A discussão relativa às despesas que podem ser consideradas como insumos para fins de creditamento na apuração das contribuições para o PIS e para Cofins sempre foi objeto de inúmeras controvérsias, causando infindáveis batalhas entre Fisco e contribuintes. No ano de 2018, o STJ debruçou-se sobre a matéria para tentar estabelecer diretrizes sobre as despesas geradoras de crédito. Ocorre que, mesmo diante do esforço do Tribunal da Cidadania, a questão ainda é controvertida e deve ser analisada caso a caso, observando-se as peculiaridades de cada empresa. Nesse contexto surge a necessidade de analisar a possibilidade de os valores despendidos a título de vale-transporte gerarem créditos de PIS e Cofins às empresas.
Inicialmente, cumpre ressaltar que não se pode confundir a sistemática da não-cumulatividade aplicável ao IPI e ao ICMS com aquele utilizada para desonerar as contribuições para o PIS e para Cofins. Nesse sentido, são valiosas as lições de Ricardo Lodi Ribeiro:
Assim, se em relação às mercadorias e produtos, a não-cumulatividade significa que o imposto a ser pago na operação de saída é a diferença entre o mesmo imposto incidente nesta e os que foram pagos nas operações anteriores, o mesmo não acontece quando o instituto é transmutado para os tributos incidentes sobre a receita bruta ou faturamento. Nestes, não-cumulatividade significa que o tributo a pagar é encontrado pela aplicação da alíquota sobre a diferença entre as receitas auferidas e as receitas necessariamente consumidas pela fonte produtora (despesas necessárias).1
Dito isto, é importante alertar que as premissas que serão utilizadas para definição de insumos podem ser alteradas pelo STF no julgamento do Tema 756 de Repercussão Geral, na medida em que a Suprema Corte irá analisar a matéria à luz do disposto no art. 195, § 12, da Constituição Federal e poderá conceder interpretação mais abrangente ao conceito de insumo. Atualmente, as balizas para a conceituação de insumos passiveis de creditamento são obtidas por meio da análise do entendimento firmado pelo STJ no julgamento do tema 779 dos Recursos Repetitivos.
Analisando o referido julgado, verifica-se que o conceito de insumo deve ser aferido à luz dos critérios de (i) essencialidade ou (ii) relevância, ou seja, considerando-se a imprescindibilidade ou a importância de determinado item - bem ou serviço - para o desenvolvimento da atividade econômica desempenhada pelo Contribuinte.2
No que se refere à (i) essencialidade, fixou-se a premissa segundo a qual esse conceito relaciona-se com item do qual dependa, intrínseca e fundamentalmente, o produto ou o serviço, constituindo elemento estrutural e inseparável do processo produtivo ou da execução do serviço, ou, quando menos, a sua falta lhes prive de qualidade, quantidade e/ou suficiência.3
Por outro lado, a (ii) relevância é considerada como critério definidor de insumo, é identificável no item cuja finalidade, embora não indispensável à elaboração do próprio produto ou à prestação do serviço, integre o processo de produção, seja pelas singularidades de cada cadeia produtiva (v.g., o papel da água na fabricação de fogos de artifício difere daquele desempenhado na agroindústria), seja por imposição legal (v.g., equipamento de proteção individual - EPI).4
Para análise da possibilidade de os valores gastos com vale-transporte gerarem créditos de PIS e Cofins, é importante ressaltar o fato de que o STJ fixou que a imposição legal é uma característica que resulta na relevância do insumo. Ou seja, se a empresa estiver obrigada por lei a desembolsar determinado valor para o desenvolvimento de suas atividades, poderá creditar esse dispêndio para apuração das contribuições para o PIS e para Cofins.
Traçado o panorama do que pode ser considerado insumo para fins de creditamento de PIS e Cofins, faz-se necessário analisar se o valor gasto com vale-transporte se amolda a essa definição. Nesse sentido, o vale-transporte é um benefício devido pelo empregador para que o empregado possa se deslocar até o seu local de trabalho, bem como retornar a sua residência após o expediente.
O referido benefício está disciplinado na lei 7.418, de 1985, regulamentada pelo Decreto 95.247, de 1987. Analisando as referidas normas, pode-se concluir que o pagamento de vale-transporte decorre de uma imposição legal, não havendo qualquer discricionariedade para as empresas no que se refere à concessão de meios para seus funcionários deslocarem-se até o respectivo local de trabalho.
Considerando a natureza obrigatória do vale-transporte, não restam dúvidas de que esse dispêndio gera créditos de PIS e Cofins. Importante ressaltar que o valor passível de creditamento será apenas a diferença paga pelo empregador, ou seja, as despesas que ultrapassarem 6% (seis por cento) do salário básico do funcionário. Analisando a controvérsia discutida na presente oportunidade, o TRF4 já proferiu decisão favorável aos contribuintes nos autos da Apelação 5019596-19.2013.4.04.7100.
Diante do exposto no presente artigo, pode-se concluir que as empresas possuem fortes fundamentos jurídicos para pleitearem junto ao poder judiciário o reconhecimento do direito ao crédito de PIS e Cofins sobre os valores pagos a título de vale-transporte, bem como para requerer o creditamento extemporâneo dos valores despendidos nos últimos 5 anos.
1 A não-cumulatividade das contribuições incidentes sobre o faturamento na Constituição e nas leis, in Revista Dialética de Direito Tributário 111, p. 102. Citado no voto da Ministra Regina Helena Costa no julgamento do tema 779 dos Recursos Repetitivos (REsp 1221170/PR, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 22/02/2018, DJe 24/04/2018).
2 REsp 1221170/PR, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 22/02/2018, DJe 24/04/2018
3 REsp 1221170/PR, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 22/02/2018, DJe 24/04/2018
4 REsp 1221170/PR, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 22/02/2018, DJe 24/04/2018