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STJ decide pela não obrigatoriedade de escritura pública para a cessão de precatório

Diante do recente entendimento do STJ, resta claro que tal negócio jurídico será uma boa oportunidade para os interessados na compra e venda de dívidas da Fazenda Pública decorrentes de condenações judiciais.

20/1/2022

(Imagem: Arte Migalhas)

No final de 2021, a 1º turma do STJ acolheu recurso ordinário em mandado de segurança1 para determinar a não exigência de celebração de escritura pública para a cessão de crédito constante de precatório.

Tal cessão se configura em um negócio jurídico no qual há a transferência de titularidade de um crédito do credor original (cedente) para terceiro adquirente (cessionário), que pode ser pessoa física ou jurídica.

A partir da cessão de crédito constante de precatório, o cedente aliena ao cessionário parte ou o total dos valores2 que receberia do Poder Público. Como vantagens do negócio, destacam-se, para o cedente, o recebimento antecipado do valor oriundo do precatório; e, para o cessionário, a incidência de juros de mora e correção monetária (IPCA-E)3 na quantia a ser recebida quando do pagamento do precatório pelo ente devedor, além do deságio.

No caso jugado pelo STJ, o recurso analisado foi interposto contra acórdão do TJ/DFT - Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios. A referida decisão colegiada manteve sentença denegatória4 em que foi indeferido o pedido de habilitação de cessionário em precatório, por considerar imprescindível a apresentação da escritura pública.

Contudo, a Corte Superior deu provimento ao recurso ordinário para reformar a referida decisão colegiada. O STJ ratificou, portanto, a validade e a eficácia da cessão de crédito do precatório em questão, que havia sido celebrado mediante instrumento particular, com a consequente declaração do direito do interessado à habilitação como cessionário.

Quando do julgamento, a 1º turma do STJ frisou que a cessão de direitos creditórios em precatórios deve respeitar o princípio da liberdade das formas, previsto no art. 107 do CC/025 e adotado pela jurisprudência6. Segundo esse princípio, não é exigida a utilização de uma forma específica para a realização de negócios jurídicos, senão por expressa previsão legal.

No tocante à cessão de direitos creditícios constantes de precatório, como a lei não exige expressamente a utilização da forma especial de escritura pública, a declaração de vontade das partes7 para a celebração do negócio jurídico pode ser feita por meio de instrumento particular.

Ou seja, via de regra, é descabida a obrigatoriedade de instrumento público (forma especial) como condição de validade8 da cessão de crédito de precatório, porquanto a legislação não faz tal exigência.

De outro lado, há casos em que a legislação impõe a utilização da escritura pública.

O art. 288 do CC, por exemplo, determina ser ineficaz a transmissão de crédito a terceira pessoa (pessoa distinta do cedente e do cessionário), caso não seja celebrada por instrumento público. Fica autorizada a utilização de instrumento particular apenas se o ato for realizado com as solenidades do § 1º do art. 6549, quais sejam, a indicação do lugar, a qualificação das partes envolvidas, a designação da data e do objetivo do ato, inclusive com a definição dos poderes conferidos. Ou seja, a adequada delimitação do negócio jurídico celebrado.

Outro ponto do julgamento do STJ que merece destaque é a não aplicação do princípio da liberdade das formas na hipótese de norma local determinar expressamente a utilização de forma especial para a celebração do negócio jurídico.

Acerca do assunto, a Corte Superior destacou que a LC Distrital 52/1997, em seu art. 4º, V10, trouxe exceção à regra geral do princípio da liberdade das formas quanto aos precatórios referentes à compensação de débitos tributários de competência distrital11.

Por fim, foi esclarecido que a tese repetitiva firmada no julgamento do REsp 1.102.473/RS12 não teve como objeto e tampouco estabeleceu entendimento no sentido da necessidade de escritura pública para a cessão de crédito decorrente de precatório.

Neste julgado, o tema debatido se limitou à análise da possibilidade de habilitação de cessionário em crédito referente a honorários advocatícios de sucumbência consignados em precatório e cedidos pelo advogado vencedor. Na oportunidade, o recurso especial foi provido para habilitar a cessionária em precatório, porquanto a cessão de crédito de honorários sucumbenciais havia sido celebrada por escritura pública e o precatório continha a discriminação dos valores devidos a título de honorários advocatícios13.

Feita a distinção entre os casos, verifica-se que o entendimento firmado quando do julgamento do RMS nº 67.005/DF, objeto da presente reflexão, em suma, decidiu ser de discricionariedade das partes a forma de realização da cessão do crédito de precatório (seja por escritura pública, seja por instrumento privado), exceto quando legislação local determinar a observância de forma especial e ressalvados os limites impostos pelo art. 288 do CC.

Diante do recente entendimento do STJ quanto à não obrigatoriedade de instrumento público para a cessão de crédito de precatório, resta claro que tal negócio jurídico será uma boa oportunidade para os interessados na compra e venda de dívidas da Fazenda Pública decorrentes de condenações judiciais.

Contudo, para a eficácia dessa cessão de direito de crédito, faz-se necessária a observância de alguns requisitos essenciais, como: a comunicação da cessão ao Juízo da execução responsável pela expedição do precatório; a habilitação do cessionário e a notificação do ente público devedor14; a entrega de toda a documentação necessária, como documentos pessoais autenticados e declaração de titularidade do crédito; a celebração de negócio jurídico com termos bem delimitados; a verificação prévia da natureza do crédito constante do precatório a ser cedido, entre outros.

Nesse sentido, torna-se indispensável que a celebração de tal negócio jurídico seja feita com a orientação de advogado com expertise no assunto, a fim de se garantir a confiabilidade e o êxito da cessão de crédito decorrente do precatório.

_____

1 RMS 67.005/DF, Rel. Min Sérgio Kukina, 1º turma, DJe 19/11/21.

Conforme determina o § 13º do art. 100 da Constituição Federal: “Art. 100. Os pagamentos devidos pelas Fazendas Públicas Federal, Estaduais, Distrital e Municipais, em virtude de sentença judiciária, far-se-ão exclusivamente na ordem cronológica de apresentação dos precatórios e à conta dos créditos respectivos, proibida a designação de casos ou de pessoas nas dotações orçamentárias e nos créditos adicionais abertos para este fim. [...] § 13. O credor poderá ceder, total ou parcialmente, seus créditos em precatórios a terceiros, independentemente da concordância do devedor, não se aplicando ao cessionário o disposto nos §§ 2º e 3º”.

3 Vide ADIs 4357 e 4425 - STF.

4 Autoridade Coatora: Juiz de Direito da Coordenadoria de Conciliação de Precatórios do TJ/DFT.

5 “Art. 107. A validade da declaração de vontade não dependerá de forma especial, senão quando a lei expressamente a exigir.”

6 REsp 1.881.149/DF, Rel. Ministra Nancy Andrighi, 3º turma, DJe 10/6/21.

7 Nos termos do art. 111 do CC/02, as partes podem manifestar sua vontade de forma expressa, tácita ou até mesmo pelo silêncio, exceto quando a legislação impor a observância de forma especial: “Art. 111. O silêncio importa anuência, quando as circunstâncias ou os usos o autorizarem, e não for necessária a declaração de vontade expressa”.

8 A observância ou não de forma especial exigida em lei concerne à validade do negócio jurídico. Por isso, caso não seja acatada forma especial exigida em lei, o negócio jurídico será nulo, nos termos do art. 166, IV, do CC: “Art. 166. É nulo o negócio jurídico quando: [...] IV - não revestir a forma prescrita em lei”.

9 “Art. 654. Todas as pessoas capazes são aptas para dar procuração mediante instrumento particular, que valerá desde que tenha a assinatura do outorgante. § 1o O instrumento particular deve conter a indicação do lugar onde foi passado, a qualificação do outorgante e do outorgado, a data e o objetivo da outorga com a designação e a extensão dos poderes conferidos.”

10 “Art. 4º O precatório deverá ser oferecido para compensação no prazo de noventa dias a partir da ciência do deferimento da opção pela sistemática de compensação, mediante requerimento instruído com: [...] V – a prova de titularidade ativa do precatório pelo requerente titular ou cessionário, neste caso com o comprovante da cessão feita por instrumento público, na forma da Lei.”

11 O mencionado dispositivo determina que, caso o crédito cedido tenha natureza tributária, o comprovante da cessão deverá ser feito por instrumento público.

12 REsp 1.102.473/RS, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, Corte Especial, DJe 27/8/12.

13 Confira-se trecho do voto da Ministra Relatora (voto-vencedor): “Ante o exposto, dou provimento ao recurso especial para permitir que as recorrentes, cessionárias de crédito relativo a honorários advocatícios sucumbenciais cedido pelos advogados da parte exequente, habilitem-se no respectivo crédito consignado no precatório”.

14 Isso porque o §14º do art. 100 da CF/88 determina que a cessão de precatórios apenas passa a produzir efeitos depois da comunicação ao Tribunal de origem e ao ente devedor.

Maria Augusta Rost
Mestre em Direito pela Universidade de Brasília (UnB) e Sócia da Barretto & Rost Advogados.

Mariana Ozaki Marra da Costa
Bacharela em Direito pela Universidade de Brasília (UnB), Aluna Especial do Programa de Pós-Graduação em Direito da UnB e advogada da Barretto & Rost Advogados.

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