É evidente que a internet facilitou a realização da comercialização de produtos e a contratação de serviços. Ainda com o contexto de combate ao Covid-19, que tornou importante o distanciamento social, a continuidade dos negócios demandou soluções remotas que fossem capazes de garantir a segurança jurídica nos contratos firmados eletronicamente, como para os instrumentos refereridos a locação de imóveis, contratação de serviços, abertura de conta em bancos, aquisição de eletrodomésticos e outros diversos.
De acordo com a NeoTrust, em 2020, foram realizadas 301 milhões de compras por brasileiros via online, uma alta de 68,5% em comparação com 2019. Consequentemente, o faturamento também cresceu significativamente: a receita gerada foi de 126,3 bilhões de reais, um aumento de 68,1% em relação a 2019.1
O comércio eletrônico pode ser benéfico tanto para fornecedores quanto para os consumidores, quando realizado de forma adequada e legítima. Além da agilidade, oferece comodidade, pois o consumidor pode realizar negócios de sua própria casa, pesquisando em diversos sites o preço e comparativos sobre os produtos.
O comércio eletrônico caracteriza-se pelas operações comerciais que se desenvolvem por meios eletrônicos ou informáticos, ou seja, o conjunto de comunicações eletrônicas realizadas com objetivos publicitários ou contratuais entre as empresas e seus clientes. A contratação eletrônica é a celebração ou a conclusão de contratos por meio de ambientes ou instrumentos eletrônicos.2
Como elaborar um contrato de comércio eletrônico válido juridicamente –Riscos contratuais e ao negócio
Em resumo, um contrato formaliza um acordo entre duas ou mais partes. Os envolvidos no negócio jurídico devem conhecer seus termos e manifestar a vontade em relação às condições.
Lima et al (2017), ao abordar a Teoria dos Custos de Transação (TCT), ensinam que, tendo em vista a potencialidade das ações oportunistas nas negociações com os parceiros e, consequentemente, a geração de custos de transação decorrentes da operação do sistema econômico pela estrutura de mercado, entendido como um sistema de procedimentos de negociação governado por mecanismo de preços que regula e legítima as trocas de produtos ou serviços entre agentes anônimos em cada transação, Williamson (1985) defendeu a necessidade de se estabelecer contratos nas negociações como forma de se proteger do oportunismo e minimizar os custos de transação.34
Lima et al (2017) ainda ensinam que:
Contudo, devido à racionalidade limitada do ser humano, não é possível elaborar contratos capazes de eliminar, por completo, os custos das ações oportunistas da outra parte contratual. Adaptações, renegociações e até quebra de contratos poderão surgir durante execução das atividades pactuadas com parceiros por conta de contingências não previstas na elaboração dos contratos, nesses casos os custos de transação são rotulados de custos ex post. Por outro lado, existem os custos ex ante, incorridos por conta do tempo dedicado à busca de informações relevantes para a elaboração dos contratos, escolha e negociação com parceiros de transação.
Dessa forma, esses custos podem variar diante da especificidade dos ativos transacionados, da frequência das transações e da incerteza de mercado que emerge de acontecimentos naturais ou comportamentais, porém nunca eliminados das negociações. Portanto, busca-se minimizar esses custos e reduzir perdas decorrentes de comportamentos oportunistas dos parceiros por meio da formalização de contratos em que são pactuados os comporta-mentos, as responsabilidades e as ações esperadas na transação, criando-se um ambiente de transações mais previsível.
Indubitavelmente, esses custos estão presentes no ambiente das organizações no decurso do desenvolvimento e execução das atividades de uma empresa. Todavia, devido à intangibilidade e à dificuldade para quantificá-los, esses custos muitas vezes passam despercebidos nas análises empreendidas pelos gestores.
Ness sentido, em 2019, a lei 13.874/19 - Declaração de Direitos de Liberdade Econômica – alterou o Código Civil para dar mais liberdade aos contratantes. Sendo assim, a regra é que nas relações contratuais privadas, prevalecerão o princípio da intervenção mínima e a excepcionalidade da revisão contratual:
Art. 421-A. Os contratos civis e empresariais presumem-se paritários e simétricos até a presença de elementos concretos que justifiquem o afastamento dessa presunção, ressalvados os regimes jurídicos previstos em leis especiais, garantido também que:
I - as partes negociantes poderão estabelecer parâmetros objetivos para a interpretação das cláusulas negociais e de seus pressupostos de revisão ou de resolução;
II - a alocação de riscos definida pelas partes deve ser respeitada e observada; e
III - a revisão contratual somente ocorrerá de maneira excepcional e limitada.
Portanto, para partes consideradas em “pé de igualdade”, como duas organizações, elas podem negociar as condições e riscos contratuais e prever tais situações em contratos. Essencial contar com assessorial jurídica, visto que devem ser considerados:
(i) legislação aplicável ao instrumento jurídico e, também, específica ao negócio (como leis e resoluções relacionadas para o segmento de atuação das organizações);
(ii) jurisprudência (precedentes judiciais), visando eventuais riscos jurídicos às partes (exemplo: ser considerado de adesão e inválido, trazendo prejuízos a um dos contratantes; possibilidade de interpretação desfavorável por juízes; ou uma condição que onera mais uma parte do que a outra);
(iii) personalização do contrato conforme a realidade do negócio a ser estabelecido, não genérico.
Afinal, se o negócio é importante para a organização, melhor investir de forma preventiva, do que remediar. Seguindo o previsto na lei 8.906/94, as atividades de consultoria, assessoria e direção jurídicas são conferidas a advogadas e advogados especializados.
Um contrato bem redigido e formalizado é essencial para atividades extrajudiciais (exemplos: cobranças extrajudiciais; entendimento de cláusulas quando há dúvidas por uma das partes, evitando-se desgastes comerciais e/ou operacionais), mas também para embasar uma ação judicial (exemplos: para a revisão contratual; para comprovar e fazer valer o direito da parte contratante).
Ao lidar com consumidores, o cuidado é maior, já que o Código de Defesa do Consumidor – CDC considera a vulnerabilidade do consumidor e a necessidade de informações claras e precisas em contratos:
Art. 46. Os contratos que regulam as relações de consumo não obrigarão os consumidores, se não lhes for dada a oportunidade de tomar conhecimento prévio de seu conteúdo, ou se os respectivos instrumentos forem redigidos de modo a dificultar a compreensão de seu sentido e alcance.
Art. 47. As cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor.
Sobre contratos nos meios eletrônicos, há o desafio de conciliar o que preveem o Código Civil, sobre a Teoria Geral de Contratos, o Código de Defesa do Consumidor, outras leis aplicáveis ao contexto específico e, também, o Decreto 7.962/2013.
Com a abordagem sobre riscos em geral e o conteúdo dos contratos, podemos tratar das formalidades de instrumentos no próximo item.
Como elaborar um contrato de comércio eletrônico válido juridicamente – Formalidades e assinaturas
Um contrato eletrônico segue as mesmas regras dos contratos em geral, mas possui a mediação de um meio eletrônico. Para que tenha validade jurídica, o arquivo deve ser formalizado por uma assinatura eletrônica ou assinatura digital.
Para Maria Helena Diniz (2008, p. 756), contrato eletrônico é “[…] o contrato virtual que opera-se entre o titular do estabelecimento virtual e o internauta, mediante transmissão de dados”.5
Segundo o artigo 104 do Código Civil, lei 10.406/02, a validade do negócio jurídico requer:
(i) agente capaz, isso é: entre pessoas com capacidade de exercício de direitos, ou seja, aptidão para exercer direitos e contrair obrigações na ordem civil;6
(ii) objeto lícito, possível, determinado ou determinável. Em resumo, o objeto do contrato deve ser conforme a lei, moral e bons costumes, bem como ser possível de ser determinado, como: refere-se à contratação de um serviço XYZ; é a comercialização de tais produtos e assim por diante;
(iii) forma prescrita ou não defesa em lei, ou seja, que não sejam proibidos ou dependam de formalidade específica prevista em lei, como é o caso de vendas de imóveis, que dependem de escritura pública, lavrada por cartórios.
A identificação de contratantes, no mundo tradicional (físico), é resolvido através da assinatura autográfica no próprio documento que contem a declaração de vontade, conforme prevê o Código de Processo Civil - CPC:
Art. 408. As declarações constantes do documento particular escrito e assinado ou somente assinado presumem-se verdadeiras em relação ao signatário.
A assinatura eletrônica compreende a assinatura digital, a qual possui a implementação de tecnologia de assinatura específica.
A assinatura digital se refere ao uso de tecnologia de criptografia que contém metadados críticos pertencentes à assinatura eletrônica. São assinaturas eletrônicas que são “assinadas “, utilizando a tecnologia de certificado digital. Exemplos: com uso de token e uma senha específica ou o token utilizado por advogados para peticionamento judicial.
A assinatura eletrônica é o registro juridicamente vinculativo. Exemplo: assinatura via plataforma, com o registro do IP e condições mínimas, como data e horário de assinatura pelas partes, códigos de acesso ao documento, endereços de e-mails cadastrados. A autenticidade da assinatura nessa modalidade pode ser mais questionada do que a assinatura digital.
A tecnologia utilizada deve permitir a identificação sobre eventual ocorrência de violação do conteúdo original: autenticidade e integridade:
(i) Autenticidade diz respeito à associação de um documento ao seu autor, de forma inequívoca devido ao registro que possui;
(ii) Integridade se refere à certeza da inteireza do conteúdo do documento eletrônico, sobre a preservação de seu conteúdo.
No Brasil, o Poder Executivo em 24 de Agosto de 2001, editou a Medida Provisória 2.200-2, instituindo a infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileiras – ICP Brasil, que trata das medidas para garantia de autenticidade, integridade e validade dos documentos em forma eletrônica.
Documentos eletrônicos, com certificação digital pela ICP-Brasil, são considerados como documentos assinados e válidos como prova, presumindo-se verdadeiros em relação aos signatários (§ 1º, do art. 10 da MP).
Certificados digitais são um dos métodos para comprovação de autoria e integridade, mas não são os únicos. A certificação privada também é outro meio, quando admitido pelas partes signatárias.
Sobre o e-commerce, vale ainda verificar o que prevê o artigo 2 do Decreto 7.962/2013, “os sítios eletrônicos ou demais meios eletrônicos utilizados para oferta ou conclusão de contrato de consumo devem disponibilizar, em local de destaque e de fácil visualização, as seguintes informações:
I - nome empresarial e número de inscrição do fornecedor, quando houver, no Cadastro Nacional de Pessoas Físicas ou no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas do Ministério da Fazenda;
II - endereço físico e eletrônico, e demais informações necessárias para sua localização e contato;
III - características essenciais do produto ou do serviço, incluídos os riscos à saúde e à segurança dos consumidores;
IV - discriminação, no preço, de quaisquer despesas adicionais ou acessórias, tais como as de entrega ou seguros;
V - condições integrais da oferta, incluídas modalidades de pagamento, disponibilidade, forma e prazo da execução do serviço ou da entrega ou disponibilização do produto; e
VI - informações claras e ostensivas a respeito de quaisquer restrições à fruição da oferta”.
Ainda, antes de prever todas as cláusulas contratuais, para a melhor compreensão pelo consumidor, o contrato deve apresentar sumário do contrato antes da contratação, com as informações necessárias ao pleno exercício do direito de escolha do consumidor, enfatizadas as cláusulas que limitem direitos (art. 4, I, Decreto 7.962/2013).
Após, o fornecedor de serviço ou produto, deve disponibilizar o contrato ao consumidor em meio que permita sua conservação e reprodução, imediatamente após a contratação.
Considerações finais
Dessa forma, os contratos eletrônicos têm validade jurídica, desde que possam servir com as funções de qualquer contrato escrito, quais sejam:
(i) Demonstrar as vontades das partes;
(ii) Demonstrar o exato escopo do negócio;
(iii) Servir como prova.
O contrato eletrônico é válido desde que não haja impeditivo legal ou em estatutos ou contratos sociais, no caso de pessoas jurídicas.
Os mesmos problemas encontrados no mundo físico também podem ser encontrados no mundo virtual, como a falsa identificação entre as partes, erros no momento de celebração, alteração no contrato e outros.
Deve-se certificar que a tecnologia utilizada para a assinatura do contrato possui serviço capaz de garantir a autenticidade e integridade do contrato eletrônico.
Segundo Alcassa et al (2021), para que o contrato do7 e-commerce cumpra, em geral, o Código Civil (CC), Decreto do e-commerce, Código de Defesa do Consumidor (CDC), o comércio deverá:
- Indicar para quais finalidades os dados da outra parte são coletados e utilizados: Exemplo: execução do contrato- venda de produtos/fornecimento de mercadorias, seguindo o que também prevê a lei geral de proteção de dados Pessoais – LGPD (lei 13.709/18);
- Apresentar sumário do contrato antes da contratação, com as informações necessárias ao pleno exercício do direito de escolha do consumidor, enfatizadas as cláusulas que limitem direitos;
- Fornecer ferramentas eficazes ao consumidor para identificação e correção imediata de erros ocorridos nas etapas anteriores à finalização da contratação;
- Disponibilizar o contrato ao consumidor em meio que permita sua conservação e reprodução, imediatamente após a contratação;
- Disponibilizar ao consumidor a mesma ferramenta para exercer seu direito de arrependimento para a contratação, sem prejuízo de outros meios disponibilizados.
- Utilizar mecanismos de segurança eficazes para pagamento e para tratamento de dados do consumidor. Na maior parte dos casos de compra e venda, os contratos contêm informações sigilosas, endereços, CPF, dados bancários, informações empresariais, neste sentido é essencial a adoção de segurança na transmissão e armazenamento dos dados pessoais;
- Informar no contrato o canal de atendimento eficaz em caso de informação, dúvida, reclamação, suspensão ou cancelamento do contrato;
- Informar o nome do DPO e canal de comunicação para as informações sobre privacidade e proteção de dados pessoais dos consumidores no contrato.
____________
1 Resultados Digitais. Dados de ecommerce no Brasil: confira os principais números do comércio eletrônico. Disponível em: https://resultadosdigitais.com.br/blog/dados-de-ecommerce-no-brasil/#:~:text=De%20acordo%20com%20a%20NeoTrust,1%25%20em%20rela%C3%A7%C3%A3o%20a%202019. Acesso em 17 de janeiro de 2022.
2 MIRANDA SERRANO, Luis María. La contratación a distancia de consumo: TRDCU y Directiva 2011/83/UE. In: MIRANDA SERRANO, Luis María; PAGADOR LÓPEZ, Javier (coord.). Derecho (privado) de los consumidores. Madrid: Marcial Pons, 2012. p. 175.
3 Lima, Adrianne. Da Silva, Adilson. Assis, Priscila. Maganete, Rafael. Alves, Renato. Silva, Sandra. (2017). Redução dos Custos de Transação para Melhoria da Competitividade dos Negócios da Empresa Cursos Profissionalizantes em TI (C-PROFTI). Revista Práticas em Contabilidade e Gestão. 5. 10.5935/2319-0485/praticas. v5n2p172-187.
4 WILLIAMSON, O. E. The economic institutions of capitalism. New York: The Free Press, 1985.
5 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: teoria das obrigações contratuais e extracontratuais. 24ª ed. rev., atual. e ampl. de acordo com a reforma do CPC e com o Projeto de Lei n. 276/2007. São Paulo: Saraiva, 2008, V. III, p. 756.
6 “(…) absolutamente incapazes deverão ser representados e os relativamente incapazes deverão ser assistidos por quem de direito para que o instrumento possa ser válido”. (Fonte: https://www.direitonet.com.br/contratos/dicas)
7 Alcassa, Flávia. Lima, Adrianne Lima. Samaniego, Daniela. Baronosvky , Thainá (2021). LGPD para contratos: Adequando contratos e documentos à Lei Geral de proteção de dados. Disponível em: https://www.amazon.com.br/LGPD-para-contratos-Adequando-documentos-ebook/dp/B09BZNS4GG/ref=sr_1_1?__mk_pt_BR=%C3%85M%C3%85%C5%BD%C3%95%C3%91&dchild=1&keywords=lgpd+e+contratos&qid=1628523947&s=books&sr=1-1