Migalhas de Peso

Anti-suit injunctions no direito brasileiro

Considerações sobre a utilização de anti-suit injunctions no direito brasileiro a partir da jurisprudência do STJ.

24/1/2022

(Imagem: Arte Migalhas)

Relacionadas geralmente ao processo arbitral, as ordens anti-processo (anti-suit injunctions), em linhas gerais, são ordens para que a parte se abstenha de iniciar ou prosseguir com determinado processo, sendo normalmente voltadas contra a arbitragem.

As anti-suit injunctions são originárias do common law, contudo, nos últimos anos também passaram a ser aplicadas em jurisdições de inspiração civilista. No Brasil, as anti-suit injunctions ainda são um tema controvertido, seja pela dificuldade de conciliação do instituto diante das diferenças entre ambos os sistemas, seja pela interpretação restritiva da liberdade contratual (art. 421 do CC), frente a uma leitura ampliativa da garantia constitucional do acesso à justiça (art. 5º, XXXV da CF/88).

Maior controvérsia ainda reside quando a administração pública, direta ou indireta, é parte sujeita ao procedimento arbitral. Com a edição da lei 13.129/15, restou expressamente autorizado que “a administração pública direta e indireta poderá utilizar-se da arbitragem para dirimir conflitos relativos a direitos patrimoniais disponíveis”.

Com o aumento da participação da administração pública em procedimentos arbitrais, é provável que o tema ganhe maior relevância. Prova disso são as decisões proferidas pelo STJ nos CCs - Conflitos de Competência 151.130 e 177.437.

No CC 151.130, a controvérsia cingia-se entre o procedimento arbitral deflagrado pela American International Group Inc Retirement Plan e outros em face da União perante a CAM-Bovespa - Câmara de Arbitragem do Mercado, onde se buscava o ressarcimento por prejuízos decorrentes da desvalorização dos ativos da Petrobras S.A. listado na bolsa de valores de Nova Iorque, em razão dos desgastes oriundos da Operação Lava Jato e a ação declaratória proposta pela União perante a 13ª vara Cível da Seção Judiciária do Estado de São Paulo, para se ver desobrigada de participar do procedimento arbitral.

Por sua vez, o CC 177.437 tratava do procedimento arbitral iniciado pela Fundação Movimento Universitário de Desenvolvimento Econômico e Social contra a União, o qual buscava a reparação dos danos causados à Petrobras S.A. por atos de abuso de poder de controle  e a ação declaratória ajuizada pela União perante o juízo da 22ª vara Cível de São Paulo, que buscava a declaração de inexistência de relação jurídica para sujeitar a União à observância da cláusula compromissória prevista no estatuto da Petrobras S.A.

Em ambos os casos, o STJ concedeu uma ordem anti-processo onde reconheceu a competência do juízo estatal em detrimento à arbitragem, por entender que a União não estava obrigada a se vincular ao processo arbitral, pois a cláusula compromissória prevista no estatuto da Petrobras S.A. não lhe é vinculante, diante da ausência de arbitrabilidade subjetiva. Em outras palavras, a União não havia manifestado expresso e específico consentimento com relação à cláusula compromissória.

Os casos acima citados são exemplos práticos de utilização de anti-suti injunctions no direito brasileiro. Contudo, mais do que isso, tratam-se de importantes decisões para compreender a posição da jurisprudência quanto os contornos e limites das ordens anti-processo.

Nada obstante o STJ, nestes casos específicos, ter afastado a jurisdição arbitral, a Corte ressaltou que tais decisões se tratam de exceção ao princípio da competência-competência.

Pelo princípio da competência-competência (kompetenz-kompetenz), tem-se que o árbitro é competente para decidir sobre a própria competência1. 

Em regra, portanto, compete ao árbitro decidir se a cláusula compromissória ou compromisso arbitral são válidos e eficazes, definindo a própria competência para conhecer da arbitragem.

A exceção destacada pelo STJ, ocorre quando reconhecida “hipótese ostensivamente aberrante” de ilegalidade da cláusula arbitral. Assim, para a jurisprudência do STJ, o juízo estatal está autorizado a se manifestar de forma precedente ao juízo arbitral, quanto à validade, extensão e eficácia da cláusula arbitral, somente quando for possível reconhecer, prima facie, a ilegalidade da cláusula pactuada.

Em outros termos, reconhecida a gritante ilegalidade da cláusula arbitral, poderia ser concedida uma ordem anti-processo (anti-suit injunction) para determinar que a parte se abstenha de iniciar ou mesmo prosseguir com o procedimento arbitral.

De outro lado, pode se cogitar ainda da possibilidade da concessão de uma anti-suit injunction para obrigar que a parte se submeta ao procedimento arbitral. Ou seja, a ordem anti-processo seria proferida para que a parte se abstenha de recorrer ao juízo estatal.

Tal medida representa uma maior limitação da garantia prevista no art. 5º, XXXV da CF/88, e, por tal motivo, pode encontrar maior resistência.

As ant-suit injunctions para que determinada parte não recorra ao juízo estatal, ou se  abstenha de iniciar ou prosseguir na arbitragem, ganha maiores contornos quando analisada sob a ótica do direito internacional. Nestes casos, as partes geralmente estipulam a arbitragem em um Estado estrangeiro, entretanto, judicializam a questão em território nacional.

Em tais situações, é necessário perquiri até que ponto a jurisdição de um Estado pode ser limitada por uma ordem judicial de um Estado estrangeiro, o que, todavia, não afasta o risco de tramitação paralela da mesma ação em Estados diferentes.

Como se percebe, a matéria atinente as anti-suit injunctions carece de maiores definições, seja no direito brasileiro, ou mesmo no direito internacional. A jurisprudência do STJ tem traçado alguns critérios específicos para sua aplicação, porém o assunto ainda apresenta lacunas que demandarão esforço da doutrina pátria e internacional.

_____

1 […] 1. A jurisprudência desta Corte, com fundamento no princípio da competência-competência, orienta que a discussão relativa à validade, eficácia e extensão da cláusula compromissória deve, em regra, ser submetida, em primeiro lugar, ao próprio árbitro. Precedentes. [...]. (AgInt no AREsp 1.372.134/SP, Relatora ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 22/3/21, DJe 25/3/21).

Marcelo Kosenhoski
Pós-graduando em Compliance e Integridade Corporativa - PUC Minas | Pós-graduado em Direito Empresarial - Fundação Getúlio Vargas

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