A lei 14.151/21 assegurou o afastamento das empregadas gestantes, durante a emergência de saúde pública do coronavírus, que deveriam permanecer em seu domicílio, por meio de teletrabalho, trabalho remoto ou outra forma de trabalho a distância.
O objetivo da lei é proteger a mulher e a criança e, ao mesmo tempo, assegurar a continuidade do trabalho e do emprego.
O PL 2.058 modifica a lei e assegura o afastamento somente quanto a empregada gestante não tenha sido totalmente imunizada. A regra do Ministério da Saúde atualmente considera a pessoa imunizada com duas doses1.
A nova lei inverte a garantia, no caso de empregada gestante imunizada. Em outras palavras, a lei retira da empregada gestante o direito de permanecer em trabalho remoto, teletrabalho ou trabalho em domicílio. A empregada gestante deverá retornar:
a) após o encerramento do estado de emergência de saúde pública de importância nacional decorrente do coronavírus SARS-CoV-2;
b) após sua vacinação contra o coronavírus SARS-CoV-2 (atualmente, duas doses);
c) mediante opção individual pela não vacinação contra o coronavírus SARS-CoV-2 que lhe tiver sido disponibilizada, conforme o calendário divulgado pela autoridade de saúde e mediante termo de responsabilidade.
Análise de cada hipótese
a) Após o encerramento de emergência do coronavírus:
- Nesta hipótese não há prejuízo para a empregada gestante, estando assegurada a sua permanência em teletrabalho, trabalho em domicílio ou remoto.
b) Após a vacinação em duas doses:
- Os índices atuais de contaminação revelam risco potencial de exposição da gestante e da criança. Estudos estatísticos têm revelado maior incidência de infecção em mulheres grávidas2. Esses estudos indicam a necessidade de preservação da vida e da saúde como princípios constitucionais fundamentais.
- A hipótese é muito semelhante àquela analisada pelo Supremo Tribunal Federal na ADI 5.938, que discutia alteração advinda da “Reforma Trabalhista” no caso de trabalho insalubre:
“Sob essa ótica, a proteção da mulher grávida ou da lactante em relação ao trabalho insalubre caracteriza-se como importante direito social instrumental protetivo tanto da mulher, quanto da criança, pois a ratio das referidas normas não só é salvaguardar direitos sociais da mulher, mas também efetivar a integral proteção ao recém-nascido, possibilitando sua convivência integral com a mãe, nos primeiros meses de vida, de maneira harmônica e segura e sem os perigos de um ambiente insalubre, consagrada, com absoluta prioridade, no artigo 227 do texto constitucional, como dever inclusive da sociedade e do empregador. A imprescindibilidade da máxima eficácia desse direito social, proteção à maternidade, portanto, também decorre da absoluta prioridade que o art. 227 do texto constitucional estabelece de integral proteção à criança, inclusive, ao recém-nascido.”
A máxima eficácia dos princípios fundamentais, no caso a saúde e a preservação da vida, leva necessariamente à prudência, ou seja, a manutenção do afastamento, seja pela proteção da mulher grávida, seja pela “absoluta prioridade da proteção à criança, inclusive ao recém-nascido”, nos termos do art. 227 da Constituição federal. Existe alto risco de contaminação nas atividades presenciais nesse momento da pandemia e o aumento na taxa de mortes de gestantes deixa claro o risco de vida para as mulheres grávidas.3
c) Mediante opção individual pela não vacinação contra o coronavírus SARS-CoV-2:
- Essa é a hipótese mais abertamente inconstitucional. Primeiro porque, nesta hipótese, exige manifestação individual da empregada gestante, incompatível com as garantias de proteção de saúde pública (risco para si, para a criança e para outrem);
- a saúde coletiva não pode ser prejudicada por pessoas que deliberadamente se recusam a ser vacinadas. Conforme julgamento do STF da ADI nº 6.586, a vacinação compulsória deve ser implementada por meio de medidas indiretas, como restrição ao exercício de atividades ou à frequência de lugares.
Alterações de função e custeio pela Previdência Social
Para o fim de compatibilizar as atividades desenvolvidas pela empregada gestante, o empregador poderá, respeitadas as competências para o desempenho do trabalho e as condições pessoais da gestante para o seu exercício, alterar as funções por ela exercidas, sem prejuízo de sua remuneração integral e assegurada a retomada da função anteriormente exercida, quando retornar ao trabalho presencial.
Na hipótese de a natureza do trabalho ser incompatível com a sua realização em seu domicílio, por meio de teletrabalho, trabalho remoto ou outra forma de trabalho a distância, a empregada gestante terá sua situação considerada como gravidez de risco até completar a imunização e receberá, em substituição à sua remuneração, o salário-maternidade.
A lei atende ainda à demanda empresarial quanto ao custeio da remuneração das trabalhadoras afastadas do trabalho presencial, atribuindo à Previdência Social o pagamento na condição de gravidez de risco.
Conclusão
Como se vê, a máxima eficácia dos princípios fundamentais, no caso a saúde e a preservação da vida, leva necessariamente à prudência e à manutenção do afastamento de grávidas dos ambientes de trabalho, seja pela proteção das mulheres, seja pela “absoluta prioridade da proteção à criança, inclusive ao recém-nascido”, nos termos do art. 227 da Constituição federal.
A exigência de manifestação individual da empregada gestante que se nega a se vacinar também é inconstitucional e incompatível com as garantias de proteção de saúde pública, o que pode levar ao ajuizamento de ação direta de inconstitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal.
As gestantes que tiverem suas atividades modificadas em desrespeito às competências de sua função e às suas condições pessoais também poderão buscar a Justiça para ter seus direitos assegurados.
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1 Segundo o Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação contra Covid-19, que pode ser acessado por meio do link: https://www.gov.br/saude/pt-br/coronavirus/publicacoes-tecnicas/guias-e-planos/plano-nacional-de-operacionalizacao-da-vacinacao-contra-covid-19.pdf/, a imunização completa consiste em duas doses da vacina, ou seja, as demais doses são tratadas como reforço.
2 Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/nacional/podcast-e-tem-mais-discute-fatores-de-risco-da-covid-19-na-gravidez/ . Acesso em 23/02/2022.
3 Disponível em: Covid-19: Taxa de mortes de gestantes em 2021 já é 111% maior do que no ano passado - Revista Crescer | Gravidez (globo.com). Acesso em 20/02/2022.