Nos moldes da legislação do imposto de renda, lei federal 7.713/88, art. 3º, §1º1, submetem-se à incidência do imposto os valores recebidos a título de alimentos. Em contrapartida, é assegurado ao alimentante (quem paga a pensão alimentícia) a possibilidade de dedução do valor em sua declaração de imposto de renda.
A partir disso, poderia se sustentar que o recebimento de pensão alimentícia caracteriza acréscimo patrimonial. No entanto, esta premissa se revela equivocada e contrária aos princípios constitucionais que limitam o poder de tributar.
Primeiramente, verifica-se que o conceito de renda ou provento, pacificado entre a doutrina e a jurisprudência, paira na existência de acréscimo patrimonial2. De uma breve leitura dos artigos 153, III, da Constituição Federal3 e 43 do Código Tributário Nacional4, extrai-se que o imposto de renda incide na aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica do contribuinte.
No entendimento exarado por Carrazza, o princípio da capacidade contributiva transmite a ideia de que o imposto de renda só pode incidir sobre fatos que não exibam conteúdo econômico e não gravem riqueza nova do contribuinte. Ou seja, a lei não pode prever hipótese de incidência do imposto sobre fatos que sejam economicamente vazios5.
E acrescenta, nos moldes dos princípios da capacidade contributiva e da não-confiscatoriedade que “o objetivo deste tributo é gravar cada pessoa não em função de suas despesas, nem de acordo com sua riqueza disponível num dado momento, mas sim, de acordo com o incremento de seu potencial econômico6.”
Nessa toada, com base na análise da legislação ordinária, é possível vislumbrar que a atuação do legislador possui limitações previstas na própria Constituição Federal, ao delimitar a incidência do Imposto de Renda a “renda e proventos de qualquer natureza”, a interpretação deve ser realizada em consonância à hermenêutica constitucional.
A partir dessas premissas, é possível compreender que o imposto de renda não deveria incidir sobre verbas destinadas à sobrevivência, como é o caso da pensão alimentícia, que é fixada observando os princípios da necessidade e possibilidade. Ou seja, não caracteriza acréscimo patrimonial ao beneficiário.
A discussão acerca da tributação de pensão alimentícia foi levada ao Superior Tribunal Federal - STF por meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADI 5.422, proposta pelo Instituto Brasileiro de Direito de Família -IBDFAM. De acordo com o IBDFAM, a alimentação tem previsão constitucional como direito social, de sorte que a cobrança de imposto sobre verbas de natureza alimentar na seara familiar, caracterizaria ofensa ao princípio da dignidade humana.
À vista da exposição sobre o conceito de renda, bem como os argumentos apresentados pelo IBDFAM na ADIn, é evidente que a pensão alimentícia não se enquadra nessa concepção, sequer pode ser considerada acréscimo patrimonial, nos termos definidos pelo Código Tributário Nacional. Logo, haja vista que para incidir o imposto de renda, o fato gerador consiste em auferir renda, aumentar o patrimônio do contribuinte, não se verifica a hipótese de incidência.
Outrossim, cumpre salientar que os alimentos prestados pelo alimentante são caracterizados como verba a garantir a subsistência, de modo que a tributação da renda já foi realizada quando auferida pelo alimentante. Por conseguinte, exigir a tributação da referida verba seria hipótese explícita de bitributação.
Em que pese a tributação no caso em tela, possa ser encarada como uma forma de beneficiar o Fisco, não se pode olvidar que fomenta a disparidade social, tendo em vista que a parte hipossuficiente da relação, no caso o alimentando acaba pagando o imposto, que é restituído ao alimentante. Trata-se de uma afronta à garantia do mínimo existencial assegurada constitucionalmente.
Nesse diapasão, também pode ser compreendida como uma forma de contribuir para a desigualdade de gênero. Tal premissa surge em virtude de que na maioria dos casos na realidade do país, os homens são os devedores de pensão, enquanto as mulheres necessitam tributar os respectivos valores, ensejando uma situação de machismo tributário.7
No julgamento sobredito, o relator, Ministro Dias Toffoli, acolheu o pedido da requerente e posicionou-se de modo favorável aos contribuintes, interpretando o caso nos moldes da Constituição Federal. A tese consolidada pelo Ministro é de que “é inconstitucional a incidência de imposto de renda sobre os alimentos ou pensões alimentícias quando fundados no direito de família”. Consoante o posicionamento de Toffoli, os alimentos recebidos são uma mera entrada de valores, não sujeitos à tributação.
Ainda, insta salientar que diante da conjuntura a beneficiar os contribuintes no julgamento do STF, esses teriam direito a obter a restituição referente aos últimos cinco anos pela via judicial, visto que esses valores nunca foram legitimamente devidos. Inclusive, consoante destacado pelo jurista Rolf Madaleno, diretor nacional do IBDFAM, declarada a inconstitucionalidade, esta é imediata, sendo que os efeitos pendem da modulação que será aplicada pelos Ministros no encerramento da discussão8.
No entanto, mesmo com a maioria formada no STF para declarar a inconstitucionalidade da incidência do imposto de renda sobre os valores recebidos pelo alimentando, o Ministro Gilmar Mendes pediu destaque, o que suspendeu o julgamento sobre o tema e ensejará nova contagem dos votos.
Dessa maneira, os contribuintes devem ficar atentos à designação de nova data para julgamento, que apresenta grande probabilidade de ser julgado favoravelmente aos beneficiários de pensão alimentícia, o que possibilitará a devolução dos valores pagos indevidamente. Por conseguinte, cumpre salientar que para tanto, é necessário utilizar da medida judicial cabível.
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1 Art. 3º O imposto incidirá sobre o rendimento bruto, sem qualquer dedução, ressalvado o disposto nos arts. 9º a 14 desta Lei. (Vide Lei 8.023, de 12.4.90). § 1º Constituem rendimento bruto todo o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos, os alimentos e pensões percebidos em dinheiro, e ainda os proventos de qualquer natureza, assim também entendidos os acréscimos patrimoniais não correspondentes aos rendimentos declarados.
2 OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. Fundamentos do Imposto de Renda. São Paulo: Quartier Latin, 2008.
3 Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre: [...] III - renda e proventos de qualquer natureza;
4 Art. 43. O imposto, de competência da União, sobre a renda e proventos de qualquer natureza tem como fato gerador a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica: I - de renda, assim entendido o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos; II - de proventos de qualquer natureza, assim entendidos os acréscimos patrimoniais não compreendidos no inciso anterior.
§ 1º A incidência do imposto independe da denominação da receita ou do rendimento, da localização, condição jurídica ou nacionalidade da fonte, da origem e da forma de percepção. (Incluído pela Lcp nº 104, de 2001)
§ 2º Na hipótese de receita ou de rendimento oriundos do exterior, a lei estabelecerá as condições e o momento em que se dará sua disponibilidade, para fins de incidência do imposto referido neste artigo. (Incluído pela Lcp nº 104, de 2001)
5 CARRAZZA, Roque Antonio. Imposto sobre a renda (perfil constitucional e temas específicos). São Paulo: Malheiros Editores, 2009. p. 115.
6 CARRAZZA, Roque Antonio. Imposto sobre a renda (perfil constitucional e temas específicos). São Paulo: Malheiros Editores, 2009. p. 120.
7 STF retoma a partir de sexta-feira debate sobre tributação de pensão alimentícia. Bárbara Mengardo.
8 IBDFAM. STF forma maioria para afastar incidência do imposto de renda sobre pensão alimentícia; ação está suspensa após pedido de destaque. Disponível em: https://ibdfam.org.br/noticias/9342/STF+forma+maioria+para+afastar+incid%C3%AAncia+do+imposto+de+renda+sobre+pens%C3%A3o+aliment%C3%ADcia%3B+a%C3%A7%C3%A3o+foi+movida+pelo+IBDFAM.