INTRODUÇÃO
Em julho/2021, o então decano do Supremo Tribunal Federal, ministro Marco Aurélio Mello, completou 75 anos e, assim, após 31 anos de mandato, se aposentou de seu cargo, deixando o legado de um juiz que, como ele próprio dizia, julgava processos pelo seu conteúdo, e não pela capa.
O seu substituto é o ex-ministro da Justiça e ex-advogado-geral da União André Mendonça, cuja indicação, oficializada em 13/07/2021, foi, somente em 01/12/2021, votada e aprovada pelo Senado Federal, no que ficará marcado como o processo mais longo de indicação e, inclusive, com o maior índice de rejeição, de 32 votos contrários frente aos 47 favoráveis.
Assim sendo, o presente artigo se objetiva em discorrer, brevemente, sobre a indicação, a saída e o mandato dos ministros do STF, bem como se a motivação do Presidente da República em querer alguém “terrivelmente evangélico” mostrou-se crível aos olhos da Constituição.
REQUISITOS CONSTITUCIONAIS E PROCESSO POLÍTICO DE INDICAÇÃO
A Constituição é breve e sucinta ao estabelecer as regras de nomeação de um ministro do Supremo, se limitando a dizer que a indicação se dá pelo Presidente da República, que escolherá um cidadão brasileiro nato com mais de 35 anos e menos de 65, de notável saber jurídico e reputação ilibada, cuja aprovação se dá por votação de maioria absoluta do Senado Federal, quando, então, o nome indicado é sabatinado, necessitando de, no mínimo, 41 votos a seu favor, para que seja, então, nomeado ministro do Supremo Tribunal Federal.
Assim, como se vê, existem apenas dois critérios objetivos - idade e nacionalidade - e dois subjetivos - notável saber jurídico e reputação ilibada - no processo constitucional de indicação de um ministro - não há sequer a obrigatoriedade de o indicado ser graduado em Direito, ter mestrado ou doutorado, ou ter algum tipo de carreira jurídica, seja como advogado, professor, juiz, promotor etc., devendo ele, tão-somente, deter notável saber jurídico e reputação ilibada, o que, no entanto, são critérios, de certa forma, vagos.
Apesar disso, explicam os autores Felipe Recondo e Luiz Weber no livro “Os Onze” que, nos bastidores, existe um processo político de escolha do indicado, conforme abaixo:
“Sabatinas informais e reservadas, consultas sigilosas entre integrantes dos Três Poderes, jogo bruto, disputa entre indicados (com a produção de dossiês) definiram na largada o destino de vários indicados. Se, depois de Floriano Peixoto, o Senado nunca recusou um indicado ao Supremo, nas coxias, nomes cogitados pelo Planalto são abatidos antes de chegar aos holofotes do Congresso. Em Brasília, a decisão, o veredito sobre o candidato, ocorre nos bastidores, fora do Senado. Num jogo que poupa uma derrota ao governo.”1
Nesse sentido, a frase do ministro do TST Ives Gandra Martins Filho, inspirada na máxima do juiz Antonin Scalia, da Suprema Corte dos EUA, segundo a qual “a diferença entre um advogado e um ministro do Supremo é que este último é um advogado que conhece o Presidente”, se mostra absolutamente verdadeira.
MINISTRO “TERRIVELMENTE EVANGÉLICO”
"Como é bom se uma vez por semana, nessas sessões que são abertas no Supremo Tribunal Federal, começasse com uma oração do André. Então, uma pitada de religiosidade, de cristianismo, dentro do Supremo, é bem-vinda", disse o Presidente da República, Jair Bolsonaro.2
Apesar de existir critérios objetivos - idade e nacionalidade - e subjetivos - notável saber jurídico e reputação ilibada - no processo constitucional de indicação de um ministro do Supremo, seria leviano acreditar que o Chefe do Executivo não nomeia alguém que, de algum modo, convirja com os seus interesses, sendo o que acontece em todo processo de indicação, inclusive no âmbito do direito comparado.
Nos EUA, por exemplo, os presidentes têm por costume indicar juízes marcados por serem conservadores ou progressistas. Tanto é que especialistas apontam que a Suprema Corte é composta por 6 juízes conservadores e 3 juízes progressistas.
Ademais, ainda como exemplo, o livro “Os Onze: o STF, seus bastidores e suas crises” revela que a indicação do ex-ministro do STF Joaquim Barbosa pelo ex-presidente Lula teve como maior motivação o fato do jurista ser “negro”3, o que, apesar de ter sido um nobre ato, notadamente porque, até então, nunca um negro tinha figurado a composição do tribunal, demonstra que existem motivações não necessariamente fundadas nos critérios objetivos e subjetivos acima destacados.
Assim foi, então, que o presidente Jair Bolsonaro tornou pública a sua vontade de querer um ministro no Supremo que fosse “terrivelmente evangélico”, vontade esta, inclusive, que aparentemente foi satisfeita, já que o novo ministro, André Mendonça, é pastor da Igreja Presbiteriana.
Até aí, excetuando-se, é claro, a fala inicialmente citada que, por óbvio, beira o absurdo, OK, pois, afinal, o presidente dialogou com sua base política e atendeu a expectativa de seu eleitorado. O problema será se o novo ministro se tornar, de alguma forma, parcial, privilegiando interesses de uma determinada classe, somente por ser ela “evangélica/cristã” e, assim, prejudicar a democracia, já que violará o consagrado princípio constitucional da laicidade do Estado.
MANDATO DE MINISTROS DO STF E DE OUTROS TRIBUNAIS/CORTES CONSTITUCIONAIS E A POSSÍVEL IMPLEMENTAÇÃO DE MANDATO FIXO
O mandato de um ministro do STF não tem duração fixa, como ocorre, por exemplo e analogia, com os cargos eletivos.
Isso porque, o ministro, depois de indicado e nomeado, exercerá o cargo até os seus 75 anos, quando, então, ele se aposentará compulsoriamente (vide exemplos recentes dos ministros Marco Aurélio Mello e Celso de Mello) – isso, é claro, se ele não vier a falecer antes da referida idade, como fatidicamente aconteceu com os ministros Teori Zavascki e Carlos Alberto Menezes Direito, ou decida antecipar a sua aposentadoria, como foi o caso do ministro Joaquim Barbosa, ou, ainda, sofra processo de impeachment, o que, no entanto, jamais ocorreu.
Por isso, pode-se dizer que o mandato de um ministro será de acordo com a idade que ele ingressou na corte, sendo certo que se ele ingressou com 35 anos – idade mínima para indicação ao Supremo -, o seu mandato será de 40 anos; se ele ingressou com 65 anos – idade máxima para indicação -, o seu mandato será de 10 anos, e assim por diante - o mandato do ministro André Mendonça, no caso, será de 26 anos.
Semelhantemente ocorre em países como a Áustria e o Reino Unido, em que o mandato dos juízes do Tribunal Constitucional e da Suprema Corte, respectivamente, se encerra, também, através de aposentadoria compulsória, só que com 70 anos, e, diferentemente ocorre em outros países, como os Estados Unidos, que adotam um mandato vitalício para os juízes da Suprema Corte, a Alemanha, que limita o mandato dos juízes do Tribunal Constitucional Federal à duração de 12 anos, e a França, que também limita o mandato dos juízes do Conselho Constitucional à duração de 9 anos.
O modelo aqui adotado – semelhante ao dos países Áustria e Reino Unido - já é fortemente criticado, inclusive por juristas constitucionais, por principalmente exacerbar os poderes individuais de cada ministro (a FGV, através do projeto Supremo em Números, apontou que aproximadamente 93% das decisões do STF são monocráticas), tornando-os, em verdade, onze Supremos diferentes, capazes de decisões liminares sobremaneira impactantes, motivo pelo qual a adoção de um mandato vitalício mostra-se ainda mais frágil e, logo, fora de cogitação (até mesmo nos EUA, existe o interesse em limitar a duração do mandato dos juízes da Suprema Corte4).
Por outro lado, a adoção de um mandato fixo é sobremaneira recomendável, notadamente por privilegiar o jogo democrático, já que evitaria que um presidente eventualmente indicasse mais ministros do que outro, como aconteceu, por exemplo, com o ex-presidente Lula, que nomeou 8 ministros em detrimento dos 3 nomeados pelo ex-presidente FHC – não que isso necessariamente implique em prejuízo à ordem democrática, mas pelo STF concentrar muitas decisões políticas, quanto mais distante de suspeita o tribunal e seus ministros estiver, melhor.
Como se não bastasse, a implementação de um mandato fixo evitaria, também, a eventual saída de vários ministros de uma só vez, o que, por óbvio, causaria abrupta mudança na composição do tribunal e, por conseguinte, na própria jurisprudência da corte. Neste caso, a implementação de mandato fixo, privilegiaria uma mudança progressiva da composição, que dificilmente traria prejuízo à segurança jurídica do país.
Nesse sentido, imperioso destacar a existência das PECs 35/2015 e 16/2019, em tramitação conjunta no Senado Federal (no momento, as propostas estão aguardando inclusão em pauta na CCJ - Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania), que buscam, dentre outras coisas, estabelecer mandato de 10 e 8 anos, respectivamente, para os ministros do Supremo.
CONCLUSÃO
Assim, como se viu, muitas são as razões que sustentam a implementação de mandato fixo para os ministros do STF e, ainda, que já existem propostas de emendas à Constituição sobre a matéria.
Logo, nos resta aguardar a movimentação das águas da política para que aludida proposta se torne ou não em realidade.
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1 RECONDO, Felipe; WEBER, Luiz. Os Onze: o STF, seus bastidores e suas crises. Companhia das Letras. Fls. 131.
2 CORREIO BRAZILIENSE. Bolsonaro confirma indicação de André Mendonça ao STF: “É nossa intenção”. 2021. Disponível em: https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2021/07/4936141-bolsonaro-confirma-indicacao-de-andre-mendonca-ao-stf-e-nossa-intencao.html
3 RECONDO, Felipe; WEBER, Luiz. Os Onze: o STF, seus bastidores e suas crises. Companhia das Letras. Fls. 169.
4 Americanos querem mandato de 18 anos para Suprema Corte. 2017.