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Vale a pena o Brasil ingressar na OCDE?

Estamos em um momento da inserção do Brasil, não mais como participante, convidado, ouvinte, mas como membro capaz de influir nas decisões, na concretização do desenvolvimento que exige: liberdades políticas, facilidades econômicas, oportunidades sociais, garantias de transparência e de segurança.

28/1/2022

(Imagem: Arte Migalhas)

A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), sediada em Paris, foi estabelecida em 14 de setembro de 1960, e entrou em vigor no dia 31 de setembro de 1961. Teve objetivo inicial substituir e ampliar a antiga Organização para a Cooperação Econômica Europeia (OCEE), estabelecida em 1948, com a função de viabilizar o Plano Marshall de recuperação econômica, após a Segunda Guerra Mundial. Nos seus primórdios, a instituição era formada, portanto, por países considerados desenvolvidos, com única exceção da Turquia. Nas décadas de 1960 e 1970, ocorre a primeira onda de inclusão de novos países. Passam a integrar a OCDE: Japão, Finlândia, Austrália e Nova Zelândia. Os países membros ainda eram, à época, todos considerados desenvolvidos. Era comum haver, naquele momento, certo antagonismo entre os países membros da OCDE, considerados ricos e, de outra parte, os que compunham o Grupo dos 77, agrupamento formado no seio da ONU, composto por países em desenvolvimento. Após a Queda do Muro de Berlim, em 1989, e o colapso do comunismo, diversos países do Leste Europeu, como Polônia, Tchecoslováquia e Hungria passam a integrar a OCDE, juntamente com o México, primeiro país latino americano a ingressar na instituição, e a Coreia do Sul. Com essa segunda onda de expansão, ocorrida na década de 1990, a OCDE deixa de ser uma organização, quase exclusivamente, composta por países desenvolvidos e o antagonismo entre a OCDE e o G77 perde muito de sua razão de ser. A terceira onda de expansão ocorre já no século atual, com a inclusão de países do leste europeu que são aceitos na União Europeia e aproveitam o processo de convergência para a organização europeia para também aderirem à OCDE. Entra também nesse momento o Chile, segundo país da região latino-americana a aceder à Organização. Nos dias atuais, portanto, a antiga denominação dada à OCDE de clube dos ricos perde muito sentido e, analogamente, a contraposição entre a OCDE e o G77.

A OCDE é hoje considerada uma das mais relevantes instituições internacionais dentre as que foram estabelecidas após a 2ª Guerra Mundial. Conforme disposto em sua Carta Constitutiva, no artigo 1, a Organização tem como objetivo o desenvolvimento de políticas que promovam: 1) crescimento econômico sustentável, empregos e padrões elevados de vida nos países membros, com a manutenção da estabilidade financeira e contribuição para o desenvolvimento da economia mundial; 2) expansão econômica dos membros e não membros em processo de desenvolvimento econômico; 3) expansão do comércio global a partir de estruturas multilaterais e não discriminatórias, de acordo com as regras internacionais. 

Para manutenção de sua estrutura, a OCDE conta com orçamento próprio, financiado por seus membros e calculado para um calendário bienal com base nos programas anteriores, dividido em Parte I e Parte II. A Parte I é a principal, mantida por contribuições nacionais realizadas por todos os membros, cujo valor total em 2017 foi de 200.1 milhões de euros. O valor da contribuição por membro é calculado seguindo dois critérios: o tamanho relativo de suas economias e uma proporção igualmente compartilhada entre os países membros. O principal contribuinte da Parte I são os Estados Unidos, com 20.6%, seguido por Japão 9,4% e Alemanha 7,4%. A Parte II é alimentada por contribuições voluntárias suplementares para o financiamento de programas específicos não custeados pelo orçamento principal da Parte I. Estima-se que a contribuição do Brasil ao Orçamento da OCDE, caso torne-se membro, corresponderá a uma porcentagem média entre 3,5 e 4%, ou seja, o equivalente a cerca de 15 milhões de euros. No entanto, os números não parecem mal. O México foi o primeiro país da América Latina a entrar para a OCDE, em 1994 e desde o ingresso houve um fortalecimento na fiscalização e implementação das políticas públicas do país. O mesmo aconteceu com o Chile em 2010 cuja taxa de desemprego caiu significativamente e Produto Interno Bruto (PIB) do país avançou de US$ 12,7 bilhões para US$ 13,3 bilhões em cinco anos no acordo. No mesmo passo o PIB do México saltou de US$ 5,6 trilhões em 1994 para US$ 9 trilhões em 2015. 

O pedido de ingresso foi formalizado no dia 29 maio de 2017 e a normatização que incorporou o acordo firmado em Paris, entre a República Federativa do Brasil e a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, em 3 de junho de 2015, foi o Decreto 10.109, de 7 de novembro de 2019.  Após, foi criada uma governança própria para o acompanhamento do processo com a criação de um Conselho Brasil-OCDE instituído por meio do Decreto 9.920, de 18 de julho de 2019, órgão colegiado de coordenação política e estratégica para a preparação para o processo de acessão do Brasil à OCDE e também para a coordenação da cooperação Brasil-OCDE até que a acessão fosse concluída.

O Brasil já é considerado um parceiro-chave junto a OCDE e fazer parte de seu grupo pode significar alçar a um patamar mais atrativo para  investimentos estrangeiros, porém, de certa forma, tiraria o país como protagonista entre os países subdesenvolvidos, assim como sua participação no BRICS (Brasil, Rússia, Índia e China) e no G77 mais a China, grupo de países em desenvolvimento. Sairíamos, em tese, da condição de "país em desenvolvimento", o que também poderá afetar nosso tratamento especial, junto a Organização Mundial do Comércio - OMC, com as normas gerais de preferências (SGP). Em moldes gerais, o chamado Sistema Geral de Preferência foi estabelecido com base na premissa de que medidas tarifárias preferenciais poderiam ajudar o mercado dos países em desenvolvimento a impulsionar o crescimento da indústria pelas exportações e na diversificação, mais fortemente ligada ao comércio de matérias primas. Existem outros dispositivos listados, como exemplos de tratamento diferenciado e favorável aos países em desenvolvimento, como o Acordo Antidumping, o Acordo sobre Subsídios e Medidas Compensatórias, O Acordo de Salvaguardas, o Acordo TBT, Acordo SPS e o Acordo para Agricultura, o Acordo sobre Aspectos Relacionados ao Comércio dos Direitos de Propriedade Intelectual (TRIPS). 

Historicamente, o Brasil é um país que faz parte de vários Sistema de Preferências Generalizadas. De acordo com dados colhidos em 2020, o país se beneficia do SGP da Austrália, da Comunidade Econômica da Eurásia, formada pela República de Bielorrússia, República do Cazaquistão e Federação da Rússia, Estados Unidos, Noruega e Nova Zelândia e Suíça. Com a Austrália o Brasil tem um total de 803 produtos beneficiados pelo SGP, contando com alíquotas preferenciais de zero, 4% ou 5%. Dos 803 produtos elegíveis para o Brasil, 118 são agrícolas e 685 industriais. Desse universo, 189 contam com tarifa zero. No caso do Japão a lista brasileira contava com 3.478 produtos elegíveis com tarifa preferencial, em alguns casos, com desconto de 100% da tarifa de importação, porém o Brasil deixou de fazer parte do SGP japonês, face a decisão do Governo de graduar países considerados; - aqueles com renda per capita entre US$ 4,126 e US$ 12,735 na classificação do Banco Mundial - e que sejam responsáveis por mais de 1% do comércio mundial por um período de três anos consecutivos. 

O tratamento diferenciado e especial é um importante impulsionador do comércio mundial e coloca em posição mais equânime os players, bem como pode influir sobremaneira na redução da pobreza dos países, e parte  da autodeclaração do país, porém,  o outro país tem autonomia na adoção de critérios para estabelecer o seu próprio SGP. ANABEL GONZÁLEZ em artigo publicado no Peterson Institute for International Economics  afirma que uma solução para melhorar esse sistema seria limitar a prática de autodeclaração dos países em desenvolvimento, reduzindo a divisão entre países desenvolvidos e em desenvolvimento nas negociações da OMC. Cita, como exemplo, proposta dos Estados Unidos de que os membros aderentes da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) não podem invocar a opção de autodeclaração, o mesmo se aplicando aos membros do Grupo dos 20 (G-20),  bem como os países de “alta renda”, de acordo com a definição do Banco Mundial, ou países que respondem por 0,5 por cento, ou mais, do comércio global de mercadorias. Mais de 30 países se enquadram em pelo menos uma dessas categorias, inclusive o Brasil.

Por outro lado, em uma outra visão, lançada por Macrory, Appleton e Plummer (2005, pp.363-364) nem todos acreditam que o tratamento especial e diferenciado é a política correta para facilitar a integração dos países em desenvolvimento e dos países menos desenvolvidos, dentro do sistema comercial multilateral. Segundo esses críticos, essa permanente insistência desses países em tratamento especial e diferenciado acaba por colocar esses mesmos países na marginalização da economia global, por não entrarem de igual por igual nas negociações. Os autores não descartam o crescimento econômico alcançado, ao longo dos anos, pelos países que conseguiram combinar as oportunidades oferecidas pelos mercados mundiais,  com uma estratégia de crescimento. Mas destacam que, se  o tratamento especial e diferenciado é feito com prazo determinado, será mais  eficaz para  busca bem-sucedida da integração dos países menos desenvolvidos no sistema multilateral de comércio. Todos os que estão na fila para ingressar na OCDE  podem ser considerados países em desenvolvimento. Assim, esse critério acaba por dar margem a benefícios contestáveis, pois existem diversas formas de se apurar o desenvolvimento. Porém, mesmo que o Brasil não lançasse mão de sua condição de país em desenvolvimento, para ingresso na OCDE, isso não importa em manter tal status. O próprio Estados Unidos já fez, por diversas vezes, restrições em seu SGP, reduzindo as benesses concedidas ao nosso país.

A verdade é que,  nada que não seja consensual, e em prol do bem comum, pode ser descartado neste momento, pois o desenvolvimento do comércio, de economias emergentes como o Brasil, não se baseiam somente no desenvolvimento econômico do próprio beneficiário, mas também são lastreadas no desenvolvimento sustentável global, o que, em tempos de pandemia, com restrições internacionais, são essenciais. Há que se reconhecer que o comércio serviu para impulsionar novas atividades, pois apesar da retração da atividade econômica global, redirecionou para um salto tecnológico que demoraria anos para acontecer. Depois das guerras, a reconstrução agora se faz sem que antes houvesse a destruição de pontes, estradas, praças e edifícios, mas com a destruição de empregos e a necessidade de readaptação a novas oportunidades para a economia e o desenvolvimento global.

O Ministério da Economia  lançou em dezembro de 2020 o Relatório Brasil para OCDE e conjunto com o Survey sobre a sondagem econômica da OCDE. Dentre as principais recomendações estão: Melhorar as políticas macroeconômicas, a governança e a proteção social: (i) manter as taxas de juros baixas até que as pressões inflacionárias se tornem claramente visíveis; (ii) aplicar nomeações por prazo determinado para o presidente e os diretores do Banco Central e limitar a demissão antecipada a falta grave. Salvaguardar a autonomia orçamentária do Banco Central; (iii) Garantir a sustentabilidade fiscal aderindo às regras fiscais atuais, incluindo o teto de gastos; (iv) fortalecer a eficiência dos gastos revisando as estruturas de remuneração dos funcionários públicos, os subsídios ineficazes, os regimes fiscais especiais e os gastos tributários; (v) reduzir a rigidez do orçamento revisando a vinculação de receitas, os pisos de gastos obrigatórios e os mecanismos de indexação. (vi) Indexar os benefícios da previdência social aos preços ao consumidor, e não ao salário mínimo; (vi) aumentar os benefícios e acelerar as concessões de benefícios no programa Bolsa Família. Retirar os benefícios apenas gradualmente; (vii) considerar criar a base legal para a execução de sentenças a partir da segunda instância de recurso ou limitar o número de recursos, inclusive para o Supremo Tribunal Federal. (viii) Implementar uma lei específica de proteção a denunciantes. Tornar o crescimento mais verde e sustentável: (i) tomando como base os sucessos do passado no combate ao desmatamento ilegal, fortalecer os esforços de fiscalização para combater o desmatamento ilegal e garantir pessoal e orçamento adequados para as agências de fiscalização ambiental; (ii) evitar o enfraquecimento do atual marco legal de proteção, incluindo áreas protegidas, o código florestal e enfocar o uso sustentável do potencial econômico da Amazônia. Aumentar a produtividade: (i) Simplificar ainda mais os procedimentos administrativos para abrir uma empresa e aplicar a regra “silêncio significa consentimento” e as janelas únicas para todos os pedidos de licenças sempre que possível. (ii) reduzir as barreiras tarifárias e não tarifárias, começando com bens de capital e insumos intermediários; (iii) consolidar os impostos sobre o consumo em um único imposto sobre valor agregado; (iv) garantir o alinhamento das decisões judiciais com as decisões de precedência dos tribunais superiores, vinculando as promoções e salários dos juízes ao cumprimento dessas regras; (v) melhorar as habilidades, a educação e a capacitação profissiona; (vi) continuar ampliando o acesso à educação infantil, priorizando o acesso a famílias de baixa renda e mães solteiras; (vi) ampliar recursos para cursos de capacitação profissional, mas garantir seu alinhamento com as necessidades do mercado de trabalho local.

São medidas que direta, ou indiretamente, atuarão no crescimento do país que pressupõem impactos a médio e longo prazo. No entanto, com a velocidade que se passam as modificações atualmente, esse conjunto de medidas servem não só para nosso eventual compromisso com a OCDE, mas como uma diretriz seguida para a própria retomada do desenvolvimento. Desenvolvimento que inclui, como dito, a diversificação inclusive para o ingresso de capital estrangeiro no país, de forma sustentável. No Plano Anual de Financiamento do Governo Federal de 2021, já fazia parte das obrigações, a ampliação em boas práticas à governança ambiental, social e corporativa (environment, social and governance – ESG), para atração de investimento estrangeiro (IED), como adoção das boas práticas lançadas pela OCDE.

Portanto, estamos em um momento da inserção do Brasil, não mais como participante, convidado, ouvinte, mas como membro capaz de influir nas decisões, na concretização do desenvolvimento que exige: liberdades políticas, facilidades econômicas, oportunidades sociais, garantias de transparência e de segurança.

Nos dizeres colhidos e Yuaval Noah Harari:" ...a humanidade dispõe do conhecimento e dos instrumentos de prevenção; se mesmo assim uma epidemia sai do controle, isso se deve mais à incompetência humana do que a ira divina." Portanto, se sucumbimos a pandemia em pleno século XXI, o que para o historiador seria ligado a incompetência humana, ao menos podemos diminuir os impactos da mesma, com o fortalecimento de instituições como a OMC, a OCDE e esperar uma visão desenvolvimentista e solidária dos países desenvolvidos.

Assim, vale a pena, nosso ingresso na OCDE!

Vanessa Cerqueira Reis de Carvalho
Sócia do escritório Medina Osório Advogados. Doutoranda em Direito Financeiro e Econômico Global pela Universidade de Lisboa. Procuradora do Estado do Rio de Janeiro.

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