Arnaldo Oliveira*
Associada à invenção da pólvora e da bússola, a tipografia marcou uma época, a partir da qual passaram a proliferar ideais libertários por meio de panfletos que se transformaram em jornais e livros de grandes filósofos e pensadores. Para os detentores do poder, um risco, pois a sociedade passara a ficar cada dia mais informada, mais culta e mais reivindicativa. Por outro lado, a explosão da informação que trouxe cultura, trouxe também muita quantidade de má qualidade. Mas a própria sociedade medieval depurou o que era ruim, restando as grandes obras para o deleite de uma humanidade à busca de seu crescimento intelectual. A bíblia, impressa por Gutemberg em 42 linhas por coluna nos idos de 1455 é uma prova contundente da força e do poder da imprensa que há mais de cinco séculos testemunha a evolução da comunicação.
Agora, como naquele tempo medieval, somos testemunhas de uma outra revolução da informação: a comunicação virtual e digital. Neste novo mundo, no qual a falta de tempo para uma leitura apurada nos leva a dar mais importância a telas, ícones e retrancas em detrimento de um texto mais apurado, haverá lugar ainda para a ciência de Gutemberg? O livro impresso cederá seu espaço ao livro virtual?
Eu, antigo livreiro do setor jurídico de Belo Horizonte, com experiência de mais de 36 anos no mercado mineiro e agora nacional, acredito que, mesmo com toda a parafernália do mundo de Bill Gates, o livro impresso é fundamental, seja ele científico, didático, histórico, profissional ou romance. Não há como se abster do uso do livro mesmo no mundo digital, que é perigoso do ponto de vista do excesso da informação de má qualidade, muito pior do que na época do surgimento do livro impresso. Agora a informação chega aos montes, sem controle, e atropela tudo e todos. Não que eu seja contra o uso do computador, da internet e de todas as ferramentas que vêm surgindo em função desta dupla, mas daí abrir mão do livro, é outra história.
Apesar do mundo virtual, o livro ainda continua sendo objeto de consumo da sociedade. Na França, por exemplo, o hábito de leitura é uma constante: são sete livros por habitante/ano. Nos Estados Unidos e na Inglaterra, este índice abaixa para cinco; na Colômbia; o índice é de 2,4 livros por habitante/ano. No Brasil, a quantidade de livros lidos por habitante é de apenas 1,8, índice inferior se comparado a países mais desenvolvidos e também em desenvolvimento, como é o caso da Colômbia. E aí, não se trata de concorrência com o livro virtual, mas a falta de hábito do brasileiro com a leitura e a falta da educação acadêmica.
Para se comprovar esta situação, é importante que alguns números sejam lembrados neste artigo. Segundo instituições como a Câmara Brasileira do Livro, a Associação Nacional de Livrarias e o Sindicato Nacional de Editores de Livros, no ano de 2005, foram produzidos no Brasil apenas 306,5 milhões de exemplares de livros, incluindo didáticos, científicos, técnicos e profissionais, contabilizando um total de 41,5 mil títulos editados. Números pequenos se comparados com nossa população de quase 190 milhões de habitantes.
No caso específico do livro no setor jurídico, sua utilização é fundamental. Não há como exercer a profissão de advogado sem o livro impresso como ferramenta de trabalho e de atualização da informação jurídica, alvo constante de mudanças da legislação. Para membros do Judiciário e do Ministério Público, juristas, advogados e estudantes de direito, o livro é ferramenta insubstituível, o que se comprova pelas vastas bibliotecas particulares de profissionais de renome do setor no país.
Hoje, no entanto, ocorre um fenômeno negativo. O acesso aos livros que comprova a capacitação do profissional do direito no Brasil é limitado. Para se ter uma idéia, nossa editora publica hoje cinco livros/mês, um nível alto se comparado às 530 editoras brasileiras que editam livros de diversos segmentos. Ao meu ver, este número poderia ser ainda maior se não houvesse a concorrência desleal e ilegal das cópias “xerox” e apostilas demandadas aos estudantes pelos professores de escolas de direito. Por outro lado, as obras profissionais sofrem a carência de bons autores para atender às demandas do mercado. Como contraponto, há excesso de ofertas de teses de mestrado e doutorado e até mesmo de monografia de graduação.
Como se explicam essas diferenças? País dos contrastes, o Brasil tem excessos e faltas e no mercado livreiro do setor jurídico não é diferente. O que leva a isso? A proliferação das escolas de direito (somente <_st13a_personname w:st="on" productid="em Minas Gerais">em Minas Gerais, há 125 escolas de direito autorizadas pelo MEC) pode ser uma causa. Outro contraste: há uns anos, quando as escolas de direito eram menos da metade dos números atuais, vendíamos muito mais livros. Ainda: embora tenhamos um número muito maior de estudantes que se formam em direito, a aprovação nos testes da Ordem dos Advogados do Brasil deixa a desejar – em Minas, a média é de 30%, sendo que no exame realizado em julho, houve apenas 15% de aprovação. Faltam escolas de melhor nível de ensino? Sem dúvida. Mas falta também a consciência de professores e alunos de que o livro jurídico, didático ou profissional, continua sendo o caminho mais curto entre o profissional e o sucesso de sua carreira. A continuar como está, o futuro dos grandes profissionais do direito – aqueles que estão por vir – pode estar ameaçado e com ele, o futuro do livro do segmento jurídico.
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* Diretor-presidente da Editora Del Rey Ltda
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