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Reflexões sobre a decisão do STF acerca da licitude da pejotização

É muito bem-vinda a decisão do STF no sentido de afastar a presunção de ilegalidade da contratação de pessoas jurídicas, e esperamos que o tema possa ser mais bem debatido.

23/2/2022

(Imagem: Arte Migalhas)

O STF, no julgamento da RCL 47843, trouxe nova luz à discussão sobre a pejotização, modelo de contratação que tem sido muito criticado, por vezes apontado como forma fraudulenta de contratação de trabalhadores, visando a supressão de direitos trabalhistas e, na visão da Receita Federal, até mesmo de simulação como forma de evitar o recolhimento de tributos incidentes sobre a folha de pagamentos. 

O acórdão do STF ainda não foi publicado, mas conforme consta no sítio do Tribunal, em julgamento por maioria, foi reconhecido como válida a contratação de médicos como pessoas jurídicas, pesando o fato de serem pessoas de alto nível de formação e, portanto, que não se enquadram como hipossuficientes. 

O STF já havia reconhecido como constitucional o artigo 129 da lei 11.196/05, que estabelece a possibilidade de prestação de serviços intelectuais, em caráter personalíssimo ou não, pelo modelo de contratação de pessoa jurídica, nos termos da ADC 66. 

O entendimento do STF é relevante porque têm sido frequentes as decisões da Justiça do Trabalho reconhecendo o vínculo de emprego em contratações de pessoas jurídicas para trabalhos altamente especializados e nitidamente autônomos. 

Também tem havido autuações pela Receita Federal desconsiderando o modelo da contratação de pessoa jurídica, e exigindo os tributos incidentes na contratação de pessoa física, em especial as contribuições previdenciárias. 

Não se discute que possa haver, em determinados casos, a adoção do modelo de contratação de pessoa jurídica como forma de fraudar uma relação de emprego, notadamente quando a subordinação se mostra presente 

Contudo, não se pode generalizar esse entendimento, pois a contratação de pessoas jurídicas é um modelo válido e que pode ser do interesse de ambas as partes, que assumem todas as consequências desse modelo de contratação. 

Nesse sentido, a contratação de profissionais liberais, tais como médicos, jornalistas e artistas, como pessoas jurídicas, com altas remunerações, em nosso sentir, nada tem de fraude, mas sim da adoção de modelo jurídico adequado à realidade da contratação. 

O caso dos médicos é emblemático, pois não se pode considerá-los como hipossuficientes. Na maior parte das vezes, esses profissionais prestam serviços a diversos hospitais e clínicas, possuem total independência técnica e, em geral, podem ser substituídos em seus plantões de acordo com sua conveniência e necessidade, pactuando livremente em contrato seus direitos e obrigações. 

Também não se pode dizer que se trata apenas de uma simulação para se recolher menos tributos, até porque também deixam os profissionais de gozar de benefícios previdenciários e de garantias da legislação trabalhista, em contrapartida de maior liberdade negocial e da redução da carga tributária, por exemplo. 

Nesse aspecto, deve-se frisar que no Brasil a tributação sobre a folha de pagamentos é extremamente elevada e acaba incentivando a busca por alternativas. Como pessoa jurídica, o profissional irá recolher uma tributação de aproximadamente 15%, ao passo que como empregado, apenas à título de imposto de renda, poderá recolher 27,5%. Além disso, há as contribuições previdenciárias e o FGTS, que o oneram a folha de pagamentos do empregador, desestimulando a criação de postos de trabalho. 

O mercado de trabalho está passando por tantas transformações de alto impacto que é preciso assimilá-las a tempo de se adequar a essa nova dinâmica. 

E o contexto também vem exigindo mudanças rápidas nas empresas para que elas sejam atrativas aos profissionais mais talentosos. E no meio de tudo isso, é claro que o tipo de vínculo que conecta as pessoas às organizações passou a ser bem diferente de alguns anos atrás. 

Os números da economia comprovam: agora temos mais trabalho e menos empregos. 

O mercado informal respondeu por mais da metade (54%) do aumento da população ocupada no terceiro trimestre de 2021, frente ao segundo trimestre, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua. Dos 3,592 milhões novos trabalhadores ocupados, quase dois milhões (1,947 milhão) conseguiram vagas informais.  

Será que faz sentido uma tributação tão elevada para as empresas, em um modelo que não atende mais a realidade do mercado, ao invés de se buscar uma redução dessa informalização? 

Outro aspecto que se observa é que, em virtude dessa “demonização” da contratação de pessoas jurídicas, tem sido comum tais profissionais, como médicos, jornalistas e artistas, com remuneração elevada, buscarem a tutela da Justiça do Trabalho, após se beneficiarem por anos de um modelo de contratação fiscalmente mais vantajoso, para obterem os benefícios da CLT, ou seja, buscam o melhor de dois mundos. 

O que se vê, portanto, é que parte da Justiça do Trabalho, pouco atenta à essa nova realidade, acaba fomentando um contencioso gerado por profissionais que não são hipossuficientes e gerando grande insegurança jurídica. 

Dessa forma, é muito bem-vinda a decisão do STF no sentido de afastar a presunção de ilegalidade da contratação de pessoas jurídicas, e esperamos que o tema possa ser mais bem debatido, tanto no âmbito da justiça do Trabalho, como na seara da discussão tributária, considerando a profusão de autuações de profissionais liberais e empresas pela Receita Federal.

Júlio Beltrão
Sócio do Espallargas, Gonzalez & Sampaio - Advogados.

Ian Barbosa Santos
Sócio do escritório Espallargas, Gonzalez & Sampaio - Advogados.

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