Uma análise às alterações no Fundeb - Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação, com seu novo modelo, instituído pela EC 108/20, e regulamentado pela lei 14.113/20.
Ab initio, para que possamos entender a problematização criada pela nova lei, faz-se necessário esclarecermos o intuito da EC 108/20, seus interessados e a definição dada ao rateio de valores sobressalentes. De acordo com a citada EC com grifo nosso, esta possui a seguinte fundamentação:
“Altera a Constituição Federal para estabelecer critérios de distribuição da cota municipal do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (ICMS), para disciplinar a disponibilização de dados contábeis pelos entes federados, para tratar do planejamento na ordem social e para dispor sobre o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb); altera o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias; e dá outras providências.”
Nesta seara aduz o art. 158 da CF/88 com as devidas alterações e grifo nosso:
“Art. 158. Pertencem aos Municípios:
I - o produto da arrecadação do imposto da União sobre renda e proventos de qualquer natureza, incidente na fonte, sobre rendimentos pagos, a qualquer título, por eles, suas autarquias e pelas fundações que instituírem e mantiverem;
II - (Revogado)
II - cinquenta por cento do produto da arrecadação do imposto da União sobre a propriedade territorial rural, relativamente aos imóveis neles situados, cabendo a totalidade na hipótese da opção a que se refere o art. 153, § 4º, III; (redação dada pela EC 42/03) (Regulamento)
III - cinqüenta por cento do produto da arrecadação do imposto do Estado sobre a propriedade de veículos automotores licenciados em seus territórios;
IV - vinte e cinco por cento do produto da arrecadação do imposto do Estado sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação.
Parágrafo único. As parcelas de receita pertencentes aos Municípios, mencionadas no inciso IV, serão creditadas conforme os seguintes critérios:
I - (Revogado)
I - 65% (sessenta e cinco por cento), no mínimo, na proporção do valor adicionado nas operações relativas à circulação de mercadorias e nas prestações de serviços, realizadas em seus territórios; (Redação dada pela Emenda Constitucional 108/20)
II - (Revogado)
II - até 35% (trinta e cinco por cento), de acordo com o que dispuser lei estadual, observada, obrigatoriamente, a distribuição de, no mínimo, 10 (dez) pontos percentuais com base em indicadores de melhoria nos resultados de aprendizagem e de aumento da equidade, considerado o nível socioeconômico dos educandos. (Redação dada pela EC 108/20)”
Pela redação apresentada, entende-se que o percentual de repasse de ICMS aos municípios conforme o VAF - valor adicionado fiscal foi reduzido de 75% para 65%, repassando esses 10% destacados para a distribuição "com base em indicadores de melhoria nos resultados de aprendizagem e de aumento da equidade, considerado o nível socioeconômico dos educandos". Assim, a partir da presente EC 108/20, passa a ser obrigatória a distribuição de receita de ICMS conforme critérios educacionais, que devem ser utilizados e caso exista saldo remanescente rateado entre os profissionais da educação.
O art. 5º da Declaração de Viena de 1993 declara que todos os direitos humanos são "universais, indivisíveis, interdependentes e inter-relacionados". O novo texto da partilha de ICMS configura reconhecimento constitucional da interdependência entre distribuição de renda e a qualidade do ensino. Em geral, estudos empíricos indicam que quanto maior é a pobreza, maior é a probabilidade de insucesso escolar. (FREITAS, Luiz Carlos de. Três teses sobre as reformas empresariais da educação: perdendo a ingenuidade. Cad. Cedes, v. 36, n. 99, 2016, p. 148. Pesquisas de economia aplicada à educação confirmam o efeito positivo de políticas de distribuição de renda, como o bolsa-família, no desempenho dos alunos na educação básica: houve aumento das matrículas escolares, diminuição da taxa de evasão escolar e maiores índices de aprovação. Fonte: GLEWWE, Paul; KASSOUF, Ana Lúcia. O impacto do programa bolsa família no total de matrículas do ensino fundamental, taxas de abandono e aprovação. Anais do Encontro Nacional de Economia, v. 36, 2008, p. 15.).
O Fundef (lei 9.424/96) destinava 60% dos seus recursos para pagamento de salários de profissionais já o Fundeb, em sua fase provisória (lei 11.494/07), manteve essa regra até o ano passado, quando entrou em vigor a regulamentação permanente do fundo (lei 14.113/20), que ampliou o percentual para 70%. De acordo com as novas regras os estados e municípios definirão em leis específicas os percentuais e critérios para a divisão do rateio entre os profissionais beneficiados.
Porém, independentemente da análise técnica acerca dos parâmetros para repasse de tais valores, o que os municípios deveriam fazer com as sobras do arrecadado e não destinado ao fim especificado pela EC em seu parágrafo único?
A resposta adveio com as leis 14.113/20 e sua alteradora 14.276/21: um rateio aos profissionais da educação básica. O valor rateado é o saldo financeiro restante depois de deduzidas todas as despesas com o pagamento de pessoal, cuja aplicação mínima deve ser de 70%.
Ainda em relação às sobras da subvinculação mínima de 70% do Fundo da Educação Básica aduz o novo § 2º do art. 26 da lei de regulamentação do FUNDEB:
"§ 2º Os recursos oriundos do Fundeb, para atingir o mínimo de 70% (setenta por cento) dos recursos anuais totais dos Fundos destinados ao pagamento, em cada rede de ensino, da remuneração dos profissionais da educação básica em efetivo exercício, poderão ser aplicados para reajuste salarial sob a forma de bonificação, abono, aumento de salário, atualização ou correção salarial.” (NR)
Ocorre que a lei 14.113/20 definia os profissionais da educação básica em efetivo exercício da profissão como carecedores do direito ao rateio das sobras do fundo; regra esta alterada conforme a lei 14.276/21, que incluiu além dos profissionais do magistério (professor, diretor e pedagogo), os profissionais de apoio técnico, administrativo ou operacional em efetivo exercício nas redes de educação básica. Assim, todos os profissionais envolvidos na educação básica, teriam direito ao rateio dos excedentes do FUNDEB 70%.
Além disso, o projeto de lei apresentado pela deputada professora Dorinha Seabra Rezende, do Democratas do Tocantins, foi sancionado alterando de 2021 para 2023 a data para rever os critérios de distribuição do dinheiro para regiões e etapas do ensino que necessitam de mais apoio para superar desigualdades. Como se não bastasse, o direito a persecução de rateio foi abrangido para além da categoria do magistério, de acordo com o site do Senado Federal:
“O texto original do Fundeb estabelecia que apenas professores e coordenadores pedagógicos fariam parte da categoria de educadores contemplados com a vinculação dos recursos destinados à valorização dos profissionais da educação. O texto da deputada Dorinha incorpora todos os profissionais do magistério: de apoio técnico, operacional e administrativo. Portanto também não há o que discutir: é necessário para que os prefeitos possam se utilizar desses recursos para pagamento dos salários dos profissionais da educação.”1
Desta forma, não só os profissionais do magistério teriam direito ao rateio em caso de sobra dos valores do Fundeb, sendo englobados todos os profissionais da educação básica direta e. Outra novidade da lei que modifica as regulamentações do Fundeb é a permissão para psicólogos e assistentes sociais que atuam na rede pública de educação básica serem remunerados com os recursos dos 30% do fundo não vinculados aos salários dos profissionais da educação.
Alguns gestores têm questionado o rateio do Fundeb justificando que o ato contraria o art. 8º, I da LC 173/20, porém, mesmo antes da sanção da lei 14.276/21, vários Tribunas de Contas dos Estados e de Municípios já haviam manifestado concordância com o rateio, uma vez que a subvinculação do Fundeb é disposição Constitucional (norma superior a LC 173) e requer cumprimento anual.
Outra interpretação polêmica refere-se à vigência da nova lei e seus efeitos concretos em sua retroatividade. Algumas entidades de gestores têm defendido que o novo § 2º do art. 26 (acima transcrito) retroagiria à data de início da vigência do Fundeb permanente (1º de abril de 2021) ou mesmo até 1º de janeiro de 2021. Com isso, poderiam acrescentar aos 70% da subvinculação (com efeitos retroativos) todos os profissionais que não são da educação, mas que foram admitidos INADVERTIDAMENTE na rubrica destinada à valorização dos profissionais da educação.
Segundo nota pública emitida pela CNTE - Confederação Nacional dos trabalhadores em educação, a lei não retroagirá e seu fato gerador deverá ser o momento da divisão das sobras, senão vejamos:
“Sobre a vigência da lei 14.276/21, a CNTE entende o seguinte: i) o art. 2º tornou a norma vigente a partir de 27.12.2021, com uma única referência a efeitos retroativos, disposta no art. 53. Nenhum outro dispositivo conta com autorização parlamentar para aplicação pretérita; e ii) a Lei de Introdução ao CC/02 (decreto-lei 4657/1942), em seu art. 6º, resguarda os atos jurídicos perfeitos da lei anterior.
Quanto aos profissionais detentores do direito ao rateio – e para evitar contabilidade criativa com os recursos do FUNDEB já executados e auditados pelos órgãos de controle e pelos Conselhos de Acompanhamento e Controle Social –, a CNTE defende a destinação proporcional dos recursos entre os profissionais da educação reconhecidos pelo art. 61 da LDB (redação originária da lei 14.113/20) até 26/12/21, podendo, a partir desta data, serem contabilizados os demais profissionais que até então não integravam a subvinculação. Esse mecanismo abrange também psicólogos e assistentes sociais, que até então integravam a subvinculação do FUNDEB e que agora estão na rubrica dos 30% do Fundo.”2
Ainda sobre o tema definiu o FNDE - Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação em ofício-circular 5/22 pela não retroatividade da norma, senão vejamos:
"A norma analisada não se refere a condutas passadas, não atingindo os efeitos de atos jurídicos praticados sob o império da norma anterior. Entende-se, portanto, que a alteração do rol de profissionais que poderão auferir proporção não inferior a 70% possui efeito "ex nunc". (...) Por lógica, somente deve ocorrer pagamento de rateio ao novo público nas parcelas que sucederem à publicação da lei 14.276/21."
Por fim e não menos importante, incluiu ainda o Congresso Nacional na base para recebimento de repasses e rateio os profissionais do sistema “s” e que “cumpre reiterar que a CNTE ingressará nos próximos dias com ação direta de inconstitucionalidade contra a lei 14.276/21, sobretudo em relação a extensão dos profissionais abarcados na subvinculação de 70% do FUNDEB. A entidade entende que a lei 14.276/21, assim como a anterior (14.113/20), extrapolou os limites da EC 108, que destinou parte dos recursos do Fundo exclusivamente para a valorização dos profissionais da educação. O repasse de recursos do FUNDEB para entidades do sistema S também contraria norma constitucional (art. 213, CF) e deverá ser questionada pela CNTE”.3
Nesta seara, cumprindo a função do presente artigo, em suma, as alterações advindas da lei 14.276/21 trouxeram os seguintes pontos importantes para os servidores da educação básica:
- 1. Prazo – passa de 2021 a 2023 o prazo para alterar a regulamentação da distribuição de recursos do fundo. A ideia é evitar que a disputa eleitoral do ano que vem contamine o debate.
- 2. Profissionais de educação – explicita na lei quais são as categorias que podem ter salários pagos com os cerca de 70% do fundo destinados a vencimentos desses profissionais, bem como os rateios das sobras.
- 3. Irretroatividade da lei, sendo vedado aos servidores não englobados pela lei anterior o requerimento de rateios já realizados.
Entende, assim este autor, que o rateio realizado com as sobras de valores destinados ao Fundeb, de acordo com a lei deve ser rateado entre todos os empregados direitos e indiretos da educação básica, cabendo ao município definir as regras para tal, não retrocedendo e englobando profissionais do sistema “s” até julgamento da ação direta de inconstitucionalidade proposta pela CNTE - Confederação Nacional dos trabalhadores em educação.
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1 Disponível aqui.
2 Disponível aqui.
3 Disponível aqui.