A Corte de Cassação de Roma, terceira e última instância da justiça italiana julgou em 19/1/22 o caso de estupro envolvendo Robson de Souza, o jogador brasileiro de futebol Robinho e manteve a condenação de nove anos de prisão por crime de violência sexual em grupo e pagamento de multa no valor de 60 mil euros. Por ser a mais alta corte daquele país, a sentença é definitiva, sem possibilidade de recurso.
O caso aconteceu em Milão, na boate Sio Cafe, durante a madrugada de 22/1/13. A vítima é uma mulher albanesa que, na época, comemorava seu aniversário de 23 anos. Além de Robinho, que então defendia o Milan, outros cinco brasileiros foram denunciados por terem participado do ato, um deles também foi condenado e quatro estão foragidos. O ex-jogador, no transcurso do processo, admitiu ter praticado relações sexuais com a vítima, todavia, sempre negou a prática de violência sexual.
Em 2020 o site esportivo da maior emissora brasileira publicou trechos de conversas interceptadas pela polícia, nas quais Robinho e os amigos fazem pouco caso da vítima: "Estou rindo porque não estou nem aí, a mulher estava completamente bêbada, não sabe nem o que aconteceu", escreveu o jogador em uma das conversas.
A ingenuidade está em não considerar que se uma pessoa não está munida de suas plenas faculdades mentais a relação sexual não pode se consumar sob possibilidade de estupro de vulnerável.
Ainda em 2020, a corte de Apelação de Milão, segunda instância da justiça italiana, em audiência única, confirmou a condenação do jogador e a juíza italiana Francesca Vitale, que presidiu o julgamento em segunda instância, "a vítima foi humilhada e usada pelo jogador e seus amigos para satisfazer seus instintos sexuais". E prossegue: "O fato é extremamente grave pela modalidade, número de pessoas envolvidas e o particular desprezo manifestado no confronto da vítima, que foi brutalmente humilhada e usada para o próprio prazer pessoal".
O jogador, ciente da possibilidade real de ser condenado, aguardou o julgamento no Brasil e, por conseguinte, se valerá das benesses da legislação pátria que prevê em seu art. 5°, LI da Constituição Federal que nenhum brasileiro será extraditado em caso de crime.
A justiça italiana, então, poderia solicitar a extradição do brasileiro, o que foi feito e negado pelo Ministério da Justiça brasileiro, justamente com fulcro na proteção constitucional já mencionada. Na mesma manifestação, o documento destaca que o coronel uruguaio-brasileiro Pedro Antonio Mato Narbondo, que também foi condenado pelo judiciário italiano em julho de 2021, é cidadão brasileiro por opção, mas que a “Itália pode solicitar a transferência de execução de pena nos termos da lei 13.445/17?, a chamada Lei da Migração. De tal sorte que a questão que se coloca é: o brasileiro Robson de Souza poderá ter de cumprir a pena ao qual foi condenado na Itália? Refletimos.
Claro está que o jogador não poderá ser extraditado por vedação constitucional, independente de tratado existente entre os dois países, a legislação brasileira protege aos brasileiros natos e nenhum outro mecanismo internacional terá o condão de modificar a soberania brasileira sobre seus cidadãos. Logo, apenas seria possível sua prisão pelo governo italiano se o brasileiro se apresentasse espontaneamente às autoridades italianas ou a algum país que assina o pacto para a atuação da polícia internacional, a Interpol.
Ademais, a justiça italiana tomou outras duas providências: primeiro, a expedição de mandado de prisão internacional em desfavor do brasileiro, via Interpol, portanto, se o mesmo sair do Brasil poderá ser preso e entregue à justiça italiana para o cumprimento da sentença. E, a segunda providência, requerer a transferência de execução de pena à justiça brasileira e esperar que o STJ faça a homologação da sentença estrangeira e, por conseguinte, que a pena seja cumprida em uma penitenciária brasileira.
A reflexão paira acerca do pedido de cumprimento de execução de pena, porque o art. 9° do Código Penal é claro: art. 9º - A sentença estrangeira, quando a aplicação da lei brasileira produz na espécie as mesmas conseqüências, pode ser homologada no Brasil para:
I - obrigar o condenado à reparação do dano, a restituições e a outros efeitos civis;
II - sujeitá-lo a medida de segurança.
De acordo com o Código Penal, quando muito, poderia se questionar o cumprimento da aplicação da multa o que, seguramente, seria uma medida que iria repercutir negativamente na imprensa. Porém, como já mencionado, temos a lei 13.445/17, denominada de Lei de imigração e com ela algumas possibilidades, especialmente do art. 100, § único:
Art. 100. Nas hipóteses em que couber solicitação de extradição executória, a autoridade competente poderá solicitar ou autorizar a transferência de execução da pena, desde que observado o princípio do non bis in idem.
Parágrafo único. Sem prejuízo do disposto no Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), a transferência de execução da pena será possível quando preenchidos os seguintes requisitos:
I - o condenado em território estrangeiro for nacional ou tiver residência habitual ou vínculo pessoal no Brasil;
II - a sentença tiver transitado em julgado;
III - a duração da condenação a cumprir ou que restar para cumprir for de, pelo menos, 1 (um) ano, na data de apresentação do pedido ao Estado da condenação;
IV - o fato que originou a condenação constituir infração penal perante a lei de ambas as partes; e
V - houver tratado ou promessa de reciprocidade.
Para tanto, são necessários os seguintes requisitos: pedido diplomático de transferência da pena, que o condenado seja nacional ou resida no Brasil, que a sentença tenha transitado em julgado, que a pena seja de pelo menos um ano de prisão, que o fato seja crime também no Brasil, e que haja tratado internacional autorizando.
Todos os requisitos estão preenchidos, porque, até mesmo para o último, há um acordo de cooperação judiciária firmado entre os dois países desde 1993.
Ainda assim, mesmo diante da possibilidade temos uma questão formal a ser enfrentada: a lei entrou em vigor após a data dos fatos e a doutrina se divide sob sua aplicabilidade baseada no argumento de que uma lei somente poderá retroagir se for para beneficiar o réu, o que não é ocaso. Porém, outra corrente defende que a norma processual penal tem reflexo na lei penal e, por conseguinte, não deveria retroagir, mas sim, ser aplicada de imediato.
Aos fiéis a este entendimento há um caminho sólido para o cumprimento da execução da sentença italiana de brasileiro a ser cumprida no Brasil, porém, a tramitação do pedido, bem como a decisão final caberá ao Superior Tribunal de Justiça, em virtude da competência prevista pela Constituição Federal no art. 105, I, i. Outra possibilidade, ao nosso ver mais remota, seria a justiça brasileira, via Ministério Público oferecer denúncia e o brasileiro responder pelo delito no Brasil e enfrentar novo julgamento, independente da pena italiana, o delito praticado é identificado no art. 217-A, § 1º, c.c. o art. 226, IV, a, do Código Penal como estupro coletivo de vulnerável: manter conjunção carnal com alguém que, por qualquer causa, não pode oferecer resistência. A pena será aumentada de 1/3 a 2/3 se o crime for praticado mediante o concurso de dois ou mais agentes. E por conta da gravidade é considerado como crime hediondo.
Claro está que toda a atenção em torno do caso gira por dois motivos evidentes: o condenado ser uma pessoa conhecida e de relevância para a mídia e o crime ser um dos mais abjetos e combatidos pelo legislador nacional. Logo, a questão fulcral que se coloca é: o jogador seguirá livre e impune em terras nacionais ou o STJ e a justiça italiana tomarão medidas para que a execução da pena ocorra? O tempo será o senhor desta resposta.