Como se sabe, o pagamento regular da taxa condominial é obrigação inescusável de proprietários/possuidores que habitam imóvel em regime de condomínio edilício, conforme previsão expressa no art. 1336, inciso I, do Código Civil, in verbis:
Art. 1.336. São deveres do condômino:
I - contribuir para as despesas do condomínio na proporção das suas frações ideais, salvo disposição em contrário na convenção; (Redação dada pela lei 10.931, de 2004)
Neste contexto, a falta de pagamento da contribuição mensal no condomínio, inicialmente, sujeita o condômino às sanções previstas nos §§ 1º e 2º, do art. 1336 do diploma civilista: (i) multa moratória de 2% sobre o valor do débito e (ii) juros moratórios convencionados ou, não sendo previstos, os de 1% (um por cento) ao mês.
§ 1º O condômino que não pagar a sua contribuição ficará sujeito aos juros moratórios convencionados ou, não sendo previstos, os de um por cento ao mês e multa de até dois por cento sobre o débito.
§ 2º O condômino, que não cumprir qualquer dos deveres estabelecidos nos incisos II a IV, pagará a multa prevista no ato constitutivo ou na convenção, não podendo ela ser superior a cinco vezes o valor de suas contribuições mensais, independentemente das perdas e danos que se apurarem; não havendo disposição expressa, caberá à assembléia geral, por dois terços no mínimo dos condôminos restantes, deliberar sobre a cobrança da multa.
Porém, uma questão muito polêmica e alvo de debates pela jurisprudência se refere a possibilidade de aplicação de uma multa compensatória em conjunto com a multa moratória pelo atraso no adimplemento das cotas condominiais.
Afinal, seria possível a cumulação da multa moratória e a multa compensatória? Haveria bis in idem nessa cumulação?
Primeiro, devemos distingui-las. No âmbito condominial, a lei dispõe sobre a aplicação basicamente de dois tipos de multas:
MULTA MORATÓRIA: a finalidade dessa multa é sancionar a impontualidade do condômino, que tem como fato gerador o retardamento da execução da obrigação específica de pagar a taxa condominial. Está prevista no parágrafo 1º do artigo 1.336 do CC/02.
MULTA COMPENSATÓRIA: destinada a compensar ou reparar o condomínio pelo descumprimento do pacto de convivência estabelecido na convenção por um ou por alguns dos condôminos. Tem como fato gerador a inexecução total ou parcial da convenção. Está prevista no parágrafo 2º do artigo 1.336 e no artigo 1337 do CC/02.
Neste contexto, ao apreciar a indagação supramencionada, o Superior Tribunal de Justiça decidiu que a cumulação das sanções previstas nos artigos 1336 e 1337 do Código Civil é, sim, em alguns casos, permitida.
Porém, ela se opera apenas nas hipóteses de devedores contumazes, ou seja, naqueles casos em que a inadimplência ocorre reiteradamente e de forma arbitrária, de maneira tal que acaba por restar comprometida gravemente a convivência harmônica dos mesmos com os demais condôminos, em sério prejuízo ao que chamamos de “solidariedade condominial”.
Nesse sentido:
“RECURSO ESPECIAL. DIREITO CONDOMINIAL. DEVEDOR DE COTAS CONDOMINIAIS ORDINÁRIAS E EXTRAORDINÁRIAS. CONDÔMINO NOCIVO OU ANTISSOCIAL. APLICAÇÃO DAS SANÇÕES PREVISTAS NOS ARTS. 1336, § 1º, E 1.337, CAPUT, DO CÓDIGO CIVIL. POSSIBILIDADE. NECESSIDADE DE CONDUTA REITERADA E CONTUMAZ QUANTO AO INADIMPLEMENTO DOS DÉBITOS CONDOMINIAIS. INEXISTÊNCIA DE BIS IN IDEM. RECURSO NÃO PROVIDO. 1. De acordo com o art. 1.336, § 1º, do Código Civil, o condômino que não pagar a sua contribuição ficará sujeito aos juros moratórios convencionados ou, não sendo previstos, os de 1% (um por cento) ao mês e multa de até 2% (dois por cento) sobre o débito. 2. O condômino que deixar de adimplir reiteradamente a importância devida a título de cotas condominiais poderá, desde que aprovada a sanção em assembleia por deliberação de 3/4 (três quartos) dos condôminos, ser obrigado a pagar multa em até o quíntuplo do valor atribuído à contribuição para as despesas condominiais, conforme a gravidade da falta e a sua reiteração. 3. A aplicação da sanção com base no art. 1.337, caput, do Código Civil exige que o condômino seja devedor reiterado e contumaz em relação ao pagamento dos débitos condominiais, não bastando o simples inadimplemento involuntário de alguns débitos. 4. A multa prevista no § 1º do art. 1.336 do CC/2002 detém natureza jurídica moratória, enquanto a penalidade pecuniária regulada pelo art. 1.337 tem caráter sancionatório, uma vez que, se for o caso, o condomínio pode exigir inclusive a apuração das perdas e danos. 5. Recurso especial não provido.” (REsp 1247020/DF, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 15/10/2015, DJe 11/11/2015).
Dessa forma, não pode o condomínio, de forma deliberada e aberta, aplicar a cumulação das multas. Somente será permitida para os casos de devedores contumazes e desde que a multa seja deliberada por ¾ (três quartos) dos condôminos em assembleia para tanto.
Em outras palavras, a multa compensatória não tem por função punir o simples inadimplemento, mas coibir a chamada “inadimplência reiterada”, compensando o condomínio pela violação, pela inexecução da convenção, representada pelo descumprimento reiterado do mais importante dever do condômino para com o condomínio.
Conforme bem consignado pelo STJ, a possibilidade de cumulação dessas multas – que, repita-se, é direcionada ao devedor contumaz e possui formalidade de aplicação – decorre da diversidade de fatos geradores dessas sanções. De fato, se os fatos geradores fossem idênticos, estaríamos punindo um mesmo fato com duas penas, o que caracterizaria inadmissível bis in idem. Mas não é esse o caso!
Na verdade, são dois fatos geradores distintos. Uma coisa é a inexecução parcial da convenção do condomínio, caracterizada pelo atraso ou impontualidade na quitação da taxa. Outra coisa, completamente diversa, é a reiteração da impontualidade. Nessa última hipótese, o fato gerador não é a inadimplência em si, mas a “repetição” da conduta, a contumácia, o comportamento de reiteradamente inadimplir, de sempre atrasar.
Ademais, devemos consignar que o conceito de “descumprimento reiterado” é aberto e indeterminado, devendo ser preenchido de acordo com as circunstâncias do caso concreto e tendo sempre em mira o princípio da boa-fé objetiva.
O prazo para caracterização da “reiteração” pode variar. A situação de um rico comerciante que, propositadamente, por “pirraça” com o síndico, por exemplo, deixa de pagar a taxa por dois ou três meses consecutivos não pode ser equiparada àquela do comerciário desempregado que deixa de pagar a taxa por vários meses, consecutivos ou alternados, por absoluta falta de recursos financeiros. É fundamental que se perscrute os motivos do inadimplemento.
Exatamente para possibilitar a equidade na aplicação da pena, dada a gravidade da medida, exige o código que a multa somente possa ser imposta por decisão da assembleia, com a aprovação de 3/4 dos condôminos, excluindo-se, naturalmente, o condômino infrator.
Porém, nesse ponto, o entendimento do STJ merece uma crítica, pois é certo que as reuniões de condomínio nem sempre possuem esse quórum qualificado de ¾, o que dificultaria a aplicação dessas espécies de multa aos condôminos “devedores”.
De todo modo, é certo que o entendimento da suprema corte é que deve prevalecer atualmente, sendo plenamente cabível, conforme exposto, a cumulação das multas moratória e compensatória, também conhecida como "multa administrativa".