Como sempre faço, gosto de me apropriar de imagens ou situações para utilizar nas minhas comparações metafóricas, pois acho que facilitam a explanação da ideia e tornam a absorção e a gravação mais perenes em nossas mentes. Neste caso especificamente vou traçar um paralelo com as observações que inúmeros consultores de RH tem publicado sobre os motivos pelos quais a grande maioria dos colaboradores de empresas pede demissão.
Apesar da relação entre sócios e seus respectivos escritórios de advocacia não ser a mesma entre colaboradores e empresas, ambos são pessoas e são impactadas emocionalmente pelos mesmos motivos citados nos estudos mais recentes.
Elenco a seguir o paralelismo (não seguindo a mesma ordem) em relação aos principais motivos de perda se sócios:
O primeiro é o que considero ser o mais importante pois representa a valorização do sócio perante a sociedade e que neste paralelo pode ser agrupado nas seguintes frases / motivos observados nos estudo de RH: “Os funcionários se sentem subestimados”, “Falta de compensação financeira adequada”, “Salário baixo”, “Pouco reconhecimento” e que representam neste paralelo a valorização do sócio perante a sociedade.
Como já disse, a relação socio-sociedade é muito diferente da relação empregado-empresa e mais especificamente, em escritórios de advocacia (que NÃO É uma empresa patrimonial) essa relação é mais fluida ainda. Nessas empresas a remuneração / compensação de cada sócio, ou em outras palavras, quanto cada sócio recebe na repartição dos lucros é o resultado de uma equação bastante complexa e que é diferente para cada um. A combinação de fatores objetivos e subjetivos e seus respectivos pesos é que vão definir essa “relativização societária” e percepção do indivíduo em relação à sua importância e seu reconhecimento por parte de seus pares.
Quanto mais subjetiva for essa relativização, acrescidas dos aspectos políticos inerentes a uma sociedade de pessoas, maiores serão as chances de haver um descasamento entre a percepção individual de valor e a percepção do grupo. Já ouvi no passado a seguinte frase um sócio: “eu valho aquilo que os meus sócios acham que eu valho”!
Conforme publicado em meu livro “Governança Estratégica para Escritórios de Advocacia”, 2ª edição, capítulo 8, pagina 197, há uma relação forte entre a insatisfação do sócio em relação à sua remuneração e à percepção de sua importância relativa a reconhecimento, sendo esse o principal motivo de splits em escritórios de advocacia, representada pelo gráfico a seguir:
O segundo é representado pela falta de motivação do sócio originada pela pouca ou falta de visão de longo prazo dos gestores ou ainda direcionamento equivocado de mercado. Pode ser agrupado neste paralelo nas seguintes frases: “Falta de espaço para crescer”, “Falta de desafios”, “Falta de um caminho claro para o sucesso”. “Necessidade de ser desafiado”,”Metas e objetivos irreais”.
Apesar de não ser um motivo predominante, este também aparece como um catalizador dos outros. O simples crescimento vegetativo baseado no aumento dos trabalhos (apesar de ser bom) sem um planejamento estratégico ou sem uma visão de aproveitamento das oportunidades de mercado pode gerar insegurança naqueles sócios menos representativos no faturamento global do escritório e contribuindo com a sensação de não ter espaço para crescimento e importância relativa.
O terceiro pode ser considerado como o desalinhamento do sócio em relação à cultura empresarial muito tradicionalista, pouco agressiva e/ou inovadora e pode ser agrupado nas seguintes frases: “Política Interna engessada ou ultrapassada”, “Máquinas e/ou equipamentos desatualizados”.
Em escritórios mais antigos é bastante comum acontecer a seguinte situação: os sócios mais antigos (muitas das vezes os “name partners”), por suas próprias experiencias e vivência no mercado acabam sendo os maiores captadores e consequentemente tendo maior importância relativa nas decisões político-estratégicas da empresas. Dependendo de como são definidos os critérios de compensação societária há uma possibilidade de acomodação desses sócios levando a uma gestão pouco moderna ou inovadora também contribuindo em mais um ponto no possível descontentamento dos sócios mais jovens.
O quarto e também muito importante (não que os outros não o sejam) pode ser gerado pela existência de conflitos internos entre o sócio e o grupo de gestores e que neste paralelo pode ser representado pelas seguintes frases: “Falta de suporte de gerenciamento”, ”Liderança ruim”, “Conflito com Gestores”.
Por ser uma sociedade de pessoas e geralmente baseada em critérios subjetivos de relativização societária, as características inerentes ao “profissional advogado” (treinado para arguir, combater, discutir, duvidar e associados a fortes egos) acabam sendo bastante presentes nas discussões e decisões relativas à gestão da empresa. Desta forma, acaba existindo uma chance relativamente grande de serem criados conflitos de personalidades e que podem, ao longo do tempo, se transformar em motivos para ruptura ou dissidência societária.
O quinto e não menos importante pode ser originado pelo ambiente interno desagradável ou toxico, relativamente comum em alguns escritórios e pode ser exemplificado nas seguintes frases: “Falta de um ambiente agradável”, “As pessoas pedem demissão de seus chefes, não das empresas”, “Péssima cultura de trabalho”.
Como já dito, escritórios de advocacia são sociedade de pessoas prestando serviços para pessoas, mas por incrível que pareça, advogados tem uma dificuldade de desenvolver relação de empatia com seus colaboradores e clientes (estatística publicada pela empresa americana Caliper mostra que apensas 7 a 12% dos advogados tem essa capacidade). Essa dificuldade pode contribuir bastante para a geração ao longo do tempo de um ambiente desagradável de trabalho, atualmente chamado de tóxico.
Conclusão: Obviamente nenhum desses motivos ocorre individualmente e é muito difícil separá-los na vida real, até porque são sensações e como tais, são individuais e emocionais e combinação desses motivos pode levar, como já dito, a uma ruptura ou dissidência, ambas opções bastante negativas para a sociedade. Como nos acidentes aéreos, apenas um defeito ou falha não derruba um avião e sim uma sucessão dessas falhas e/ou defeitos. A relação societária em escritórios de advocacia é a parte mais sensível, complexa e também a mais importante para o desenvolvimento e sucesso e merece uma enorme atenção de todos os envolvidos para mantê-la a mais estável e harmônica possível!