Migalhas de Peso

Liberdade Econômica e Regulação no Brasil

É importante ressaltar que regulação de preços é um tema multidisciplinar. Envolve diferentes campos do saber das humanidades, especialmente o Direito e a Economia.

10/3/2022

(Imagem: Arte Migalhas)

A lei de Liberdade Econômica (lei 13.874/19 – LLE) representa a primeira tentativa recente de se promover a livre iniciativa, por meio de uma declaração de direitos fundamentais de cunho econômico1.Entre outras coisas, a LLE estabelece limites à regulação estatal por meio da adoção de Análise de Impacto Regulatório (AIR) e do controle do abuso regulatório, de forma a afastar eventuais falhas de governo2.

A denominada Regulação Econômica, que, na prática é percebida como interferência do Estado na economia, objetiva, por exemplo, corrigir falhas de mercado Deve ela permitir que os agentes de mercado usufruam, de forma plena, do princípio da liberdade econômica.

No entanto, como é possível saber se, de fato, a regulação é eficaz para o objetivo indicado? E, mais, como avaliar os seus impactos na realidade da economia de mercado? E a principal pergunta: como a regulação poderia – ou pode – afetar a livre iniciativa?

Para as respostas a estas perguntas, o professor Luciano Timm, em uma obra coordenada em parceria com Maria Carolina França, aborda os e incentivos e desincentivos aos agentes públicos e privados de captura e “rent seeking” (dentre outras falhas governo), avaliando os seus impactos e conter os seus abusos para que eventuais limitações de atuação no mercado, na realidade, não aumentem os custos de transação, a concentração econômica, criem barreiras à entrada e, portanto, prejudiquem  a livre iniciativa.

Cumpre relembrar que a livre iniciativa assegura aos agentes econômicos, a priori, liberdade de atuação no mercado, podendo comprar e vender bens e serviços sem interferências do Poder Público. Nas palavras de Coase, o mercado “é a instituição que existe para facilitar a troca de bens e serviços, isto é, existe para que se reduzam os custos de se efetivarem operações de trocas.”3 Em realidade, ao servir como espaço público de trocas, ele garante um referencial de comportamento para os agentes econômicos (aqueles que participam do jogo de forças da oferta e da procura), cujo resultado é uma situação de equilíbrio (positivo ou negativo).

O mercado é, portanto, parte integrante da sociedade por refletir as relações cotidianas de troca e de cooperação. A legislação impacta a relação existente entre sociedade, mercado e liberdade.

A liberdade econômica é expressão da liberdade individual, garantindo a eficácia do funcionamento do mercado, para onde confluem iniciativas de desenvolvimento econômico-financeiro dos indivíduos e, consequentemente, da sociedade.

A regulação econômica, intrinsecamente vinculada ao posicionamento de interferência ou não interferência do Estado na economia pode ser um dos principais fatores de incentivo ou de desincentivo empresarial.

Diante desta característica, diversas técnicas regulatórias podem ser adotadas, destacando-se as mais recentes de autorregulação e de corregulação e a tradicional regulação estatal.

No âmbito econômico, é essencial que seja compreendido que o Estado deverá regular as disfuncionalidades do mercado, exclusivamente, quando competidores – ou a ausência deles – extrapolem suas liberdades econômicas e prejudiquem a liberdade de escolha dos consumidores.

No âmbito concorrencial, o Estado deve incentivar novos players no mercado, mitigar riscos de monopolização ou cartelização de mercados. Se por um lado, a regulação indica limitações, por outro, deverá trazer incentivos à concorrência.

A LLE - lei 13.874/19 representa uma tentativa recente de se promover a liberdade econômica por meio de uma declaração de direitos fundamentais de cunho econômico, relacionados à liberdade econômica e livre iniciativa.

No plano específico da regulação econômica, a LLE estabelece limites, entre outras formas, como já foi objeto abordado em outros artigos4, pela adoção de Análise de Impacto Regulatório (AIR) e o controle do abuso regulatório pelo FIARC/SEAE do Ministério da Economia.

Tal mudança legislativa pretende, de forma consequencialista, estabelecer parâmetros objetivos ao regulador, na medida em que este se vê obrigado a fundamentar e legitimar suas decisões com base em estudos pragmáticos e empíricos das consequências da regulação que se pretende realizar.

Exemplificando: como compreender o caso da intervenção do Estado nos preços quando falamos em liberdade econômica? A supracitada obra se destina a explicitar e indicar como a regulação atua em casos semelhantes.

Para a ciência econômica, em regra, o preço é o principal mecanismo de informação de tomada de decisão de consumidores e firmas e, portanto, de ajustes no mercado – que não significa outra coisa senão o espaço público de interação de pessoas. Um preço alto sinaliza às empresas que pode haver oportunidades de lucros em determinado mercado e aos consumidores uma limitação de escolhas a partir de suas restrições orçamentárias. O preço é resultado de mecanismos de oferta e demanda.

Portanto, é importante ressaltar que regulação de preços é um tema multidisciplinar. Envolve diferentes campos do saber das humanidades, especialmente o Direito e a Economia. Por isso, é essencial que, além da perspectiva normativa trazida pela lei de liberdade econômica, a livre iniciativa seja concretizada, a partir da adoção de critérios objetivos, previsíveis, seguros e que façam sentido econômico.

_________

1 A bem da verdade, do ponto de vista histórico, pode-se atribuir ao primeiro governo republicano, durante a gestão de Ruy Barbosa, as primeiras iniciativas de promoção de liberdade econômica relacionadas à constituição de garantias e abertura de empresas sem autorização estatal CALDEIRA, Jorge. História da Riqueza do Brasil. São Paulo, Mameluco edições, 2017.

2 BALDWIN, Robert; CAVE, Martin; LODGE, Martin. Understanding regulation: theory strategy and practice. 2nd. ed. Oxford: Oxford University

3 Cf. COASE, Ronald. “The firm, the market and the law”. Chicago, University of Chicago Press, 1988, p. 07.

4 Lei de Liberdade Econômica e Análise de Impacto Regulatório. Luciano Benetti Timm. Maria Carolina França.

Patrícia Arantes de Paiva Medeiros
Advogada. LLM em Direito Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). Pós-graduada em Direitos Fundamentais pela Universidade de Coimbra, em parceria com o IBCCRIM. Pós-graduanda em Direito Penal e Processo Penal pela Universidade Federal de Goiás (UFG).

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