Do acesso à Justiça
Maria Beatriz Conde Pellegrino*
Do princípio da igualdade, consagrado no art. 5º da Constituição Federal, decorre a igualdade de todos perante a Justiça, assegurada principalmente pela garantia de acessibilidade a ela. Disse o Constituinte, no mesmo art. 5º, que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. Previu ainda a Constituição assistência jurídica integral do Estado aos que comprovarem insuficiência de recursos, buscando, assim, garantir aos mais pobres acesso irrestrito à Justiça, seja através da assistência judiciária, ou “Justiça Gratuita”, conforme a Lei 1.060/50, seja através da <_st13a_personname w:st="on" productid="assessoria jur?dica">assessoria jurídica gratuita, patrocinada pelas Defensorias Públicas Federal e Estaduais. Se os Tribunais estavam fechados aos pobres, como proclamava Ovídio, de forma persistente (Cura pauperibus clausa est), as defensorias foram criadas para abrir-lhes as portas, colocando-os em situação de igualdade com os mais economicamente afortunados.
Não obstante tais direitos e garantias fundamentais, que na teoria parecem funcionar, a prática nos traz uma realidade diferente da pensada por nosso Constituinte. Apesar de contar com função de tão extraordinária importância, as Defensorias Públicas carecem de recursos para garantir aos mais pobres, orientação jurídica e patrocínio integral de seus direitos, o que faz com que não exista no Brasil a igualização dos desiguais perante o Judiciário. É importante dizer que o acesso efetivo à justiça, que a doutrina brasileira mais recente chama de “acesso à ordem <_st13a_personname w:st="on" productid="jur?dica justa">jurídica justa”, não importa apenas no maior número possível de demandantes, mas de garantir a estes e aos que venham a se defender a possibilidade de o fazerem de forma adequada, com todos os recursos e instrumentos admissíveis.
No entanto, não são apenas esses os problemas que, no Brasil, impedem a concretização do princípio constitucional do acesso à Justiça. Isso porque, pegando carona na doutrina mais recente, que defende o acesso à ordem <_st13a_personname w:st="on" productid="jur?dica justa">jurídica justa, ao Juiz deve ser garantido julgamento imparcial e independente e devem ser observados, dentre outros, os princípios da imparcialidade do juiz, do juiz natural, da igualdade e do contraditório e da ampla defesa. Ao se negar às partes o direito de defender-se adequadamente ou o direito de contraditar o que a outra parte trouxe aos autos, tem-se, de forma evidente, uma justiça restrita e limitada. Da mesma maneira, se tirarmos do magistrado sua liberdade de julgar de acordo com sua consciência, pautado sempre na ordem social e nos ditames da lei, transformamos o Poder Judiciário em órgão de automação, onde <_st13a_personname w:st="on" productid="o Juiz">o Juiz se transforma em mero chancelador de decisões pretéritas.
Assim, chega-se à recorrente tema discutido em nossos meios jurídicos. Diante do recente pronunciamento de autoridades judiciárias e do pleito de muitos estudiosos, cresce assustadoramente a campanha pela implantação da súmula vinculante, mecanismo pelo qual os juízes de instâncias inferiores ficam subordinados a decisões de direito emanadas pelos Tribunais superiores. Não é a intenção desta autora manifestar-se de forma contrária a esta tendência, mas sim de chamar a atenção dos leitores para o fato de que a vinculação das decisões dos magistrados não pode ser adotada como forma de solução de nossas mazelas judiciais. Se a justiça tarda, que se lhe forneçam instrumentos e recursos que a tornem mais célere, mas não retiremos do magistrado sua independência e consciência. Sigamos a Teoria da divisão dos poderes, segundo a qual o Judiciário, o Legislativo e o Executivo são independentes e harmônicos entre si, mas também colaboradores e fiscalizadores uns dos outros. Asseguremos aos magistrados o direito de interpretar a lei e aplicá-la ao caso concreto da forma como melhor lhe parecer.
A única conclusão a que podemos chegar é a de que a ordem jurídica nacional precisa desenvolver-se e alcançar todos os cidadãos. O processo precisa tornar-se ágil e as decisões mais efetivas. No entanto, a aplicação de teorias que não se adequam ao nosso Direito podem até resolver alguns problemas, mas, ao mesmo tempo, criam outros, até mais graves. Discutamos a súmula vinculante de acordo com o que nosso Direito deveria ser, e não de forma a transformá-la em remédio para o qual não foi pensada. É preciso ter cuidado para não transformar solução em problema.
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*Conselheira Fiscal do IAMG - Instituto dos Advogados de Minas Gerais. Membro do Conselho Diretor da CAMARB. Advogada das Minerações Brasileiras Reunidas S/A - MBR
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