais arbitrais], ressalvado o disposto no art. 102, I, ‘o’ [conflito entre Tribunais Superiores a ser julgado pelo STF], bem como entre tribunal [os mesmos antes referidos] e juízes a ele não vinculados e entre juízes vinculados a tribunais diversos.

Entretanto, questão tormentosa e inovadora surge quando dois tribunais arbitrais se declaram competentes para conhecer da matéria, deflagrando um conflito de competência positivo.

Essa situação, em verdade, é a que se verifica no CC 185.702, onde o min. Marco Aurélio Bellizze, em decisão monocrática publicada em 17/3/22, reconheceu que compete ao próprio STJ conhecer e julgar do conflito de competência instaurado entre dois tribunais arbitrais.

Nesse contexto, e em conclusão preliminar, tem-se competir ao STJ, em atenção à função constitucional que lhe é atribuída no art. 105, I, d, da Carta Magna, conhecer e julgar o conflito de competência estabelecido entre tribunais arbitrais, que ostentam natureza jurisdicional, ainda que vinculados à mesma câmara de arbitragem, sobretudo se a solução interna para o impasse criado não é objeto de disciplina regulamentar.

A decisão proferida pelo em. ministro, ainda que monocrática e provisória, estabelece um importante ponto de início para a discussão sobre o conflito de competência entre tribunais arbitrais, além de lançar luz sobre uma questão que merece ampla atenção daqueles que buscam submeter suas disputas à arbitragem.

O tema, por certo, ainda ganhará novos contornos, pois, como ressaltado pelo próprio min. Marcos Bellizze, a matéria é nova na jurisprudência do STJ. Assim, vale acompanhar o desfecho do caso.

Marcelo Kosenhoski
Pós-graduando em Compliance e Integridade Corporativa - PUC Minas | Pós-graduado em Direito Empresarial - Fundação Getúlio Vargas

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