Migalhas de Peso

As criptomoedas e a relação de consumo

Na hipótese de fraude, a empresa operadora somente eximirá sua responsabilidade, caso demonstre que o evento ocorreu por culpa exclusiva do consumidor, uma vez que incidirá as regras previstas nos artigos 6º, incisos VI e VII, bem como artigo 14 § 3º, inciso II, todos do Código de Defesa do Consumidor.

17/2/2022

(Imagem: Arte Migalhas)

De acordo com o Banco Central, as criptomoedas ou moedas virtuais são consideradas representações digitais de valor que não são emitidas nem garantidas por qualquer autoridade monetária, não tendo, por isso, garantia de conversão para moedas soberanas, não sendo, também, lastreadas em ativo real de qualquer espécie, gerando, assim, sérios riscos aos detentores.

A Comissão de Valores Mobiliários entende que as criptomoedas não se submetem ao órgão regulador, uma vez que o ativo não é considerado um valor mobiliário.

Nesse cenário de incertezas, faz-se imprescindível observar as operações com as criptomoedas com relação à aplicação das regras de direito do consumidor.

Como se sabe, o mundo virtual das criptomoedas é dinâmico e próspero, porém, ao mesmo tempo, está sujeito a falhas de segurança, fraudes e contratempos do mercado mundial.

Por esse motivo, para mitigar riscos, faz-se imprescindível a análise das cautelas necessárias sob a lente do Código de Defesa do consumidor.

É importante que o cliente seja informado, em negrito nos contratos e com o devido alerta nos meios de comunicação, sobre os riscos relacionados às criptomoedas, a fim de que sejam cumpridos os princípios da boa-fé, segurança e transparência, na medida em que se trata de relação volátil, similar ao mercado de capitais.

Como alguns já tem conhecimento, o Bitcoin é um código de software criado por programação criptografada, com o propósito de servir como moeda no ambiente virtual da rede mundial de computadores, sendo que natureza está em pleno desenvolvimento.

As denominadas exchanges são empresas que oferecem serviços de intermediação da compra e venda das criptomoedas, bem como possibilita a custódia de valores, mediante depósito bancário ou via cartão de crédito, através de site próprio da internet, utilizando plataformas integradas que permitem que as transações aconteçam com alta velocidade e em tempo real.

As exchanges prestam o serviço recebendo em contrapartida remuneração específica ou participação nos lucros, sendo que é dessa relação negocial que nasce a sua responsabilidade prevista no artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor, cujo o caput possui a seguinte redação: “O fornecedor de serviços responde, independente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre o risco ou fruição”.

Registre-se que a mesma linha de raciocínio apresentada com relação à responsabilidade das exchanges, deve ser direcionada também com relação àquelas empresas que atuam no mercado em parceria com as exchanges ou que fazem negócios com criptomoedas para os seus clientes através da utilização das plataformas, uma vez que participam da cadeia de produção negocial.

Apesar de ainda não existir regulamentação específica com relação aos negócios com criptomoedas, tanto a doutrina, quanto a jurisprudência, caminham no sentido de definir os serviços realizados por tais empresas com seus clientes, como uma relação de consumo, calcada no art. 2º do Código de Defesa do Consumidor que conceitua o consumidor como toda pessoa física ou jurídica como destinatário final.

No caso em foco, visando a proteção das empresas que representam seus clientes junto às exchanges, entendemos que a prudência nos leva a adotar a teoria finalista, que define como consumidor aquele que será destinatário final do serviço.

As empresas que atual no campo das criptomoedas são caracterizadas como fornecedor, por força do disposto no artigo 3º do Código de Defesa do Consumidor, que conceitua como fornecedor toda pessoa física ou jurídica pública ou privada, nacional ou estrangeira, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou serviços.

O parágrafo 2º do aludido dispositivo define como prestação de serviço toda e qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária.

Portanto, é de fácil compreensão a caracterização da relação de consumo existente entre as empresas que prestam serviços relacionados às criptomoedas com o cliente consumidor.

Há que se considerar que a caracterização da relação de consumo gera os efeitos da hipossuficiência do cliente consumidor (art. 4º, inciso I, do CDC) com a empresa que opera no mercado de criptomoedas, incidindo, assim, as regras de inversão do ônus da prova, previstos no art. 6º, inciso VIII, do Código de Defesa do Consumidor.

Tal medida visa equilibrar a relação negocial, tendo em vista que a empresa operadora detém os meios de armazenamento, coleta e geração dos serviços disponibilizados.

Com o intuito de minimizar suas responsabilidades, a empresa operadora deve garantir a transparência de informações e garantir a segurança em seu banco de dados, deixando o consumidor com livre acesso sobre a operacionalidade do negócio.

Na hipótese de fraude, a empresa operadora somente eximirá sua responsabilidade, caso demonstre que o evento ocorreu por culpa exclusiva do consumidor, uma vez que incidirá as regras previstas nos artigos 6º, incisos VI e VII, bem como artigo 14 § 3º, inciso II, todos do Código de Defesa do Consumidor.

Como se vê, por qualquer ângulo que se analise a questão, inobstante o cenário indefinido quando a natureza jurídica das criptomoedas, é indiscutível a aplicação das regras de direito do consumidor, na hipótese de prestação de serviços de compra e venda das moedas virtuais, devendo, por isso, ser o consumidor devidamente cientificado dos riscos do negócio.

Márcio Vinícius Costa Pereira
Advogado com 30 anos de experiência. Procurador da ANP durante a gestão de David Zilberstein. Advogado Sênior do Escritório Tozzinifreire durante 7 anos. Sócio do Escritório Villemor Amaral por 11 anos. Durante os últimos 20 anos, foi responsável pela conta de grandes clientes, com destaque no setor aéreo, consumidor e energia. Atualmente, é sócio do escritório PFA - Pereira França Arantes Advogados.

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