A lei 14.230/21, que fez alterações na lei de Improbidade Administrativa, retirou as entidades da Administração Pública como legitimadas para ajuizar ações para responsabilização por ato de improbidade administrativa. Desde a publicação da lei, essas ações só podem ser propostas pelo Ministério Público. Estabeleceu-se o prazo de um ano para o MP manifestar interesse em assumir as ações em curso ajuizadas pela Fazenda Pública. Sem essa providência, o processo será extinto.
A Associação Nacional dos Procuradores dos Estados e do Distrito Federal (Anape) ajuizou ação direta de inconstitucionalidade contra essa disposição (ADI 7042). O relator é o Ministro Alexandre de Moraes.
A exclusão da União, Estados, Distrito Federal, Municípios e dos órgãos da administração indireta como parte legítima para propositura da ação foi um dos pontos mais polêmicos da lei. Por isso, a submissão do tema ao STF já era prevista.
Análise
De partida, é duvidosa a legitimidade da Anape para propor ADI contra esta lei diante da ausência de pertinência temática, já que o objeto da ação não trata de prerrogativas da advocacia pública ou de tema de interesse da categoria profissional. Nos termos do art. 132 da Constituição Federal, os procuradores exercem a representação judicial e a consultoria jurídica das unidades federadas. Nunca existiu um direito autônomo das Procuradorias para ajuizar ação de improbidade.
De qualquer forma, a lei 14.230/21 não trouxe nenhum prejuízo para os interesses das entidades da Administração Pública e nem tampouco houve retrocesso social.
O objetivo da alteração da lei de Improbidade Administrativa (LIA) foi enfatizar sua natureza sancionatória (o que se constata pela inclusão do art. 17-D). Dentro desse propósito, é adequada a limitação da legitimidade ativa à instituição constitucionalmente incumbida à defesa dos interesses sociais (art. 127 da CF). E não há nenhum impedimento constitucional para isto.
A lei não impede os entes da Administração Pública em ajuizar ações destinadas à reparação de danos sofridos. Pode fazer mediante o ajuizamento de ação civil pública (art. 1º, VII, e art. 5º, III e IV, da lei 7.347/85) ou por ação indenizatória de rito comum. Não há necessidade de ajuizamento de ação com base na LIA para pleitear reparação ao erário.
A possibilidade de celebrar acordo de não persecução cível pelo Ministério Público também não prejudica o ente federativo lesado, pois a própria lei estabelece a obrigatória oitiva do ente como condição para a celebração do acordo (art. 17-B, § 1º, I). Mesmo vislumbrando um possível acordo sem a concordância do ente e que não garanta a adequada reparação do prejuízo, nada impedirá que este ajuíze uma ação para que o dano seja integralmente ressarcido.
Sob o aspecto sancionatório, os entes da Administração Pública permanecem legitimados a aplicar sanções disciplinares a seus agentes. Quanto aos particulares, há possibilidade de aplicação da lei anticorrupção ou de outras leis que autorizam a aplicação de penalidades, como, por exemplo, a lei de licitações.
Não se pode esquecer que o ente pode – e deve – representar o Ministério Público quando tiver ciência de possível ato de improbidade, como está expressamente previsto na nova redação do art. 7º da LIA.
Futuro
A opção do legislador em estabelecer exclusividade para a propositura da ação ao Ministério Público é legítima, estabelece maior racionalidade para aplicação das sanções por improbidade, não prejudica os interesses das entidades estatais e não viola a Constituição Federal.
Diante do pedido de medida cautelar formulada pela Anape, o Min. Alexandre de Moraes determinou a adoção do rito especial do art. 12 da lei 9.868/99. Um pronunciamento célere do STF conferirá segurança jurídica às ações em trâmite, evitando que esse debate ocorra nas instâncias inferiores mediante controle difuso de constitucionalidade e traga obstáculos desnecessários às ações em curso.
O combate à improbidade administrativa está bem preservado com a restrição da propositura de ações ao Ministério Público, que poderá assumir o polo ativo das ações já ajuizadas. Espera-se que o STF reforce a constitucionalidade da nova redação do art. 17 da lei 8.429/92.