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O golpe do amor

Pensar e discutir sobre o tema do estelionato afetivo, sob todas as perspectivas jurídicas, é medida de extrema importância em razão do crescimento galopante do número de aplicativos de namoro.

9/3/2022

(Imagem: Arte Migalhas)

O documentário “O golpista do Tinder”, disponibilizado recentemente pela Netflix, tem provocado largo interesse do público, e serve como um alerta para o chamado “estelionato sentimental”, “afetivo” ou “emocional”.  

Os aplicativos de relacionamento, bem como as redes sociais em geral, impulsionaram os chamados “golpes do amor”, justamente do que se trata a produção cinematográfica.  

No Brasil, ainda que a modalidade de estelionato afetivo não exista como tipo penal, é possível seu enquadramento como o crime de estelionato propriamente dito, na forma do artigo 171, do Código Penal, sem prejuízo da responsabilização na esfera cível.  

Lembre-se que, para que seja caracterizado o estelionato, deve-se observar quatro requisitos: (i) obtenção de vantagem ilícita, (ii) prejuízo a outrem, (iii) uso de meio ardiloso para a obtenção de vantagem e (iv) indução de outrem a erro.  

No caso do estelionato sentimental, além dos quatro elementos mencionados, é necessário que o agente do crime tente obter vantagem sobre a vítima utilizando-se de um propósito afetivo – uma possível promessa de relacionamento íntimo, ainda que ocasional –, causando-lhe aflição emocional e, possivelmente, dano patrimonial.  

Diante do escalonamento de tais golpes, potencializados com a era digital em que se insere a sociedade, foi apresentado ao Congresso Nacional o Projeto de lei 6.444/19, ainda sujeito à apreciação do Plenário, para que seja tipificado o estelionato sentimental, a ser incluído como inciso do artigo 171. O texto pretende que se estabeleça o seguinte:  

“(...) Estelionato sentimental: VII - induz a vítima, com a promessa de constituição de relação afetiva, a entregar bens ou valores para si ou para outrem”.  

O PL tenta proteger aquele que sofre com a indução diante uma situação de vulnerabilidade amorosa, visto que o outro, causador do dano, busca o prejuízo material, mas também atinge o espectro emocional da vítima. Nas palavras do que foi trazido a debate sobre o PL 6.444/19 “é preciso reconhecer que, nessa espécie de estelionato, o prejuízo não é apenas material, mas moral e psicológico também.”  

Na esfera cível, a vítima do golpe pode ajuizar ação de reparação de danos, podendo pleitear danos materiais e morais em face do autor do estelionato. Afinal, nessa nova modalidade de estelionato, não se está diante de uma mera indução ao erro para obtenção de vantagem, mas também de manipulação emocional da vítima.

Nesse sentido, ainda que o projeto legislativo esteja em meio à tramitação necessária, o tema já vem sendo debatido e julgado pelos tribunais, inclusive na esfera cível, que entendem a gravidade da manipulação suportada pela vítima.  

A exemplo disso, a Oitava Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro entendeu que “a atitude enganosa, de uma só vez, causou problemas financeiros diante da grande quantia despendida e frustrou a legítima expectativa da demandante quanto à reciprocidade de sentimentos. O episódio certamente causou-lhe abalo emocional e extrema angústia, sendo hígida a relação de causa e efeito entre a conduta fraudulenta do réu e a lesão imaterial sofrida pela demandante”.  

Ou seja, os tribunais já vêm demonstrando a gravidade que o estelionato sentimental pode causar à vítima. Não se trata apenas de obter vantagem indevida sobre meio ardiloso, mas sim, uma vantagem indevida sobre um meio ardiloso que coloca a vítima em uma situação amorosa ilusória.

Assim, pensar e discutir sobre o tema do estelionato afetivo, sob todas as perspectivas jurídicas, é medida de extrema importância em razão do crescimento galopante do número de aplicativos de namoro, que dá causa a inevitável aumento desses crimes, cabendo ao legislador e ao operador do direito se atentarem às transformações sociais.

Ana Carolina Musse
Advogada do escritório Leonardo Amarante Advogados Associados.

Giovana Rodrigues de Paula
Advogada do escritório Leonardo Amarante Advogados Associados.

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