Migalhas de Peso

A dispensa de publicações das DFs nos Diários Oficiais e a redução de custos para as companhias

O parecer do Conselho Fiscal resumido, por sua vez, deve conter, no mínimo a opinião do conselho fiscal sobre o processo de elaboração e o conteúdo das demonstrações financeiras e do relatório anual da administração, atentando-se sempre à necessidade de indicação de voto divergente e outros assuntos.

9/3/2022

(Imagem: Arte Migalhas)

Não é de hoje o esforço legislativo para sofisticar e modernizar o arcabouço legal que sustenta o direito societário, mais especificamente o das sociedades por ações, reguladas pela lei 6.404 de 1976 (“lei das S/A”) e dispositivos acessórios, o que foi acentuado com a realidade pandêmica que se vivencia em 2022 – e que já dura há quase dois anos.

São os casos, por exemplo, da edição da lei 14.010/20, que possibilitou a realização de assembleia geral na forma virtual ou semipresencial, ou da Instrução Normativa DREI 81/2020, que detalha a possibilidade de as Juntas Comerciais adotarem o registro digital de atos societários e aceitarem documentos assinados eletronicamente por sistemas de terceiros ou portais de assinatura. Antes disso, no entanto, foi editada a lei 13.818, de 24 de abril de 2019, que tem o potencial de ter um impacto ímpar na realidade das companhias brasileiras.

A lei 13.818/19 tem como principal objetivo a alteração dos artigos 289 e 294 da lei das S/A. O texto legal passou a vigorar a partir da sua data de publicação, mas o artigo 1° que altera o artigo 289 da lei das S/A começou a viger apenas no dia 1° de janeiro de 2022. E é justamente as provisões implementadas há pouco que discutiremos neste artigo, mais especificamente na repercussão da nova redação do artigo 289 da lei das S/A em relação à publicação de demonstrações financeiras pelas sociedades brasileiras.

A antiga redação do artigo 289 da lei das S/A dispunha que as publicações ordenadas pela lei das S/A deveriam ser feitas “no órgão oficial da União ou do Estado ou do Distrito Federal, conforme o lugar que esteja situada a companhia e em outro jornal de circulação editado na localidade em que está situada a sede da companhia” (grifos nossos). Tais publicações incluíam, por exemplo, os documentos mencionados no artigo 133 da lei das S/A (i.e: relatório de administração, demonstrações financeiras, pareceres de auditores), editais de convocação e atas societárias.

O que isso significava, na prática? Que, no caso específico das demonstrações financeiras, as companhias realizaram historicamente simultaneamente duas publicações integrais de suas demonstrações e resultados financeiros – incluindo o relatório do Auditor Independente e parecer do Conselho Fiscal, quando aplicável, bem como as demais notas explicativas – de forma impressa, tanto no Diário Oficial do Estado em que tinham suas sedes, quanto em jornais locais.

Frente aos enormes custos que a dupla publicação representava às companhias, a lei 13.818/19 modificou a forma de publicação de resultados financeiros, simplificando o procedimento e facilitando o acesso ao grande público. Nenhuma informação, no entanto, foi mitigada.

A nova redação passou a definir que a publicação das demonstrações financeiras das companhias deverá acontecer “em jornal de grande circulação editado na localidade em que esteja situada a sede da companhia, de forma resumida e com divulgação simultânea da íntegra dos documentos na página do mesmo jornal na internet”, mediante a autenticação dos documentos publicados através de certificação digital. Ou seja: a companhia continua divulgando normalmente as informações societárias e financeiras exigidas pela lei das S/A, visando à transparência ao mercado, mas fará isso com a divulgação das demonstrações financeiras (i) de forma resumida em jornais impressos, (ii) de forma integral na versão eletrônica do mesmo jornal em que ocorrer a publicação impressa, e (iii) sem a necessidade de publicação no Diário Oficial, já que apenas o jornal local é suficiente para a publicização.

Com isso, extinguiu-se a onerosa (e, hoje, obsoleta) obrigação de publicação no Diário Oficial da União ou do Estado que representava parcela significativa dos custos incorridos nos deveres informacionais das companhias.

No mesmo sentido, a Comissão de Valores Mobiliários (“CVM”) editou, em 20 de dezembro de 2021, o Parecer de Orientação 39 para dar contornos mais firmes à nova modalidade de publicação e detalhar o conteúdo necessário à publicação resumida das demonstrações financeiras. No que diz respeito ao seu conteúdo, o Parecer CVM 39 opta por uma redação bem didática e informativa, prezando pelo esclarecimento de todas as provisões que deverão ser cumpridas pelas companhias ao realizarem a modalidade de publicação simplificada para evitar eventuais questionamentos sobre a forma de publicação que venha a ser adotada.

Primeiramente, por determinação da Autarquia, se define que as publicações simplificadas deverão conter dois avisos introdutórios para manter a higidez do regime informacional.

O primeiro deles trata da indicação da natureza abreviada da publicação simplificada, obrigando os optantes a reproduzirem a seguinte redação: “Aviso: As demonstrações financeiras apresentadas a seguir são demonstrações financeiras resumidas e não devem ser consideradas isoladamente para a tomada de decisão. O entendimento da situação financeira e patrimonial da companhia demanda a leitura das demonstrações financeiras completas auditadas, elaboradas na forma da legislação societária e da regulamentação contábil aplicável”.

O segundo aviso obrigatório informa ao público os endereços eletrônicos em que as demonstrações financeiras integrais serão disponibilizadas: “As demonstrações financeiras completas auditadas, incluindo o respectivo relatório do auditor independente, estão disponíveis nos seguintes endereços eletrônicos: a) [Inserir o endereço do eletrônico do jornal de grande circulação da publicação]; b) [Inserir o endereço eletrônico da companhia, se Companhia registrada na Categoria A]; c) [Inserir o endereço eletrônico da CVM];e d) [Inserir o endereço eletrônico da B3 no caso de companhias listadas].

No que se refere ao conteúdo da publicação, as Demonstrações Financeiras resumidas do exercício social devem ser apresentadas conjuntamente com informações comparativas dos resultados do exercício anterior, de forma a representar o desempenho e a posição patrimonial da companhia, divulgando, no mínimo: (a) Balanço Patrimonial resumido; (b) Demonstração do resultado do exercício resumida; (c) Demonstração do resultado abrangente resumida; (d) Demonstração dos fluxos de caixa resumida; (e) Demonstração da mutação do patrimônio líquido resumida; e (f) Demonstração do valor adicionado resumida.

Um resumo das notas explicativas das Demonstrações Financeiras também deverá constar da publicação resumida. Neste caso, é necessária divulgação comparativa dos dados do exercício social anterior, contemplando: (a) Breve contexto operacional da companhia; (b) Bases de elaboração e apresentação das demonstrações financeiras; (c) Mudanças de práticas contábeis em relação ao exercício social anterior; (d) Políticas contábeis críticas e as discricionárias; e (e) Eventos subsequentes relevantes.

Desta maneira, não obstante a publicação parcial das informações relevantes a respeito dos resultados do exercício social em questão, a CVM garantiu que o mínimo das informações necessárias seja disponibilizado de forma impressa, possibilitando ao público a contextualização das informações simplificadas atualizadas com aquelas disponibilizadas anteriormente e melhor entendimento do conteúdo da publicação simplificada. Como forma de recomendação, incentiva-se também aos participantes de mercado para que divulguem, no contexto da publicação simplificada, a proposta da destinação de resultados do exercício, discriminando, se for o caso, a base de cálculo dos dividendos, inclusive os dividendos já pagos durante o exercício social e o montante do dividendo por ação.

Adicionalmente, mantendo o caráter de simplificação das informações, possibilita-se às companhias a publicação resumida do relatório do Auditor Independente e do parecer do Conselho Fiscal, contanto que se mantenha a premissa de discriminar o caráter resumido do relatório e informar de forma clara o endereço eletrônico de acesso às versões integrais dos documentos. O relatório resumido deve ser baseado no relatório integral e deve conter, necessariamente: (i) tipo da opinião (sem modificação ou com modificação, especificando se opinião com ressalvas, opinião adversa ou abstenção de opinião); (ii) um resumo dos assuntos que levaram a modificações na opinião do auditor, se houver; (iii) declaração sobre a existência de um relatório sobre as demonstrações financeiras completas; (iv) onde o relatório do auditor se encontra disponível; e (v) data de emissão do relatório. O parecer do Conselho Fiscal resumido, por sua vez, deve conter, no mínimo a opinião do conselho fiscal sobre o processo de elaboração e o conteúdo das demonstrações financeiras e do relatório anual da administração, atentando-se sempre à necessidade de indicação de voto divergente e outros assuntos considerados como essenciais pelo conselho fiscal, quando aplicáveis.

Por fim, a última recomendação contida no Parecer CVM 39 é de que qualquer menção aos termos EBITDA ou EBIT e outros deles originados deve ser acompanhada da conciliação dos valores apresentados, sendo necessário também o alinhamento das referências cruzadas com as informações constantes no Relatório de Administração que acompanha as Demonstrações Financeiras.

Em resumo, as mudanças implementadas pela lei 13.818/19 e complementadas pelo Parecer CVM 39 não só têm o potencial de afetar positivamente todas as companhias brasileiras com a diminuição significativa de seus custos informacionais, mas também facilita e simplifica o acesso às informações contábeis para todo o mercado. Trata-se, portanto, sob a égide da recente reforma de institutos da legislação societária como o Marco Legal das Startups e a lei da Liberdade Econômica, de mais um exemplo de como a constante modernização e atualização do sistema jurídico societário proporciona um ambiente propício para o crescimento da indústria nacional e fomenta o desenvolvimento orgânico de tantas companhias brasileiras em um momento no mínimo desafiador para a nossa economia.

Caio Jannini Sawaya Oliveira
Advogado com atuação nas áreas de Direito Societário, Fusões e Aquisições (M&A), Governança Corporativa, Financiamento de Projetos e Mercado de Capitais. Bacharel pela Fundação Getulio Vargas - FGV. Associado de Monteiro de Castro, Setoguti Advogados.

Ingrid Rodrigues da Silva
Advogada com atuação nas áreas de Direito Societário, Fusões e Aquisições (M&A), Governança Corporativa, Financiamento de Projetos e Mercado de Capitais. Pós-graduanda (LL.M.) em Direito Societário pelo Insper/SP. Bacharel pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Associada do escritório Monteiro de Castro, Setoguti Advogados.

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