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Animais em condomínios: a exigência do RGA - Registro Geral do Animal e a obrigatoriedade do uso de focinheiras

Que os síndicos identifiquem a situação normativa de suas convenções condominiais, para torná-las normas praticáveis e realmente funcionais dentro dos condomínios.

18/3/2022

(Imagem: Arte Migalhas)

A convivência em condomínio tem se tornado cada vez mais complexa no mundo moderno, afinal, nem sempre a rotina de um ambiente compartilhado é fácil.

Para que haja harmonia, é necessário que cada morador respeite as regras de convivência, que por muitas as vezes são objeto de aversão por alguns e acabam causando problemas no ambiente condominial.

Isto porque, como popularmente sabido, os condomínios possuem internamente regras próprias de convivência, materializadas através do que se chama “convenção do condomínio” e “regimento interno”, cabendo à primeira definir a estrutura geral do condomínio e os direitos básicos do condômino, enquanto o segundo tem como objetivo disciplinar a conduta interna de todos os que habitam, se utilizam ou trabalham para o condomínio.

Tais regras são de suma importância para o convívio harmonioso, eis que delimitam os direitos e deveres de cada um dos moradores.

Dessa forma, é necessário que toda a regra de convivência esteja expressamente disposta em um dos regramentos citados, sendo importante mencionar que, qualquer alteração de convenção ou regimento, deve ser precedida de um procedimento formal (publicação de edital de convocação, discussão, votação, quórum específico, etc.).

Nesse aspecto, a figura do síndico ganha especial relevância, pois, conforme dispõe a Lei, ele é o responsável por fazer cumprir as determinações em assembleia de condomínio, os regimentos internos e as convenções.

É o que dispõe o art. 1348, inciso IV, do Código Civil:

Art. 1348 – Compete ao Síndico:

(...)

IV – cumprir e fazer cumprir a convenção, o regimento interno e as determinações da assembleia;

Porém, importante consignar que cabe ao síndico apenas a fiscalização, não podendo agir como legislador de normas de convivência. Assim, deve o síndico fazer cumprir o que determina a Lei brasileira e as regras internas do seu condomínio.

Exposto esse cenário, um assunto que gera muita polêmica no âmbito condominial se refere a animais domésticos. Segundo Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) de 2019, divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 46,1% dos domicílios possuem pelo menos um cachorro. E 19,3% dos lares brasileiros têm gatos. Ao todo, cães e gatos estão presentes em mais de 47,9 milhões de residências.

Assim, a presença de animais domésticos nos lares residenciais, sobretudo em condomínios, é uma realidade social inegável, sendo impossível ignorá-la. E como todo assunto latente em uma sociedade carece de legislação, a realidade sobre os pets no Brasil não é diferente, passando por tempos de normatização legislativa.

Nesse sentido, os síndicos condominiais possuem muitas dúvidas com relação as regras que podem ser impostas aos animais domésticos no âmbito condominial.

A primeira grande polêmica que deve ser esclarecida se refere a ilegalidade da proibição da presença de pets em condomínios. Recentemente, esse assunto foi pacificado pelo STJ, tendo repercussão nacional.

Segundo o STJ: “Norma condominial que proíbe indistintamente qualquer tipo de animal dentro do apartamento consiste em excesso normativo que fere o direito de propriedade”.

Nesse sentido:

DIREITO CIVIL E CONDOMINIAL OBRIGAÇÃO DE NÃO FAZER. CRIAÇÃO DE ANIMAIS. VEDAÇÃO EXPRESSA EM CONVENÇÃO CONDOMINIAL. INFRINGÊNCIA. TRANSTORNO AOS MORADORES. 1 – As normas inscritas na convenção condominial e regimento interno incidem sobre todos os moradores, razão pela qual a proibição expressa de permanência de animais nas unidades condominiais do edifício deve prevalecer sobre a vontade individual de cada morador. “2 – Deu-se provimento ao recurso” (fl. 197 e – STJ). Os embargos de declaração opostos foram rejeitados. As razões de recurso afirmam haver divergência jurisprudencial acerca da interpretação do art. 1.228 do Código Civil. Afirmam ser possível a criação de uma gata de estimação dentro da unidade autônoma do edifício mesmo quando expressamente vedado pela convenção de condomínio, quando não constatada nenhuma interferência ou perturbação na saúde e sossego dos demais moradores. Acrescenta que a norma condominial que proíbe indistintamente qualquer tipo de animal dentro do apartamento consiste em excesso normativo que fere o direito de propriedade. É o relatório. DECIDO. Ultrapassados os requisitos de admissibilidade do agravo, passa-se ao exame do recurso especial. O recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ). Ademais, diante das peculiaridades da causa, a hipótese ora em análise merece melhor exame desta Corte, motivo pelo qual dou provimento ao agravo para determinar a sua re-autuação como recurso especial, nos termos do art. 34, inciso XVI, do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça (RISTJ). Documento: 88532562 – Despacho / Decisão – Site certificado – DJe: 16/11/2018 Página 1 de 2 Superior Tribunal de Justiça Publique-se. Intimem-se. Brasília-DF, 30 de outubro de 2018. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA Relator.

Assim, apesar de os condomínios não poderem proibir animais de estimação, não quer dizer que tudo é permitido. Cada condomínio pode estabelecer regras e normas de convivência que se apliquem para todos, explicitadas no regimento interno ou no estatuto do condomínio. As normas devem ser submetidas à votação em assembleia geral e ter voto favorável da maioria dos condôminos presentes para ser validada.

Porém, tais regras devem ter o cuidado para que não excedam o limite do razoável. Uma norma comum em convenções condominiais e objeto de deliberação de assembleias se refere ao uso de focinheiras por animais domésticos nas dependências do condomínio.

Importante salientar que esse uso não é obrigatório em todas as raças. Alguns Estados e Municípios legislam a esse respeito. O ideal é que essas informações sejam buscadas pelos síndicos, a fim de evitar convenções cegas.

No município de Praia Grande, por exemplo, não existe Lei específica que regulamente a exigência do uso de focinheiras por animais no âmbito condominial. O único diploma normativo que mais se aproxima é a lei 1.040/99, que dispõe sobre a proibição de comercialização e criação de cães da raça “pit bull terrier” no município e adota providências correlatas, vejamos:

Art. 1º - Fica proibido toda e qualquer forma de comercialização e criação de cães da raça "Pit Bull Terrier" no Município de Praia Grande.

Parágrafo Único - Os atuais possuidores desses cães deverão providenciar sua esterilização no prazo de 60 (sessenta) dias, a contar da data da promulgação desta Lei, e estes somente poderão circular no município conduzidos por pessoas maiores de 18 anos de idade, devidamente atados a coleiras e guias e munidos de focinheiras, portando comprovante de esterilização expedido por Veterinário.

Já o município de Cuiabá, a lei 4.239/22 dispõe sobre a obrigatoriedade da focinheira, da guia e da coleira em cães considerados perigosos que passeiam pelos parques, praças e vias públicas da cidade e dá outras providências. Seus artigos 1º e 2º deixam claros quais as raças onde o uso da focinheira é realmente obrigatório.

Art. 1º Fica estabelecido a obrigatoriedade do uso da focinheira, da guia e da coleira para todos os cães das raças consideradas violentas ou peso superior a vinte quilos, quando estiverem em seus passeios pelos parques, praças e vias públicas da cidade.

Art. 2º O uso da focinheira, da guia e da coleira é obrigatório para as raças de cães fila, rottweiler, doberman, pitbull, pastor alemão, mastin-napolitano, bull terrier e american stafforshire.

Assim, caso o condomínio tenha a intenção de impor o uso de focinheiras por animais domésticos em suas dependências, é ideal que observe a raça e o porte do cachorro, pois o uso de focinheiras em determinadas raças, sobretudo de pequeno porte – que não oferecem riscos a moradores – pode causar desconforto desnecessário ao animal desrespeitando sua dignidade e configurando crueldade e o crime de maus-tratos (Art. 32 da lei 9.605/98 e art. 3º, I do Decreto 24.645/34).

Sendo assim, é necessária muita atenção quando os condomínios deliberarem a respeito do assunto, limitando eventual uso de focinheiras a raças determinadas, como, por exemplo, cães da raça fila, rottweiler, doberman, pitbull, pastor alemão, mastin-napolitano, bull terrier e american stafforshire.

Ademais, outro assunto que vem gerando polêmica sobre os pets se refere a ao RGA (Registro Geral do Animal). Tal assunto, inclusive, extrapola o assunto condominial, pois tal registro – que nada mais é do que um RG animal - é mantido junto ao poder público (geralmente regulamentado pelo município).

Cada município possui suas regras que definem a respeito.

A cidade de Praia Grande, por exemplo, recentemente editou a lei 1.943/19, que institui o Programa de Proteção e Bem-Estar Animal e controle de natalidade de cães e gatos.

Conforme dispõe essa Lei:

Art. 1º. Fica criado o Programa de Proteção e Bem-Estar Animal, Posse Responsável e Controle de Natalidade de cães e gatos no Município de Praia Grande.

Art. 2º. O Programa a que se refere o artigo anterior tem como objetivos:

(...)

IV - incentivar, divulgar, promover e realizar a identificação de animais dentro do território do município;

V - realizar o registro de animais para fins de cadastro, controle e planejamento de ações;

(...)

X - fiscalizar e aplicar as normas previstas em legislação de proteção e controle animal e aquelas relativas à criação, comercialização, propriedade, guarda, posse, uso, transporte, tráfego, relativas aos animais dentro do município.

Art. 4º. Todos os cães e gatos serão registrados conforme programa de registro e identificação animal estabelecido pela Secretaria de Saúde Pública.

Conforme se observa, a norma tem como objeto promover o registro de todos os cães e gatos do município, configurando penalidade a ausência desse registro, conforme art. 57, vejamos:

Art. 57º. São consideradas infrações à presente lei, com as respectivas penalidades que poderão ser aplicadas individual ou acumulativamente:

I- São consideradas penalidades de natureza leve:

a) falta de registro e identificação de animal

Ainda, a Lei estipulou um prazo – que já se expirou - para que os proprietários de cães e gatos efetuassem o registro dos animais na cidade, vejamos:

Art. 64º. Fica estipulado o prazo de 180 (cento e oitenta) dias para o registro dos animais, sob pena de pagamento de multa.

Na cidade de São Paulo não é diferente. Desde 2001, o Registro Geral do Animal (RGA) é obrigatório por Lei no município de São Paulo desde a todos os cães e gatos com idade superior a 3 meses de idade e facilita a localização dos tutores no caso de animais perdidos.

Dessa forma, parece-nos razoável que os condomínios, localizados em cidades ondem exigem o RGA animal por Lei, definam regras sobre a necessidade desse registro, até mesmo como forma de incentivo ao cumprimento da norma pública, não havendo qualquer ilegalidade na regulamentação interna a respeito.

Por fim, consigne-se que o objetivo desse artigo foi demonstrar os aspectos jurídicos sobre esse assunto de tamanha relevância social. Bem como apontar diretrizes para que os síndicos identifiquem a situação normativa de suas convenções condominiais, para torná-las normas praticáveis e realmente funcionais dentro dos condomínios.

Thyago Garcia
Advogado, Sócio-Fundador do escritório "Garcia Advogados", Diretor da OAB/PG, pós-graduado em Direito do Trabalho e em Processo Civil pela Universidade Católica de Santos/UniSantos.

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