Migalhas de Peso

“Pump and Dump” - Uma nova pandemia para 2022

As criptomoedas no mundo atual e a conduta abusiva de players do mercado para a realização do “Pump and Dump”.

14/3/2022

(Imagem: Arte Migalhas)

O mercado de criptomoedas, embora tenha se popularizado nas grandes massas nos últimos anos, existe no “submundo” da internet desde 2011. Para aqueles que acompanharam ou se interessam pela história desse mercado, muitos relacionam a criação e propagação – quase epidêmica – das moedas virtuais ao site de vendas “Silk Road”1.

Embora naquele momento, em especial no pioneiro site “Silk Road”, as moedas fossem utilizadas, em sua grande maioria, para a aquisição de produtos de origem ilícita, possibilitando ao comprador uma verdadeira anonimidade nas transações efetuadas dentro dessa espécie de “mercado negro”, o futuro das tão faladas criptomoedas não poderia ter sido mais diferente.

Atualmente, as criptomoedas, em especial as gigantes do mercado (Bitcoin e Ethereum), são utilizadas para as mais variadas transações comerciais e, o que será o foco do presente artigo, como uma valiosa forma de investimento.

Sempre almejando maiores retornos, a maioria das pessoas, naturais e jurídicas, aumentou o seu portfólio de investimentos para incluir a nova sensação do mercado, as criptomoedas.

Ocorre que existe uma grande diferença entre o mercado clássico de investimentos, composto por grandes fundos de investimento e ações de empresas renomadas nas bolsas de valores, e os de criptomoedas. Essas  diferenças abriram portas para possíveis abusos daqueles que detém não apenas o conhecimento do mercado, mas, especialmente, o controle de determinada moeda em circulação.

Por um lado, o mercado clássico de investimentos, apoiado nas bolsas de valores existentes ao redor do mundo, leva em conta fatores “fundamentalistas” de precificação, buscando alcançar um valor considerado “justo” com base em diversos medidores técnicos, como valor agregado da empresa, fluxo de caixa, endividamento, entre tantos outros.

Esse tipo de análise, chamada fundamentalista, com base em fatores palpáveis da empresa, permite uma verdadeira compreensão da situação real da companhia negociada na respectiva bolsa de valores, evitando, por conseguinte, distorções irreais no longo prazo.

Lado outro, as criptomoedas operam de forma diametralmente oposta. O mercado de criptomoedas, que conta atualmente com cerca de 10 a 15 mil moedas distintas2, não possui qualquer tipo de lastro e muito menos qualquer análise técnica para a sua precificação. Pelo contrário, as moedas comercializadas nos mercados vivem e prosperam meramente por conta da especulação criada pelo próprio mercado de consumidores que ali se encontram, sendo regida, em poucas palavras, pela lei da oferta e procura.

Utilizando o famoso jargão popular, de que uma imagem vale mais que mil palavras, confira-se, com efeito, o gráfico de uma famosa criptomoeda chamada Dogecoin:

 

Como se pode observar, o gráfico da moeda virtual teve uma explosão repentina de crescimento, chegando ao patamar de 26.000% de valorização no curto espaço de seis meses3.

Ora, o que causou esse inesperado e significativo crescimento no valor monetário dessa moeda virtual? Alguma alteração significativa em seu processamento? Fundamentos sólidos na condução da moeda para o futuro? Ou, porventura, algo semelhante a algum processo de M&A para o crescimento inorgânico da moeda? Absolutamente nada disso.

Como mencionado, as criptomoedas operam de forma distinta ao mercado clássico de investimento. Logo, seu crescimento, da mesma maneira, não segue o mesmo padrão lógico das ações de empresas. Em poucas palavras, o seu crescimento não depende de fatores “reais” de precificação, como necessariamente existe para as empresas listadas na bolsa de valores.

No caso da Dogecoin, utilizado como paradigma para expor a natureza e diferença das ações listadas nas bolsas de valores das criptomoedas, o seu crescimento repentino se deu por um único e exclusivo motivo, um singelo “tweet” do criativo empreendedor Elon Musk4.

Da mesma forma que em seu crescimento, as moedas virtuais são extremamente suscetíveis a fortes quedas. Um grande exemplo disso, partindo também do empresário Elon Musk, foi a (curta) operação da Tesla dentro do mercado de criptomoedas.

Elon Musk, novamente utilizando-se de sua grande influencia nas redes sociais, anunciou para o mundo que a Tesla começaria a aceitar a moeda Bitcoin para a aquisição dos veículos comercializados por ela, adquirindo milhões de dólares desse ativo antes de seu anúncio. Com isso, a resposta do mercado foi extremamente positiva, alavancando o preço do ativo.

Todavia, em poucas semanas, o empresário e CEO da Tesla voltou atrás naquilo que foi dito, suspendendo as vendas de seus veículos por meio da moeda digital, alienando, consequentemente, toda a sua reserva de Bitcoin com o seu preço inflacionado. O resultado disso, evidentemente, foi catastrófico para o mercado, causando em menos de 24 horas uma depreciação no ativo no montante de 12%5.

Daí que surge um dos grandes pontos de controvérsia das criptomoedas: uma única pessoa (ou empresa) tem realmente o poder de ditar um verdadeiro boom de crescimento de uma determinada moeda virtual? A resposta, como se pode imaginar, é positiva.

Não apenas uma grande figura pública como Elon Musk pode alterar o futuro de uma determinada moeda virtual, mas, ao que tudo indica, qualquer pessoa comum pode gerar o mesmo efeito no mercado, utilizando-se, na visão desse autor, de meios ilícitos.

Realizada essa longa, porém, necessária introdução, finalmente chegamos à problemática que levou a confecção do presente artigo.

É possível observar em diversas redes sociais a utilização dessas plataformas por supostos gurus do investimento para propagar suas ideias e, claro, auferir lucro com suas dicas e previsões. Até aí tudo bem!

Porém, chamou a atenção um novo modelo de propaganda agressiva e, a toda evidência, desonesta, por empresas de investimento no Youtube. Essas propagandas, que invariavelmente começam com uma afirmação apelativa como “não pule a propaganda ou perderá dinheiro” ou, “importante oportunidade de investimento que renderá 5.000% do seu valor inicial”, divulgam criptomoedas desconhecidas como uma fantástica forma de investimento e, ainda por cima, completamente sem risco.

Se realmente fossem oportunidades imperdíveis de investimento, seriam ela divulgadas por meio de propagandas no Youtube? Ou há algo por trás dessa enxurrada de propagandas de investimento em criptomoedas? Infelizmente, existe um grande motivo para a utilização dessas propagandas direcionadas para a compra de determinada moeda virtual.

Não é de hoje que o mercado como um todo se depara com a famosa estratégia do Pump and Dump, que consiste, basicamente, em inflacionar de forma irreal determinada ação – leia-se criptomoeda aqui – para impulsionar o seu valor, criando, consequentemente, uma bolha6. Criada a bolha, com a valorização significativa do preço da moeda virtual, o detentor da maior parcela dela – muitas vezes aquele que divulgou propagandas por meio de redes sociais – realiza o seu lucro, derrubando por completo o mercado dessa criptomoeda.

Essa bolha, criada de forma artificial por meio de propagandas abusivas, acaba por beneficiar somente aqueles que adquiriram a ação ou moeda no preço “real”, antes do crescimento fictício em seu valor, porém, às custas de absolutamente todos os outros consumidores que compraram a criptomoeda durante o seu crescimento, que terão um prejuízo enorme com a operação.  

Novamente, nos deparamos com outra pergunta: por que isso seria um problema?

Como vimos anteriormente, o mercado de criptomoedas, diferentemente das ações listadas na bolsa de valores, não segue qualquer padrão técnico de precificação, sendo o seu impulsionamento por meio de propagandas mentirosas o suficiente para alterar e valorizar o seu preço de mercado.

Sendo assim, temos um enorme problema: empresas e pessoas físicas  utilizam-se de propagandas agressivas para criar uma euforia em torno de uma moeda, muitas vezes desconhecida, e subir o seu valor, apenas para aqueles que a divulgaram, detentores de grande parte das moedas em circulação – adquiridas no “ponto 0” do seu gráfico -, alienarem sua participação no mercado.

Esse tipo de conduta causa um enorme estrago dentro do mercado de criptomoedas e, pior, dá lucro para o player abusivo que divulgou a moeda7. Os consumidores que adquiriram a moeda com o preço inflacionado, provavelmente perderão quase todo o seu investimento inicial alocado na respetiva moeda virtual, se tornando refém do infrator.

A estratégia do “Pump and Dump” tem o potencial de lesar inúmeras pessoas, especialmente quando se considera que essas propagandas de divulgação de criptomoedas estão presentes nas maiores redes sociais do mundo, alcançando um número ilimitado de pessoas.

Em que pese o seu potencial lesivo, até a data do presente artigo não temos qualquer posicionamento da CVM ou do Ministério Público para coibir ou punir esse tipo de conduta, deixando diversos consumidores possivelmente lesados fadados a própria sorte.

Embora o sistema de blockchain8 das criptomoedas dificulte o trabalho de verificação dos beneficiários do Pump and Dump, as diversas pessoas que participam da divulgação, além de provavelmente estarem participando do resultado final, são os maiores contribuidores para que essa estratégia ilícita tenha sucesso, devendo ser combatida com rigor pelos órgãos competentes. 

Acredito que o combate em relação a conduta ilícita descrita e denunciada no presente artigo deverá ser realizada de forma preventiva, retirando do ar as inúmeras propagandas nesse sentido, considerando seu intuito manifestamente abusivo. 

Porém, uma vez consumada a estratégia, com a lesão de diversos consumidores e a perda de milhares de reais, o Ministério Público pode e deve agir para a responsabilização daqueles que incorreram nesse tipo de conduta, cabendo, na visão desse autor, a configuração do crime de estelionato.

Isso porque, como bem explica o didático sítio do TJ/DF9, de forma resumida e simplificada, para a caracterização do crime de estelionato obrigatoriamente deverão estar presentes quatro requisitos: “1) obtenção de vantagem ilícita; 2) causar prejuízo a outra pessoa; 3) uso de meio de ardil, ou artimanha, 4) enganar alguém ou a leva-lo a erro”.

Todos os requisitos parecem estar presentes, uma vez que a divulgação de propagandas a fim de direcionar o consumidor a criação artificial de uma bolha, em uma determinada criptomoeda, causa inegável prejuízo, visto que o preço inflacionado não se sustentará após a retirada da parcela das moedas virtuais pertencentes aqueles que compraram no “marco 0” e a divulgaram de forma maliciosa como uma grande oportunidade de investimento, obtendo lucro significativo de maneira ilícita.

Esse entendimento ganha ainda mais respaldo quando se verifica que a Câmara dos Deputados já discute, por meio do Projeto de Lei 2303/15, a introdução no próprio Código Penal de um tipo especial de estelionato, voltado exclusivamente para os crimes envolvendo ativos virtuais – exatamente a hipótese do presente artigo10. 

De todo modo, até que seja aprovado e sancionado o supracitado PL, nada impede que o Ministério Público utilize a tipificação geral do crime de estelionato para a responsabilização dos envolvidos nas práticas de Pump and Dump.  

________________

1 https://www.investopedia.com/terms/s/silk-road.asp 

"Criação de criptomoedas se tornou mais simples e pode ocorrer em horas; entenda"

"Dogecoin: criptomoeda piada cresceu 26.000% nos últimos seis meses"

"Apoiada por Elon Musk, DogeCoin sobe 6000% no ano e já vale mais do que Ambev e Bradesco"

"Bitcoin desaba após Elon Musk anunciar que Tesla vai suspender vendas com a criptomoeda"

6 https://www.cnet.com/google-amp/news/cryptocurrency-pump-and-dump-schemes-what-you-should-know-about-these-scams/ 

7 https://www.marketwatch.com/story/bitcoin-whales-dump-100-million-of-digital-currency-in-24-hours-2018-04-17

"Como funciona a tecnologia blockchain?" 

9 https://www.tjdft.jus.br/institucional/imprensa/campanhas-e-produtos/direito-facil/edicao-semanal/estelionato 

10 https://www.camara.leg.br/noticias/836731-camara-aprova-projeto-que-preve-regras-para-negociacao-de-moedas-virtuais/ 

Leonardo Caputo Bastos Zveiter
Graduando em direito pelo UNICEUB. Estagiário no escritório de Advocacia Sergio Bermudes.

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