A aplicação dos negócios jurídicos processuais no ordenamento jurídico brasileiro.
Desde a sua concepção, o Código de Processo Civil buscar superar o histórico clima de antagonismo dos litigantes em ações judiciais, implementando mecanismos que possibilitem a convergência das partes para solução da demanda de forma célere e justa.
A partir deste preceito é que se formalizou a teoria dos negócios jurídicos processuais, que confere aos litigantes a possibilidade de flexibilizar a marcha processual e procedimental, a critério de suas respectivas conveniências, desde que formalizadas em causas em que se admita a autocomposição, cujas partes sejam plenamente capazes e que as estipulações se limitem a ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, a teor do que dispõe o art. 190 do CPC1.
Segundo Didider, o denominado “NJR” nada mais é que um “fato jurídico voluntário, em cujo suporte fático se confere ao sujeito o poder de regular, dentro dos limites fixados no próprio ordenamento jurídico, certas situações jurídicas processuais ou alterar o procedimento”2.
A regulação dos interesses processuais, desde que desprovida de ilegalidades, dispensa aceitação do magistrado e produz efeito jurídico imediato, a teor do disposto no art. 200 do CPC3. Inclusive, ao julgar o Recurso Especial 1.810. 444/SP, o STJ confirmou a desnecessidade de interferência do magistrado, pois “quando estiverem em jogo faculdades e interesses exclusivos das partes, caberá ao juiz interferir apenas para controle de sua legalidade.”4
Em outras palavras, o regramento “inter pars” deve buscar a compatibilidade entre a vontade recíproca das partes, sem violar os preceitos constitucionais e os poderes do próprio julgador, cuja atuação não pode ser condicionada ao ajuste proposto pelos litigantes.
Como visto, o negócio jurídico processual é um passo importante para estreitar a triangulação processual e garantir uma resposta jurisdicional célere aos interessados. O instituo, contudo, ainda é timidamente utilizado no ordenamento jurídico brasileiro.
O comum desuso do “NJR” traz à tona a discussão do motivo pelo qual, mesmo após tanto tempo desde o início de sua vigência, o CPC ainda encontra tanta resistência dos agentes processuais aos mecanismos que foram criados com o objetivo de promover um ambiente judicial menos acirrado e com soluções consideradas mais efetivas.
Por que a opção de se enfrentar o caminho com mais obstáculos quando a própria lei permite a mitigação de alguns formalismos em prol do rápido provimento jurisdicional?
Parece-nos que ainda há certa resistência dos operadores do direito, sejam eles magistrados, membros do ministério público, advogados, entre outros, quanto à aplicação ou mesmo o incentivo ao uso destes institutos que interferem diretamente na dinâmica processual.
De fato, outros mecanismos processuais implementados pelo CPC para buscar a solução pacífica de controvérsias, como a mediação, ou para garantir a celeridade do trâmite processual, como a limitação das hipóteses de cabimento do Agravo de Instrumento, foram melhor absorvidos pelos jurisdicionados.
Por outro lado, a despeito do avanço na redução do tempo necessário à solução das controvérsias judiciais no Brasil, sobretudo neste período de frequente utilização dos processos eletrônicos, ainda nos deparamos com a demora excessiva na apreciação das demandas postas ao crivo do Judiciário, com significativa parcela de culpa dos próprios jurisdicionados e seus procuradores.
A celeridade na resposta à provocação judicial, a estipulação de prazos menores para o cumprimento das obrigações processuais ou a sua conclusão pelo interessado independentemente de intimação, são medidas capazes de garantir a duração razoável do processo e permitir uma prestação jurisdicional mais célere.
Estas diretrizes podem ser previamente estipuladas pelas partes, a partir da aplicação do negócio jurídico processual, observadas às garantias legais inerentes. Então por que não o fazer? É preciso não apenas desmistificar a possibilidade de interferência direta na dinâmica processual para melhor adequá-la ao interesse das partes por meio do negócio jurídico processual, mas incentivá-la.
O jurisdicionado é frequentemente questionado sobre o seu eventual interesse na realização da audiência de conciliação. Por que não o questionar sobre o eventual interesse em promover o negócio jurídico processual?
A percepção é de que a principal justificativa pelo desuso de mecanismos inovadores como o “NJR” é o abarrotamento do Judiciário com demandas cada vez menos necessárias. Sem tempo para um período de experimentação e consolidação do instituto, os agentes processuais acabam optando pela via ordinária de condução das demandas, o que coloca a justiça brasileira em um “looping” de um formalismo que, infelizmente, acaba sendo prejudicial a todos os envolvidos na relação processual.
_____________
1 Art. 190 do CPC. Versando o processo sobre direitos que admitam autocomposição, é lícito às partes plenamente capazes estipular mudanças no procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa e convencionar sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, antes ou durante o processo.
2 DIDIER JÚNIOR, Fredie. Negócios jurídicos processuais atípicos no Código de Processo Civil de 2015. Revista Brasileira da Advocacia, São Paulo, v. 1, n. 1, p. 59-84, abr./jun. 2016.
3Art. 200 do CPC. Os atos das partes consistentes em declarações unilaterais ou bilaterais de vontade produzem imediatamente a constituição, modificação ou extinção de direitos processuais.
4 REsp 1810444/SP, Rel. Min. Luís Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 23/02/2021, DJe 28/04/2021. Inteiro teor disponível em: https://scon.stj.jus.br/SCON/GetInteiroTeorDoAcordao?num_registro=201803376440&dt_publicacao=28/04/2021