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Sequestro internacional de crianças e a insegurança jurídica causada pela lentidão do estado brasileiro

O Brasil é signatário da Convenção de Haia há décadas e, vergonhosamente, com dificuldade a cumpre. Além disso, quando o faz demora tanto que causa danos irreparáveis aos envolvidos.

24/1/2022

(Imagem: Arte Migalhas)

A problemática da retenção ilícita de crianças em outro país é objeto da Convenção sobre os Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Crianças, também conhecida como Convenção de Haia. 

Geralmente, o sequestro é perpetrado por um dos pais ou parentes próximos e revela um estado de beligerância entre os cônjuges ou seus familiares na disputa pela custódia da criança. A atitude do “sequestrador” consiste em tirar o menor do seu ambiente e levá-lo para outro país, onde acredita poder obter uma situação de fato ou de direito que atenda melhor aos seus interesses. 

A Convenção objetiva proteger a criança, no plano internacional, dos efeitos prejudiciais resultantes de mudança de domicílio ou de retenção ilícitas, estabelecer procedimentos que garantam o retorno imediato da criança ao Estado de sua residência habitual e assegurar a proteção do direito de visita. Neste sentido estabelece o art. 1º:

Artigo 1º - A presente Convenção tem por objetivo: 

a) assegurar o retorno imediato de crianças ilicitamente transferidas para qualquer Estado Contratante ou nele retidas indevidamente; 

b) fazer respeitar de maneira efetiva nos outros Estados Contratantes os direitos de guarda e de visita existentes num Estado Contratante. 

Dessa forma, a Convenção lida, na realidade, com dois grandes objetivos: o retorno da criança; e o respeito ao direito de guarda e de visita. Mas, na prática, o que prevalece na Convenção é o desejo de “garantir o restabelecimento da situação alterada pela ação do sequestrador”. Desse modo, pode-se afirmar que o retorno da criança é a principal providência a ser considerada pelas Autoridades requisitadas. 

Isso porque, após inúmeras discussões, os Estados-partes chegaram à conclusão de que, diante do número crescente de casos - principalmente de pais que se separavam e quando um deles levava consigo a criança para outro Estado – provavelmente, para fugir da legislação do Estado de origem, a medida que atenderia de fato aos interesses da criança seria retorná-la ao seu ambiente de origem, ao país da sua residência habitual, juízo natural onde supostamente melhor se discutiriam as questões referentes à guarda.

Vejam que o núcleo central da Convenção é o artigo 3º, que assim enuncia:

Artigo 3º - A transferência ou a retenção de uma criança é considerada ilícita quando: 

a) tenha havido violação a direito de guarda atribuído a pessoa ou a instituição ou a qualquer outro organismo, individual ou conjuntamente, pela lei do Estado onde a criança tivesse sua residência habitual imediatamente antes de sua transferência ou da sua retenção; e 

b) esse direito estivesse sendo exercido de maneira efetiva, individual ou em conjuntamente, no momento da transferência ou da retenção, ou devesse está-lo sendo se tais acontecimentos não tivessem ocorrido. 

O direito de guarda referido na alínea a) pode resultar de uma atribuição de pleno direito, de uma decisão judicial ou administrativa ou de um acordo vigente segundo o direito desse Estado. 

Para alcançar o conceito de 'residência habitual' extraído da Convenção, há que se verificar o que diz nossa legislação. O atual Código Civil brasileiro, mantendo a mesma redação do Código de 1916, optou pelo conceito de domicílio como o local irradiador dos direitos relativos ao Estado e à personalidade e definiu-o como o lugar em que a pessoa natural estabelece a sua residência com ânimo definitivo (art.70).

Não colide, desse modo, a Convenção de 1980 com a legislação brasileira, especialmente o art. 7º da lei de Introdução ao Direito Brasileiro, que dispõe: “A lei do país em que domiciliada a pessoa determina as regras sobre o começo e o fim da personalidade, o nome, a capacidade e os direitos de família”. Apenas fixou a Convenção um critério menos rígido do que a lei brasileira. De forma suscinta, a residência habitual corresponde ao país em que a criança costumeiramente residia antes da retenção ilícita e em relação a que se delimitam os temas sobre os direitos de guarda e visita. 

De outro giro, para combater o pedido de devolução da criança, a parte adversa pode alegar que o caso se encaixa nas exceções previstas no artigo 13 da Convenção, ou seja, grave risco de exposição a dano físico e psicológico, por eventuais perturbações no país de origem, e atingimento de grau de maturidade do menor. A parte precisa provar tais situações.

E mais, o genitor prejudicado precisa fazer o pedido de repatriação antes de 1 ano entre a data da retenção indevida da menor e o início do processo nos termos do caput artigo 12 da Convenção:

Artigo 12 - Quando uma criança tiver sido ilicitamente transferida ou retida nos termos do Artigo 3 e tenha decorrido um período de menos de 1 ano entre a data da transferência ou da retenção indevidas e a data do início do processo perante a Autoridade judicial ou administrativa do Estado Contratante onde a criança se encontrar, a Autoridade respectiva deverá ordenar o retorno imediato da criança.

Ocorre que é de praxe nos casos em que os requisitos legais restam patentes e nenhuma exceção é comprovada que haja procedência do pedido inicial.=

Entretanto, entre os inúmeros recursos e a morosidade do Judiciário costumam passar anos a fio e a parte, que até então tinha uma sentença a seu favor, passa a contar com a sorte ou quiçá com uma certa fé de que um dia verá a legislação cumprida.

Não é incomum que a justiça demore tanto para se fazer presente que os tribunais superiores entendam que a criança se deu por adaptada e neguem a repatriação.

Diante disso, cumpre lhes questionar a validade da signatura a uma Convenção Internacional que o Brasil não tem condições de cumprir, porque seu Judiciário não trata com a devida celeridade os casos de sequestro de crianças.

Janaina Mathias Guilherme
Advogada formada pela Universidade de Uberaba, especialista em Direito Civil e Processual Civil e em Direito Processual Penal pela Universidade Federal de Goiás, sócia da banca Janaina Mathias Guilherme Assessoria e Consultoria Jurídica.

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