Discorrer sobre o direito a alimentação é um quesito basilar, tendo em vista que, nos instrumentos normativos, bem como tratados internacionais e convenções, esse tema é pauta de discussões e implementações nos ordenamentos jurídicos das soberanias do mundo.
A fome extrema atormenta mais de 28 milhões de brasileiros, que não possuem nenhuma forma de se alimentarem e mais da metade da população do Brasil, cerca de 55% do nosso povo, possui algum tipo de insegurança alimentar, sofrendo com a incerteza da alimentação diária.
Os números são discrepantes, quando abordamos que 116,8 milhões de brasileiros não possuem acesso pleno e permanente a alimentos e muitas vezes, sem acesso à água potável. São também controversos os dados da fome no Brasil, pois o país é exportador de alimentos, fornecendo ao mundo uma produção alimentícia que atende cerca de 800 milhões de pessoas em todo mundo. Essa produção alimentaria 3,7 vezes nossa população inteira.
Fato é que para entendermos a desigualdade social abarcada pela fome, teremos que aprofundar a questão histórica neste artigo, visando sanar, sinteticamente, as causadoras desta maldita praga não natural, relacionando com o instituto normativo estabelecido pela nossa Carta Magna de 1988 e os responsáveis por tal catástrofe social.
Desde a crescente evolução da indústria, a alimentação transformou-se num mercado, em que as grandes empresas alimentícias fazem uso de seus monopólios para controle, poder e distribuição. Quando adentramos ao tema da desigualdade social causada pela fome, percebemos que não só as famílias passam pela escassez do pão de cada dia são afligidas, mas também, a natureza e outro produto essencial à vida: a água.
Neste momento demonstramos sistematicamente um conjunto de meios que são influenciados e que estão interligados. O mercado alimentício produz o excesso de alimentos que são desperdiçados aos montantes todos os dias no mundo, causam também a poluição nas águas e concentram grande parte territorial do planeta.
O agronegócio destrói os hábitos alimentares, produzindo um processo de homogeneização dos alimentos, não observando a cultura e regionalidade nacional, muito menos internacional, tal fato pode ser explicado pelo colonialismo alimentar e imperialismo da soja, exportação essa que causa danos irreversíveis a nossa Floresta Tropical Amazônica.
A exploração deste mercado alimentício por grandes empresas como “Cargill” e “Monsanto”, ambas multinacionais que exploram este meio econômico, que hoje, esta segunda empresa faz parte do grupo “Bayer”, multinacional química e farmacêutica, propiciam a produção do alimento artificial, movimentando não só o monopólio alimentício, mas causando grandes impactos sociais, afinal, não estamos mais produzindo alimentos naturais, mas sim, artificiais. Esses dois exemplos de empresas não são nacionais e não visam o crescimento do Brasil em níveis sociais.
Quando abordamos sobre as grandes empresas latifundiárias, devemos compreender que estes estão no controle não só das terras, mas também da produção da semente química adulterada, do adubo químico, dos agrotóxicos, do maquinário, da mão de obra serviçal, tendo todo um aparato de modelo de produção para este mercado.
As grandes produções alimentícias, como já abordadas, impactam não somente a questão social, pela escassez na falta de distribuição alimentícia, mas também causa a destruição gradual e sistemática do nosso planeta, ocasionando a mudança climática, sendo uma praga já instalada na nossa sociedade contemporânea atual, mediante isto, é comum nos depararmos com secas, falta de água potável, multiplicação de insetos e doenças, sem contar os eventos catastróficos que serão cada vez mais intensos em todos os locais do planeta.
Uma das teses sobre o surgimento do Covid-19 se dão pelo alojamento de diversos animais silvestres compartilhando o mesmo espaço, propiciando a facilidade da mutação dos vírus e doenças a serem transmitidas aos humanos, quando consomem este animal como alimento.
A Constituição Federal de 1988, antes mesmo da iniciação ao conteúdo jurídico, quando nos deparemos ao preâmbulo, ou seja, a forma de interpretar a norma comum a todos os cidadãos da soberania brasileira, já impõe o dever do Estado Democrático de Direito destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, sejam eles a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, neste mesmo parâmetro, ao analisarmos a materialidade do artigo 1º ao artigo 6º da referida Constituição Federal, observamos o dever do Estado na proteção à dignidade da pessoa humana, a garantia do desenvolvimento nacional, a erradicação da pobreza e a marginalização e redução das desigualdades sociais e regionais, os direitos sociais a educação, saúde, alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, a segurança, entre outros direitos estabelecidos no nosso instrumento maior.
Tal modo traz a seguinte reflexão, se uma sociedade sofre com a falta de distribuição de alimentos, sejam eles promovidos pela escassez, seria o individuo o responsável por sua própria insubsistência? Por óbvio que não! O dever é completamente do Estado e a falta de políticas públicas para movimentar este cenário caótico causado pela má gestão da máquina pública, falta de investimentos nacionais e projetos focados em discussões urgentes, nos coloca a beira da nossa própria sobrevivência.
A mudança do estilo de vida que migrou do campo às cidades colocou os indivíduos a mercê de um Estado que hoje pouco se importa com vidas, mas sim, com o lucro obtido por este mercado bilionário que privilegia apenas alguns deste mesmo sistema dito como protetor da igualdade. A responsabilização desta catástrofe não natural é destinada aos governantes, sejam eles da esfera federal, estadual ou municipal, isto conforme a literatura da legalidade presente em nosso ordenamento jurídico maior e a ética humana.
O incentivo ao crescimento da agricultura familiar, bem como a destinação de capital para o desenvolvimento de empresas nacionais que possam produzir tecnologias e modelos para que a distribuição alimentícia seja igualitária precisa ser adotada urgentemente, não só no Brasil, mas no mundo inteiro.
A reforma agrária é mais do que necessária, sendo o único Presidente que apresentou essa proposta foi João Goulart, política pública esta que culminou no palco para a aplicação do golpe militar em 1º de abril de 1964, influenciado totalmente pelos Estados Unidos da América. Até hoje não temos quaisquer evoluções ao tema da reforma agrária.
A conclusão que dispõe este artigo é que o Estado, após a instalação da República Federativa Brasileira, por Marechal Deodoro em 1889, deixou nas mãos dos grandes latifundiários às terras brasileiras, o que influenciou toda uma gama social que nos aflige até os momentos atuais.
As conquistas sociais precisam ser consolidadas, ampliadas e formuladas diariamente, para que o mecanismo de uma nova forma de propiciação de poder coletivo possa vigorar em prol de um sistema formado pela coletividade social e que movimente a máquina com esta finalidade.
O Brasil, em 2014, tinha saído do Mapa Mundial da Fome, isso conforme os dados da ONU para a Alimentação e a Agricultura (FAO) que utiliza há 50 anos o Indicador de Prevalência de Subalimentação, medida usada para dimensionar e acompanhar a fome em termos internacionais.
A fome não é uma questão natural, por isso, há de lutarmos diariamente para que possamos viver o Estado Democrático de Direito proporcionados a todos e para todos, de forma igualitária e justa. Isso é possível, basta destinarmos forças para essa evolução.
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https://www.poder360.com.br/brasil/mais-de-20-milhoes-passam-fome-no-brasil-e-favelas-dobraram-em-10-anos/
https://higienealimentar.com.br/em-5-anos-brasil-sera-lider-mundial-de-exportacao-de-graos-segundo-embrapa/
https://www.unep.org/pt-br/noticias-e-reportagens/reportagem/como-o-desperdicio-de-alimentos-esta-destruindo-o-planeta
https://butantan.gov.br/covid/butantan-tira-duvida/tira-duvida-noticias/como-surgiu-o-novo-coronavirus-conheca-as-teorias-mais-aceitas-sobre-sua-origem
https://www.cnnbrasil.com.br/business/quase-28-milhoes-de-pessoas-vivem-abaixo-da-linha-da-pobreza-no-brasil/