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União estabelece critérios para nomeação de árbitros em procedimentos arbitrais

Ao tratar da nomeação de árbitros, a Lei de Arbitragem delimita apenas que o tribunal arbitral deverá ter número ímpar de membros e que árbitros serão pessoas capazes e de confiança das partes.

10/3/2022

(Imagem: Arte Migalhas)

A Advocacia Geral da União publicou em 09 de março de 2022 a Portaria Normativa AGU n. 42 de 7 de março de 2022, em que estabeleceu critérios para a escolha de árbitros em procedimentos arbitrais em que a União seja parte. Além de colocar critérios para a nomeação de árbitros pela União, também expôs os requisitos mínimos para que uma pessoa seja considerada pela União para desempenhar a função de árbitro em procedimentos arbitrais. Alguns destes requisitos já existiam na legislação, outros não.

A Portaria era aguardada desde que a lei 14.133/21, a nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos, regulamentou expressamente a utilização de meios não judiciais de resolução de conflitos como a arbitragem, mediação e dispute boards em contratos públicos. A arbitragem é, dentre esses, a mais usada por órgãos públicos. Em 2019, quase 20% dos procedimentos de arbitragem entrantes no Brasil tinham como parte entes da Administração Pública Direta ou Indireta1. A lei 14.133 criou parâmetros mínimos para a utilização do mecanismo pela administração pública. Dentre eles, previu, em seu artigo 154, que o processo de escolha dos árbitros “observará critérios isonômicos, técnicos e transparentes”. Estes termos, à época novos, trouxeram o questionamento: são parâmetros criados do zero ou apenas incorporados a partir da prática preexistente?

Ao tratar da nomeação de árbitros, a Lei de Arbitragem delimita apenas que o tribunal arbitral deverá ter número ímpar de membros e que árbitros serão pessoas capazes e de confiança das partes2. Segundo o art. 13 § 3º da Lei de Arbitragem, o processo de indicação dos árbitros pode ser escolhido de comum acordo pelas partes, podendo elas “adotar as regras de um órgão arbitral institucional ou entidade especializada”. A regra é a liberdade de escolha: o processo de nomeação pode estar previsto no contrato, ser criado pelas partes após a assinatura ou adotado de alguma instituição administradora, sem restrições que não aquelas de devido processo legal.

A Portaria Normativa AGU n. 42 surge, neste contexto, para esclarecer o escopo e conteúdo da isonomia, transparência e tecnicidade exigidos pela lei 14.133. Ao delimitar os requisitos que determinada pessoa deve cumprir para ser apontada como árbitro pela União, a Portaria repete, em seu art. 2º, inc. I e II, os requisitos do art. 13 da Lei de Arbitragem, exigindo que o árbitro deve ser pessoa capaz que tenha a confiança das partes. Similarmente, o art. 2º, inc. IV, da Portaria Normativa incorpora as regras de impedimento já contidas no art. 14 da Lei de Arbitragem, equiparando aos casos de suspeição de juízes contidos no CPC. Ainda, o inc. III exige que o potencial árbitro tenha “conhecimento compatível com a natureza do contrato e do litígio”, no que parece especificação do critério de tecnicidade contido no art. 154 da lei 14.133.

Esse último requisito tinha já sido utilizado pioneiramente no art. 12, inc. II, do Decreto 10.025 de 2019, que contém outras inovações refletidas na Portaria Normativa. A principal delas é a do inciso V do art. 2º. O dispositivo exige que o potencial árbitro não incida em situações de conflito de interesse contidas nas regras de arbitragem ou em “diretrizes internacionalmente aceitas”. A referência a diretrizes internacionais dá abertura ao uso de instrumentos como o Código de Conduta do CIArb – Chartered Institute of Arbitrators ou as Diretrizes da International Bar Association sobre Conflitos de Interesses em Arbitragem Internacional, instrumentos de soft law que condensam as melhores práticas de arbitragem sobre conflitos de interesse em arbitragem internacional.

Já o inc. VI esclarece que a União não pode indicar árbitro que seja integrante da Advocacia-Geral da União, da Procuradoria-Geral Federal e da Procuradoria-Geral do Banco Central, criando, assim, uma garantia de que está comprometida a indicar somente pessoas sem aparência de laços com sua defesa jurídica.

Esta adição é bem-vinda e sedimenta o modo como a arbitragem funciona. Apesar da liberdade quase irrestrita em indicar árbitros, o mercado de arbitragem sempre agiu com cautela. Qualquer pessoa com capacidade civil pode legalmente ser indicada como árbitro, mas a realidade é bastante diferente. Estudo seminal de Yves Dezalay e Bryant Garth3 demonstrou que o mercado seleciona profissionais que aliem expertise técnica, experiência e reputação como profissionais altamente especializados e respeitados em seu meio. Em termos práticos, os requisitos da Portaria Normativa 42 apenas garantem este alto padrão de escolha, sem alterar a prática estabelecida.

Esta preocupação em permitir apenas profissionais qualificados e de boa reputação fica clara nos critérios contidos nos §§ 1-2 do art. 2º da Portaria. Ali, se prevê que a AGU aferirá a adequabilidade de determinado potencial árbitro a partir de sua formação profissional, área de especialidade, nacionalidade, idioma, disponibilidade, experiências pretéritas e até em vista do perfil do árbitro indicado pela contraparte. Ou seja, a portaria normativa AGU n. 42, regula os “critérios isonômicos, técnicos e transparentes” para apontamento de árbitros, conforme art. 154 da lei 14.133, incorporando as melhores práticas de mercado, elegendo critérios essenciais para a escolha de árbitros e deixando margem para que a União possa fazer esta escolha dentro de sua estratégia processual.

_____

1 LEMES, Selma. Pesquisa arbitragem em números

2 Lei de Arbitragem. Art. 13. Pode ser árbitro qualquer pessoa capaz e que tenha a confiança das partes. §1º As partes nomearão um ou mais árbitros, sempre em número ímpar, podendo nomear, também, os respectivos suplentes. § 2º Quando as partes nomearem árbitros em número par, estes estão autorizados, desde logo, a nomear mais um árbitro. Não havendo acordo, requererão as partes ao órgão do Poder Judiciário a que tocaria, originariamente, o julgamento da causa a nomeação do árbitro, aplicável, no que couber, o procedimento previsto no art. 7º desta Lei.

3 Yves Dezalay and Bryant G Garth, ‘Dealing in Virtue: International Commercial Arbitration and the Construction of a Transnational Legal Order’ [1998] Contemporary Sociology.

Cesar A. Guimarães Pereira
Sócio do escritório Justen, Pereira, Oliveira & Talamini - Advogados Associados.

Leonardo F. Souza
Advogado deJusten, Pereira, Oliveira & Talamini. Mestre em Resolução Internacional de Disputas (Queen Mary University of London).

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