Apesar do nome particularmente não tão atrativo, o objetivo da lei federal 14.181/21 – em vigor desde julho de 2021 – é positivo e traz importantes alterações e inclusões ao Código de Defesa do Consumidor (CDC) e Estatuto do Idoso, as quais visam auxiliar na prevenção e tratamento do superendividamento.
E o que seria o superendividamento? É aquela situação extrema, na qual o consumidor – frisa-se, de boa-fé – por questões diversas, se encontra em situação de insolvência, ou seja, não mais consegue adimplir suas dívidas, vencidas e vincendas, sem que prejudique seu próprio sustento e de seus familiares e outros dependentes, pois seus rendimentos são inferiores às dívidas contraídas.
Considerando o cenário mundial de caos econômico, o aumento da inflação, desemprego e fechamento de empresas, a retomada da economia – ainda que não esteja tão ruim quanto se esperava em razão da crise global – é lenta e tem afetado a vida econômica de todos os brasileiros. A consequência direta foi que o endividamento das famílias e comprometimento de renda bateram recorde. O saldo das dívidas correspondeu a 49,4% da renda acumulada em 12 meses – é o que indicou o levantamento do Banco Central apresentado em 28/12/2021, conforme divulgado na Folha de São Paulo – coluna Mercado.
Com isso, é possível que a quantidade de consumidores em situação de superendividamento alcance números elevados. E é justamente para auxiliar essas pessoas em busca da melhor solução – tanto para elas quanto para os credores – que foi promulgada a referida norma.
Em resumo, a lei possibilita que as pessoas nessa situação possam buscar perante o Judiciário a renegociação em bloco de suas dívidas, através da realização de conciliação com todos os credores, visando a criação de um plano de pagamento que seja factível e possível de ser honrado.
A lei tem origem principiológica e segue os objetivos desenhados pelo CDC, ou seja, mesmo que venha para garantir o pagamento e proteger o detentor do crédito, o faz de forma com que o consumidor-devedor possa participar ativamente das negociações, sugerindo e indicando a melhor maneira para conciliar necessidade e dever de pagamento, através de um plano de pagamento – com prazo máximo de cinco anos.
Todos os credores, daqueles créditos passíveis de negociação de acordo com a legislação, deverão comparecer ao ato conciliatório, sob pena de – caso injustificadamente ausentes – terem o crédito suspenso e a interrupção dos encargos de mora. Além disso, caso o consumidor tenha condições claras de apresentar o real valor devido será, então, imposta a adesão à forma de pagamento definida na audiência e somente após a quitação dos débitos perante os credores que tenham se feito presentes.
Mas, evidente que a lei não quer criar uma cultura de inadimplência, por isso deixa especificados quais são os créditos passíveis de negociação, assim como a exigência que somente o consumidor de boa-fé poderá valer-se da benesse legal e desde que os produtos ou serviços não sejam considerados supérfluos de valor alto. Conforme disposto no §3º do art. 54-A “(...) não se aplica ao consumidor cujas dívidas tenham sido contraídas mediante fraude ou má-fé, sejam oriundas de contratos celebrados dolosamente com o propósito de não realizar o pagamento ou decorram da aquisição ou contratação de produtos e serviços de luxo de alto valor.”.
Além disso, a legislação tem pontos específicos no sentido de incentivar a educação financeira e a prática do crédito responsável, mediante consciência econômica e planejamento, de modo a possibilitar a aquisição dos bens e serviços necessários sem comprometimento do sustento próprio e de seus dependentes.
É o exemplo de norma que demonstra que a complexidade das relações jurídicas e suas peculiaridades demanda uma visão ampla, mas, ainda assim, específica, a fim de que a solução legal consiga contemplar todos os envolvidos de forma individualizada e resguardando sua posição e direitos, através da manutenção da segurança jurídica.