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Crimes sexuais pela internet: a violência contra a mulher entre o real e o virtual

Em 2013, quando duas jovens cometeram suicídio após descobrirem que imagens íntimas foram divulgadas pelas redes sociais e por meio de aplicativos como o WhatsApp, o Brasil ampliou a compreensão de que, no caso de crimes virtuais contra a mulher, o ambiente é digital, mas as consequências são reais.

21/3/2022

(Imagem: Artes Migalhas)

Durante a pandemia de covid-19, dados apontaram para uma situação crítica para as vítimas. Segundo a terceira edição da nota técnica “violência doméstica durante a pandemia de covid-19”, do fórum brasileiro de segurança pública, a tendência ao isolamento social dificultou denúncias de mulheres, por aumentar a convivência com agressores. O órgão registrou redução em uma série de crimes contra elas em 12 estados, com aumento de 20% na violência letal somente na comparação entre o bimestre março e abril de 2019 (117 casos) e de 2020 (140).

A evolução e disseminação das ‘novas tecnologias’ da internet e da telefonia móvel mudaram a maneira como as pessoas vivenciam suas experiências sociais. A ampliação do círculo de pessoas alcançadas pelas chamadas redes sociais e a instantaneidade com que mensagens de voz e de texto, vídeos e fotos são trocados e replicados nesse ambiente virtual estão no cotidiano de uma parcela considerável da população brasileira.

Apesar de úteis e de facilitar ambientes de troca de informação e debate, as redes sociais e outras áreas da comunicação digital têm sido também um espaço de violências contras as mulheres.

O espaço virtual é ilimitado: a distribuição do conteúdo acontece em efeito cascata e com velocidade, e o alcance que a mensagem com a violência pode atingir é grave, preocupante e, pior, difícil de controlar e ser revertido. Com isso, novas formas de violência contra as mulheres e meninas têm surgido a cada instante no espaço virtual.

Pornografia de vingança "revenge porn"

O termo “Pornografia de Vingança” é uma tradução do inglês “Revenge Porn”, que se propagou dos Estados Unidos para o Brasil quando a internet explodiu no país, abrindo assim, espaço para violência virtual. Esse termo consiste no ato de divulgação em sites e redes sociais de fotos e/ou vídeos com cenas íntimas, nudez, relações sexuais de qualquer tipo, conteúdos sensuais ou similares por parte de um ex parceiro.

Essa divulgação não se restringe a redes sociais podendo se dar em sites de pornografia. Pode ser praticada também através de e-mails de cunho ameaçador independente se o objetivo for causar algum receio emocional ou obter alguma vantagem financeira. Frisa-se que essa divulgação não possui o consentimento da vítima mesmo quando ela dá o consentimento de ser fotografada ou filmada.

O intuito do agressor é de vingança motivada por diversos motivos, de término do relacionamento a alguma atitude que o desagradou. O mesmo pretende expor a vítima causando vergonha social e estragos emocionais na mesma. Entretanto, é possível analisar de forma mais profunda essa motivação na perspectiva de que o exposto é o comportamento tido como desviante do padrão imposto pela sociedade, visto que, há um tabu muito grande nas relações sexuais.

Nos casos que chegaram a mídia, vídeos e fotos gravados pela vítima ou que figuram a vítima, sobretudo mulher, juntamente com seu(s) parceiro(s) sexual(is) ou destinados somente ao(s) seu(s) parceiro(s) sexual(is), nunca pretendendo alcançar a todo e qualquer público, são disponibilizados a terceiros pelo(s) próprio(s) parceiro(s) ou ex-parceiro(s), sem o consentimento da envolvida, juntamente com informações pessoais da vítima, com o objetivo de humilhá-la publicamente, expondo-a a linchamento moral, sobretudo após o termino do relacionamento.

A pornografia de vingança ocorre na maioria dos casos em situações de violência doméstica. Os agressores ameaçam as vítimas com o a possível divulgação do conteúdo íntimo para que elas não os abandonem ou não os denunciem por práticas abusivas. Inclusive, usam como argumento que por causa do comportamento sexual das mesmas elas não terão credibilidade na hora da denúncia. Estupradores também utilizam dessa tática, gravando as vítimas para desencorajá-las a denunciar.

No Brasil, essa prática é conhecida popularmente como “nudes” e se tornou muito comum entre jovens e adultos. O envio dessas mensagens geralmente se dá numa relação de afeto e confiança sendo as partes motivadas por vários motivos.

É significativo também dar destaque a figura da ação de terceiros que repassam mídias de pornografia não consensual. A prática delitiva não é exaurida quando da publicação do conteúdo, mas é reexecutada a cada novo compartilhamento; isso corrobora para prolongar o sofrimento e a condição vexatória da vítima. Fato análogo pode ser observado na propagação do crime de Difamação (art. 1391 do Código Penal2). Nesse sentido Fernando Capez (2010, p. 300)3 explica que “a doutrina firmou entendimento no sentido de que o propalador, na realidade, comete nova difamação”.

Tipificação do revenge porn

A justiça brasileira, conforme elucidado tem entendido a prática de revenge porn como conduta conformada dentro dos limites previstos pela figura da difamação e/ou injúria. Tais crimes estão previstos, respectivamente, nos arts. 139 e 1404 do Código Penal, enquadrado nos crimes contra a honra. Ambos os crimes tutelam dimensões distintas da honra. Enquanto a difamação visa proteger a honra objetiva da pessoa, a injúria importa-se apenas com a honra subjetiva.

O professor Guilherme Nucci (2010, p. 673)5 diferencia as duas dimensões definindo a honra objetiva como “o julgamento que a sociedade faz do indivíduo, vale dizer, é a imagem que a pessoa possui no seio social” e a honra subjetiva como “o julgamento que o individuo faz de si mesmo, ou seja, é um sentimento de autoestima, de autoimagem”. Portanto, apesar de as duas normas protegerem a honra, fazem-no sobre aspectos distintos: um global, projetivo e extrínseco – honra objetiva – e o outro pessoal silente e intrínseco – honra subjetiva.

Também não se pode denegar o perfeito enquadramento com a lesão corporal quando da ação decorrer sequelas psíquicas para a vítima, podendo se enquadrar em quase todas as modalidades de lesão corporal – exceto a culposa – inclusive a lesão corporal seguida de morte, caso a vítima venha a cometer suicídio pela divulgação indevida de sua intimidade. Sendo assim, passemos para a análise do enquadramento do revenge porn, segundo as figuras típicas vigentes na atual estrutura penal do Brasil, buscando a conformação mais adequada da conduta à norma repressora.

Conclusão

O caráter ímpar presente no revenge porn de ataque concomitante à honra objetiva e subjetiva da pessoa, bem como as conseqüências avassaladoras para a vítima não encontradas em nenhum outro delito que atente contra a honra, reclama a necessidade de se instituir uma nova figura típica no Código Penal idônea para tratar a matéria com a devida equanimidade, seja para o agente ativo ou passivo da conduta, pois não há subsunção perfeita do fato a nenhuma figura típica até então prevista no ordenamento jurídico brasileiro. Frente a essa peculiaridade, surgiram, desde 2013, vários projetos de lei no Congresso Nacional declinados à criminalização da pornografia não consensual, em especial o revenge porn. É dito isso porque outras formas de pornografia não consensual, como a sextorsão, encontram enquadramento genuíno às normas penais repressivas, conforme o caso concreto, restando sui generis apenas o revenge porn. Em síntese, o texto aprovado, apesar de acolher os anseios sociais, tipificar o delito e inserir essa espécie de pornografia não consensual no rol de crimes contra a mulher, o faz de forma rasa e prolixa.

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https://www.jusbrasil.com.br/topicos/10622728/artigo-139-do-decreto-lei-n-2848-de-07-de-dezembro-de-1940

https://presrepublica.jusbrasil.com.br/legislacao/91614/codigo-penal-decreto-lei-2848-40

https://ambitojuridico.com.br/edicoes/revista-40/ampla-defesa-e-efetividade-da-tutela-jurisdicional-na-possibilidade-de-dispensa-da-caucao-exigida-na-execucao-provisoria/#_ftn13

4 https://www.jusbrasil.com.br/topicos/10622653/artigo-140-do-decreto-lei-n-2848-de-07-de-dezembro-de-1940

5 https://ambitojuridico.com.br/edicoes/revista-40/ampla-defesa-e-efetividade-da-tutela-jurisdicional-na-possibilidade-de-dispensa-da-caucao-exigida-na-execucao-provisoria/#_ftn20

6 CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal – Parte Especial Volume 2. 11ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011.

CUNHA, Rogério S. Direito Penal – Parte Especial. 2ª ed. rev. atual. e ampli. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009. (Coleção Ciências Criminais, v. 03 / Coordenação Luiz Flávio Gomes e Rogério Sanches Cunha).

CYBER CIVIL RIGHTS INITIATIVE. 2013 Nonconsensual Pornography (NCP) Study Results. Disponível em: ;

FERREIRA, Allan E. V. Os Delitos Informáticos e a Competência em Matéria Penal. Revista Jurídica da Seção Judiciária de Pernambuco, Recife, n. 03, p. 15-28, 2010.

10  https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-penal/criminalizacao-do-revenge-porn/amp/

11 www.prpe.mpf.mp.br/internet/index…/CONVENÇÃO%20DE%20BUDAPESTE.pdf>;

12 https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-penal/pornografia-de-vinganca-uma-forma-de-violencia-...

Paulo Roberto Silvério Moreira
Bacharel em Direito (Universidade Nove de Julho), Pós Graduando em Direito Digital e Compliance, Pós Graduando em Direito Penal e Processo Penal. Membro da ANPPD.

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