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O condomínio pode proibir o uso do Airbnb?

Não há entendimento fixo acerca do tema pela lei e pelas decisões judiciais brasileiras, cabendo em todos os casos a análise específica.

25/2/2022

(Imagem: Arte Migalhas)

Em regra, a vontade de comprar um imóvel decorre de duas necessidades: O sonho da casa própria e o desejo de fazer um investimento.

Este artigo é direcionado aos que investem em imóveis condominiais com o intuito de auferir rendimentos, seja através da locação convencional, ou através da utilização de plataformas como o Airbnb.

Muitas pessoas, em vez de optarem pela locação de imóveis intermediados por imobiliárias, que, em muitos casos, ocorre após um processo demorado com muitas etapas, optam pela possibilidade de lucrar usando a rapidez e agilidade oferecidas pelo aplicativo Airbnb.

Apesar da revolução ocasionada pelo uso do aplicativo, através do qual o usuário e o proprietário conseguem acordar todos os detalhes da locação, muitos síndicos e administradoras de condomínios permanecem alheios às novas práticas econômicas. 

Em razão desse fato, as proibições na utilização do aplicativo ocorrem sob duas alegações, baseando-se a primeira, no fato de que a chegada e a saída de locadores causaria riscos à segurança dos moradores e funcionários e a segunda, no fato de que a locação através do Airbnb desvirtua a finalidade residencial do condomínio.

A questão é justamente o título deste artigo: o condomínio pode proibir o uso do Airbnb?

Ainda não se tem uma resposta clara para isso, mas a Justiça vem julgando casos que discutem o assunto. Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial 1.819.075, entendeu ser possível a proibição do uso do Airbnb em condomínios. Os Ministros entendem que o Airbnb não configura locação, mas sim um contrato de hospedagem, semelhante ao dos hotéis. 

Segundo o entendimento dos Ministros, como os condomínios têm finalidade residencial, a hospedagem desvirtua tal fim, e em respeito ao direito de vizinhança, o condomínio pode valer-se dos direitos de vizinhança para impedir que o condômino utilize o Airbnb para locar o seu imóvel.

Porém, no julgamento, os Ministros afirmaram que a discussão se limita ao caso concreto. Logo, a decisão não serve de paradigma para todo o Brasil.

Tanto que, apesar da possibilidade de proibição já permitida pelo STJ, existem decisões em todo o país nas quais os juízes protegem o direito de propriedade de quem loca imóveis usando o Airbnb.

Portanto, como o Poder Judiciário ainda não discutiu a questão plenamente, e como o Airbnb ainda não está classificado como modalidade de locação ou de hospedagem, nem se chegou a um consenso entre os juristas quanto à sua natureza jurídica, os parâmetros abaixo se mostram imprescindíveis.

Enquanto proprietário de um imóvel, lhe é garantido constitucionalmente o direito de obter frutos – no caso, o lucro – decorrentes da sua propriedade. E é por isso que o Airbnb não é atividade contrária à lei.

Mas quando se trata de imóvel condominial, existem questões particulares a cada condomínio, as quais devem ser tratadas segundo a lei e os documentos que regem o funcionamento destes condomínios.

Assim, se você usa ou pretende usar o Airbnb para fazer locações de imóveis condominiais, é preciso tomar alguns cuidados:

1. Analise a convenção do condomínio e o regimento interno

Solicite ao Cartório de Registro de Títulos e Documentos no qual a convenção do condomínio e o regimento interno foram registrados. Dependendo da sua cidade, existirá apenas um Registro. Mas caso você esteja em uma cidade grande, como uma capital, precisará descobrir qual o Registro no qual a convenção e o regimento foram registrados.

Para ter certeza de qual é o Registro correto, solicite à síndica ou à administradora do condomínio em qual deles estão registrados a convenção e o regimento interno.

Caso não receba a informação, se dirija a qualquer Registro de Títulos e Documentos e solicite ao cartorário para que faça uma busca de todos os registros realizados em nome do condomínio. A busca irá indicar em qual Registro constam os documentos. Ao obter a informação, compareça no Registro no qual a convenção e o regimento foram registrados e requeira uma cópia.

Ao ter a cópia, verifique se já consta na convenção do condomínio ou no regimento interno a proibição ao Airbnb. Se existir proibição, você não poderá locar seu imóvel.

2. Verifique se a proibição é devida

Você pode se perguntar o seguinte: se tenho o direito constitucional de propriedade, por que o condomínio pode proibir o uso do Airbnb?

Porque nem todo direito constitucional é ilimitado. Isso significa que a propriedade pode ser limitada considerando as circunstâncias da situação. No, condomínio, o direito de um condômino de usar a propriedade será limitado se estiver violando a propriedade dos outros condôminos. Por exemplo, um condômino não pode exercer seu direito enquanto perturba a paz e coloca os outros condôminos em risco.

E como o condomínio é um local onde várias pessoas residem, constituindo praticamente uma vizinhança própria, a lei e as decisões judiciais já definem que a convenção e o regimento interno devem ser adotadas como lei pelos condôminos. Ou seja, os referidos documentos têm força de lei e devem ser respeitados.

Nenhuma limitação de propriedade, porém, poderá ocorrer sem o respeito às formalidades previstas na lei e nas normativas internas.

Se constar a proibição, verifique se o procedimento necessário foi respeitado. As alterações em convenções de condomínio, por exemplo, devem ocorrer em assembleia geral extraordinária e dependem da concordância de 2/3 de todos os condôminos. As de regimento interno, dependem da previsão da convenção. A lei não prevê mais quórum específico para a mudança.

Nesse sentido, pode ser solicitado ao mesmo Registro de Títulos e Documentos uma cópia da ata de assembleia na qual a proibição foi votada. Para ter certeza de qual ata de assembleia pedir, solicite ao síndico ou à administradora para que lhe informem em qual assembleia se deu a proibição.

Com a ata em mãos, se constatar preenchido o quórum de 2/3 de todos os condôminos para a mudança da convenção, ou preenchidos os requisitos para a mudança do regimento interno, a proibição é devida.

3. E se a proibição for indevida?

No caso de não estar preenchido o quórum, ou constatado que o síndico se utilizou de alguma manobra ilegal para obter os votos, como, por exemplo, realizar assembleia continuada, com prazo aberto para coleta de votos, sendo encerrada apenas após a coleta de todos os votos necessários à proibição, deve ser feito o seguinte:

Primeiro, tente dialogar com o síndico ou com a administradora e mostre-lhes que a proibição é de fato ilegal. Se você tiver sorte, o problema pode ser resolvido extrajudicialmente.

Se permanecerem irredutíveis, favoráveis à ilegalidade, você pode levar o caso à Justiça.

Porém, do mesmo modo, terá de contar com a sorte. Isso porque, o entendimento dos juízes acerca do Airbnb está bem distante de ser sedimentado. Alguns entendem pela possibilidade de proibição, outros não. Ou seja, a sentença não irá se basear apenas na lei, mas também em como o magistrado entende o assunto.

Pode ser que o magistrado entenda que o Airbnb trata de contrato de hospedagem. Neste caso, apesar da proibição ilegal, poderá o magistrado desconsiderá-la, analisando apenas que a locação desvirtua a finalidade residencial do condomínio, pois a locação seria, de acordo com as regras do condomínio, ilícita de todo modo.

Assim, como você já tem o regimento e a convenção em mãos, verifique se está previsto que o condomínio tem a finalidade exclusivamente residencial, para garantir a força do seu direito de locação.

Verifique, também, se o condomínio veda locações por períodos menores do que 90 dias, fato que também pode diminuir sua possibilidade de conseguir, judicialmente, a permissão para locar ou para manter suas locações.

E caso o condomínio tenha finalidade exclusivamente residencial, e mesmo assim deseje levar o caso à justiça, argumente ao juiz em sentido contrário ao entendimento de contrato de hospedagem, mostrando-lhe que a locação por Airbnb se trata justamente de contrato de locação atípico.

Considerações finais

Não há entendimento fixo acerca do tema pela lei e pelas decisões judiciais brasileiras, cabendo em todos os casos a análise específica.

Seguindo as orientações, será possível ao menos verificar se há o direito de iniciar a utilização ou de continuar utilizando a plataforma.

Como cada caso é individual, cumpre sempre estar atento ao cotidiano do condomínio e a eventuais ilegalidades para que, primeiramente, sejam dirimidas em âmbito extrajudicial e em um segundo momento, caso não seja possível através da primeira alternativa, sejam submetidas à análise judicial.

Debora Cristina de Castro da Rocha
Advogada fundadora do escritório Debora de Castro da Rocha Advocacia, especializado nas áreas do Direito Imobiliário e Urbanístico, Mestre em Direito Empresarial e Cidadania e Professora.

Leonardo Scholl
Colaborador do escritório Debora de Castro da Rocha Advocacia.

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