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A tecnologia nos processos judiciais: as transformações do agora dependem de inteligência artificial?

Nesse cenário de incertezas, o objetivo deste trabalho é verificar se as transformações no âmbito dos processos judiciais no curto prazo dependem de softwares complexos que empregam inteligência artificial.

25/2/2022

(Imagem: Arte Migalhas)

Eric Hobsbawm (1995, p. 24) afirmava que a característica mais impressionante do fim do século XX era a tensão existente entre um processo de globalização cada vez mais acelerado e a incapacidade conjunta das instituições públicas e do comportamento coletivo dos seres humanos de se acomodarem a ele.

Fazendo as adaptações necessárias, é possível traçar um paralelo com a realidade experimentada nos dias de hoje pela comunidade jurídica, na medida em que a principal característica desse primeiro quartel do século XXI talvez seja uma tensão entre um processo de automação e transformação do Direito cada vez mais acelerado e uma certa incapacidade das instituições públicas e dos atores privados de compreenderem tal processo.

Os operadores do Direito (e.g., advogados, promotores e juízes) ainda não conseguiram compreender quão profundas e extensas serão as transformações causadas nas próximas décadas pelo emprego da tecnologia na área jurídica.

Na área da propriedade intelectual, por exemplo, já se discute a titularidade de direitos sobre criações desenvolvidas por máquinas.1

O próprio Alan Turing (1950, p. 433) destacou em seu Computing Machinery and Intelligence que “podemos ver apenas uma curta distância à frente, mas vemos que muito precisa ser feito”.2 Com efeito, é uma tarefa difícil prever os impactos da tecnologia no Direito.

Nesse cenário de incertezas, o objetivo deste trabalho é verificar se as transformações no âmbito dos processos judiciais no curto prazo dependem de softwares complexos que empregam inteligência artificial.

Em momento oportuno, o Centro de Ensino e Pesquisa em Inovação (CEPI) da Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV DIREITO SP), realizou a pesquisa “Tecnologia, Profissões e Ensino Jurídico”, com o apoio da Fundação Getulio Vargas e da Google Brasil, com o objetivo de oferecer elementos para resposta a duas perguntas centrais: (i) Em que medida os profissionais da área jurídica estão preparados para que a sua atividade seja desempenhada com base em tecnologia? e (ii) Como esses profissionais podem se preparar para as profissões jurídicas baseadas em tecnologia?

1. A pesquisa “Tecnologia, Profissões e Ensino Jurídico”3

1.1. Sumário executivo da pesquisa quantitativa4

O sumário executivo da pesquisa quantitativa (ou pesquisa quantitativa) (CEPI, 2018a) diz respeito ao grau de inserção tecnológica dos escritórios de advocacia no Brasil, e seus dados envolvem as seguintes indagações: Em que medida os profissionais da área jurídica estão preparados para que a sua atividade seja desempenhada com base em tecnologia? Os escritórios estão preparados para a advocacia baseada em tecnologia?

Colhe-se da pesquisa quantitativa (2018a) que a maioria dos escritórios de advocacia não possui condições de acompanhar as mudanças tecnológicas que devem ocorrer em um futuro próximo.

O uso de tecnologias de software mais avançadas ainda é bastante restrito nos escritórios. Apenas 44% dos entrevistados utilizam softwares, porém fazem uso de ferramentas mais básicas de gestão processual ou financeira.

Isso é explicado pelo fato de que a maior parte dos escritórios de advocacia é pequena, composta de até dez advogados(as) atuantes e a incorporação de tecnologias, especialmente as mais avançadas, é custosa.

A maioria dos entrevistados declarou não utilizar softwares auxiliares nas atividades jurídicas, não obstante a sua utilização seja capaz de gerar maior produtividade e melhor organização no exercício da advocacia. De forma contrastante, é quase unânime a percepção de que os impactos do uso de softwares na atividade jurídica são relevantes; a maioria dos entrevistados acredita que esses impactos já estejam ocorrendo.

As cinco áreas em que os escritórios entrevistados mais atuam são: trabalhista (68%), família/sucessões e contratos (51%), tributário (48%) e imobiliário (41%).5 E, entre os escritórios entrevistados que atuam na advocacia contenciosa, mais da metade possui atividade em contencioso de massa.

O uso disseminado de modelos e minutas sugere uma repetição das atividades de produção de documentos e, portanto, espaço para automatização no auxílio à execução dessas tarefas. Constatou-se também que a geração automática de documentos a partir de um conjunto de informações fornecidas pelo usuário é tecnologia de softwares já difundida e implementada de diversas formas, e seria um primeiro passo na direção de automatização de tarefas jurídicas mais complexas.

Os escritórios de maior porte, além da maior capacidade de investimento em tecnologia, estão mais preparados no que diz respeito às precondições para a implementação de automatização de tarefas jurídicas.

A pesquisa quantitativa (CEPI, 2018a) apresentou três constatações:

(i) há desigualdades significativas no uso de tecnologia, geralmente explicadas pelo porte dos escritórios, medido em número de advogados(as) atuantes;6

(ii) o uso mais disseminado de tecnologia contempla apenas ferramentas básicas de organização e cadastro de informações (softwares de gestão financeira e processual) e não ferramentas avançadas que auxiliem a própria atividade jurídica (e.g., softwares de geração automática de documentos);

(iii) há amplo espaço para implementação de ferramentas tecnológicas avançadas diante dos indícios de alta repetitividade dos trabalhos, que se verificam na presença frequente do contencioso de massa entre as atividades dos escritórios e no uso disseminado de modelos.

Gustavo de Freitas Morais
Sócio Dannemann Siemsen.

Willian Lecciolli
Advogado do escritório Dannemann Siemsen. Mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC/SP.

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