Para a atualização monetária do crédito trabalhista em juízo e compensação da mora sofrida pelo credor, a esperada decisão do STF nas ações declaratórias de constitucionalidade (ADCs) 58 e 59 e ações diretas de inconstitucionalidade (ADIns) 5867 e 6021 determinou, em suma, a aplicação do IPCA-E na fase pré-judicial, que vai até o ajuizamento da ação, e, a contar daí, a incidência da taxa SELIC.
Conforme se extrai da parte final do art. 883 da CLT, os juros moratórios aplicam-se a partir do aforamento da causa. Consoante o § 1º do art. 39 da lei 8.177/91, incidiam juros de 1% (um por cento) ao mês, de forma simples, pro rata die. Observe-se que tais juros tornaram-se inaplicáveis; passou a incidir apenas a SELIC, considerada abarcante tanto de índice de correção monetária quanto de juros.
Contudo, nos termos do item n. 5 da ementa do acórdão prolatado nas aludidas ADCs e ADIs há disciplina jurídica específica para as dívidas da Fazenda Pública, consistente no art. 1º-F da lei 9.494/97, com a redação dada pela lei 11.960/09, o qual deve ser aplicado de acordo com o deliberado nas ADIns 4357, 4425 e 5348 e no RE 870947.
Conforme, v. g., verifica-se na tese jurídica do tema 810 de repercussão geral, fixada pelo Supremo Tribunal no julgamento do RE 870947, os juros de que cuida o art. 1º-F da lei 9.494/97 foram declarados inconstitucionais tão somente quanto às relações tributárias, in verbis:
1) O art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/09, na parte em que disciplina os juros moratórios aplicáveis a condenações da Fazenda Pública, é inconstitucional ao incidir sobre débitos oriundos de relação jurídico-tributária, aos quais devem ser aplicados os mesmos juros de mora pelos quais a Fazenda Pública remunera seu crédito tributário, em respeito ao princípio constitucional da isonomia (CRFB, art. 5º, caput); quanto às condenações oriundas de relação jurídica não-tributária, a fixação dos juros moratórios segundo o índice de remuneração da caderneta de poupança é constitucional, permanecendo hígido, nesta extensão, o disposto no art. 1º-F da Lei nº 9.494/97 com a redação dada pela Lei nº 11.960/09; e 2) O art. 1º-F da Lei nº 9.494/97 (...), na parte em que disciplina a atualização monetária (...) segundo a remuneração oficial da caderneta de poupança, revela-se inconstitucional ao impor restrição desproporcional ao direito de propriedade (...). (n. g.)
Aliás, consta expressamente da tese do tema 810 que, no concernente às relações jurídicas não tributárias, aí inclusas as trabalhistas, que envolvem a Fazenda Pública, os juros moratórios de que trata o art. 1º-F da lei 9.494/97 são constitucionais e, assim, devem ser aplicados.
O problema (por enquanto) está (só) nos juros! Com efeito. Relativamente à correção monetária, extrai-se das decisões judiciais que interessam, – proferidas nas ADCs 58 e 59, ADIns 4357, 4425, 5348, 5867 e 6021 e RE 870947 –, haver sido declarada, de forma abrangente, a inconstitucionalidade o uso da Taxa Referencial (TR) ou da remuneração básica da caderneta de poupança como índice de atualização monetária: o IPCA-E incide na fase pré-judicial sobre as dívidas cobradas da Fazenda Pública e também dos devedores privados.
Não é demais conferir que o saldo em caderneta de poupança recebe 2 (dois) acréscimos. A pessoa que investe nessa espécie de aplicação financeira tem direito à remuneração básica e também à remuneração adicional, de que cuidam, respectivamente, os incs. I e II do art. 12 da lei 8.177/91. A remuneração básica está para a correção monetária, ao passo que a remuneração adicional está para os juros. Verifique-se que o inc. II refere-se, de modo expresso, a juros.
O art. 1º-F da Lei n. 9.494/97 não fala em taxa referencial (TR); refere-se à caderneta de poupança, ipsis litteris:
Art. 1o-F. Nas condenações impostas à Fazenda Pública, independentemente de sua natureza e para fins de atualização monetária, remuneração do capital e compensação da mora, haverá a incidência uma única vez, até o efetivo pagamento, dos índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança.
A correlação entre poupança e TR está em que, nos termos do art. 7º da lei 8.660/93, os depósitos de poupança têm como remuneração básica a Taxa Referencial - TR relativa à respectiva data de aniversário (n. g.). Quanto à remuneração adicional, por juros (...), há uma alternativa legal: se a taxa SELIC for, por assim dizer, alta (superior a 8,5% ao ano), a remuneração adicional corresponderá a 0,5% ao mês; nos demais casos, isto é, se a SELIC não ultrapassar 8,5% a.a., a remuneração adicional será equivalente a 70% dela. É o que dispõe o art. 12, inc. II, “a” e “b”, da Lei n. 8.177/91, ad litteram:
Art. 12. Em cada período de rendimento, os depósitos de poupança serão remunerados:
(...)
II - como remuneração adicional, por juros de:
a) 0,5% (cinco décimos por cento) ao mês, enquanto a meta da taxa Selic ao ano, definida pelo Banco Central do Brasil, for superior a 8,5% (oito inteiros e cinco décimos por cento); ou
b) 70% (setenta por cento) da meta da taxa Selic ao ano, definida pelo Banco Central do Brasil, mensalizada, vigente na data de início do período de rendimento, nos demais casos. (n. g.)
Pois bem, no contexto da atualização monetária dos créditos trabalhistas em juízo, a inconstitucionalidade da utilização da TR vem a ser o mesmo que a do uso da poupança.
Estamos em 2022. Vamos desconsiderar o período até dez.1999 a que se refere o item n. 6 da ementa do aresto prolatado nas ADCs 58 e 59 e ADIns 5867 e 6021. Segue a transcrição dos trechos que interessam dos itens 5 a 7 da ementa:
5. Confere-se interpretação conforme à Constituição ao art. 879, §7º (...) da CLT, na redação dada pela Lei 13.467, de 2017, definindo-se que, até que sobrevenha solução legislativa, deverão ser aplicados à atualização dos créditos decorrentes de condenação judicial (...) os mesmos índices de correção monetária e de juros vigentes para as hipóteses de condenações cíveis em geral (art. 406 do Código Civil), à exceção das dívidas da Fazenda Pública que possui regramento específico (art. 1º-F da Lei 9.494/1997, com a redação dada pela Lei 11.960/2009), com a exegese conferida por esta Corte na ADI 4.357, ADI 4.425, ADI 5.348 e no RE 870.947-RG (tema 810).
6. Em relação à fase extrajudicial, ou seja, a que antecede o ajuizamento das ações trabalhistas, deverá ser utilizado como indexador o IPCA-E acumulado no período de janeiro a dezembro de 2000. A partir de janeiro de 2001, deverá ser utilizado o IPCA-E mensal (...).
7. Em relação à fase judicial, a atualização dos débitos judiciais deve ser efetuada pela taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e Custódia – SELIC, considerando que ela incide como juros moratórios dos tributos federais (...). A incidência de juros moratórios com base na variação da taxa SELIC não pode ser cumulada com a aplicação de outros índices de atualização monetária, cumulação que representaria bis in idem. (n. g.)
De acordo com o conjunto dos sobreditos precedentes do STF, conforme se verifica nas liquidações e cumprimentos de sentença (execuções) em geral, aplica-se o IPCA-E quanto à fase pré-judicial quando o devedor for integrante da Fazenda Pública (União Federal, Estados, Distrito Federal, Municípios, respectivas autarquias e fundações públicas).
De outro lado, a contar do ajuizamento da causa, como está claro sobretudo na tese do tema 810 de repercussão geral, devem ser aplicados os juros de que trata o art. 1º-F da lei 9.494/97, já que não estamos diante de relações jurídico-tributárias, senão trabalhistas.
Como já aventado e destaca-se, p. ex., do item n. 8 da ementa do acórdão das ADCs 58 e 59 e ADIs 5867 e 6021, a taxa SELIC abrange tanto índice de correção monetária quanto de juros. Consoante a parte final do item n. 7 da ementa, a incidência de juros moratórios com base na variação da taxa SELIC não pode ser cumulada com a aplicação de outros índices de atualização monetária, cumulação que representaria bis in idem (n. g.). Sem dúvida, também ocorreria bis in idem se a SELIC fosse cumulada com qualquer dos índices de juros de que cuida o art. 1º-F da lei 9.494/97.
Além dos juros previstos no art. 1º-F da L. 9.494 e alínea “a” ou “b” do inc. II do art. 12 da L. 8.177, a saber, 0,5% quanto a SELIC estiver acima de 8,5 ao ano ou, quando for de até 8,5% a.a., 70% da SELIC mensalizada, impõe-se aplicar a correção monetária. Necessariamente, no período a contar do aforamento da lide, aos débitos trabalhistas da Fazenda Pública, aplicar-se-á o IPCA-E. Note-se, p. ex., que o item n. 2 da tese do tema 810, que expõe a declaração de inconstitucionalidade da remuneração básica da poupança enquanto pretenso índice de correção monetária, não contém nenhuma ressalva.
Como cediço, a Fazenda Pública é detentora de prerrogativas processuais e uma delas era sujeitar-se a um regime de juros moratórios mais tênue. O que se passaria não fossem as recentes alterações no direito posto? Um devedor trabalhista privado, uma dada empresa, pagaria sua dívida com 1% (um por cento) de juros mensais; já um Município pagaria seu próprio débito com juros que nunca ultrapassariam 0,5% (meio por cento) ao mês. Veja-se, a propósito, o inc. II da OJ n. 7 do Tribunal Pleno do TST, verbis:
TP/OE-7 JUROS DE MORA. CONDENAÇÃO DA FAZENDA PÚBLICA
(...)
II – A partir de 30 de junho de 2009, atualizam-se os débitos trabalhistas da Fazenda Pública, mediante a incidência dos índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança (...). (n. g.)
Hoje, 5.jan.2022, a meta para a taxa SELIC está em 9,25 a.a. Extrai-se de site do IBGE que o IPCA-E acumulado de 2021 ficou em 10,42%.
Com as alterações havidas em nosso arcabouço jurídico, aquela empresa, quanto ao tempo a contar do ajuizamento da causa, pagaria os acréscimos legais de sua dívida (CM + JRs) consistentes unicamente no resultado da incidência da SELIC (9,5 a.a. ou 0,77083 a.m.). A Municipalidade, por sua vez, quitaria seu débito próprio com incidência do IPCA-E, que já suplanta a SELIC, mais juros de 0,5% a.m. (6% a.a.).
Parece intuitivo que a SELIC nunca suplantará o IPCA-E. Com efeito. Hoje, como visto, é inferior e a SELIC sempre corre atrás do IPCA, que é o índice oficial da inflação nacional: quando o custo de vida aumenta, o Banco Central eleva a SELIC como forma de tentar contê-lo; quando esse flagelo arrefece, a SELIC é reduzida.
Vislumbra-se que o benefício processual dos juros condescendentes, de que gozava a Fazenda Pública, deixa de vigorar. Prerrogativa pode ser traduzida como um direito especial. A Fazenda fruía o direito especial de pagar juros moratórios mais suaves do que os devidos pelo particular. Hodiernamente, ela depara-se com o dever especial de quitar juros mais elevados do que aqueles devidos pelos devedores privados. Decerto, cuida-se de situação inquietante.
Em 9.dez.2021 foi publicada a Emenda Constitucional n. 113, cujo art. 3º veio assim redigido:
Art. 3º Nas discussões e nas condenações que envolvam a Fazenda Pública, independentemente de sua natureza e para fins de atualização monetária, de remuneração do capital e de compensação da mora, inclusive do precatório, haverá a incidência, uma única vez, até o efetivo pagamento, do índice da taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (SELIC), acumulado mensalmente. (n. g.)
Foi determinada a aplicação da taxa SELIC a toda e qualquer dívida da Fazenda Pública, independentemente de sua natureza, tanto a título de correção monetária (para fins de atualização monetária) quanto de juros moratórios [para fins (...) de compensação da mora], isso desde a violação de direito reconhecida em juízo até o efetivo pagamento da correlata dívida conforme, sem dúvida, sinalizam as expressões nas discussões e nas condenações (...) haverá a incidência uma única vez, até o efetivo pagamento.
O problema estava só nos juros!
A contar de 9.12.2021, contra a Fazenda Pública, aplica-se, exclusivamente, a taxa SELIC, desde a violação de direito judicialmente certificada. Aliás, considerando que a SELIC é inferior ao IPCA-E, vê-se aí uma compensação para a ausência daquela prerrogativa consistente no direito especial a juros moratórios mais amenos.
Rememore-se que a decisão proferia nas ADCs 58 e 59 e ADIns 5867 e 6021 há de vigorar, conforme expresso no item n. 5 da sua ementa, até que sobrevenha solução legislativa. Dessarte, quanto às dívidas processual-trabalhistas da Fazenda Pública, até 8.dez.2021 aplicam-se o IPCA-E, desde a violação do direito [especificamente, nas condenações por dano moral (...) a partir (...) da decisão de arbitramento ou de alteração do valor (...), como se lê na súm. n. 439 do C. TST], e, cumulativamente, a partir do ajuizamento da ação, os juros de que trata o art. 1ª-F da lei 9.494/97.
A propósito, a ideia é esclarecer, descomplicar ..., mas não se olvide que não incidem juros moratórios durante o lapso que vai da expedição do precatório ou requisição de pequeno valor (RPV) até seu efetivo pagamento, se o adimplemento se der no prazo. Agora, então, em decorrência da EC 113, não se fala em incidência de juros propriamente, senão da SELIC e, salvo melhor juízo, embora a taxa SELIC contenha índice de juros, não se poderá deixar de aplicá-la no chamado período de graça, pois se deixaria de proceder à incidência da correção monetária, sem dúvida devida e também abarcada pela SELIC.
No interregno posterior a 8.dez.2021, o IPCA-E e os juros de que cuida o art. 1º-F da Lei n. 9.494 deixam de incidir; a contar de 9.dez.2021, data de publicação da EC 113/21, as dívidas da Fazenda Pública são atualizadas apenas com base na SELIC.
Uma reclamação trabalhista proposta, v. g., em 1º.jun.2021, sobre determinada quantia de salário-substituição de jul.2020 que deixou de ser paga por aquele nosso Município, vingando o pleito do reclamante, envolveria a aplicação do IPCA-E da data do inadimplemento da verba até 31.maio.2021 (fase pré-judicial); do IPCA-E e, cumulativamente, dos juros de que cuida o art. 1º-F da Lei n. 9.494/97 desde o ajuizamento da causa até 8.dez.2021; exclusivamente da taxa SELIC, enfim, a partir de 9.dez.2021.
Já há ação direta de inconstitucionalidade contra a EC 113, aforada pelo PDT – Partido Democrático Trabalhista, ADI 7047. Há um tópico sobre as inconstitucionalidades do art. 3º da EC 113/21. O requerimento autoral de tutela de urgência ainda não foi apreciado. Assim, prevalece a presunção de que a emenda constitucional guarda consonância com a Constituição Federal.
Eu me pergunto quanto de acerto há em se complicar a questão jurídica da incidência processual de correção monetária e juros de mora. Por que importar as complicações do sistema monetário? É indiscutível que, para o universo trabalhista, o melhor que possa existir é uma conjuntura econômico-monetária estável, que dirá expansionista, contudo a correção monetária não passa da recomposição do poder aquisitivo da moeda e os juros moratórios, do encargo financeiro necessariamente decorrente do inadimplemento, decerto sendo passíveis de fixação descomplicada, seja em desfavor do devedor privado ou público.
Tem-se um cipoal que ofusca o debate sobre a justiça a ser concretizada no particular. Já houve uma tentativa legislativa de superar os precedentes do E. STF em apreço, qual seja, a EC 113. Padeça ou não de qualquer inconstitucionalidade, ela ostenta o mérito de fazer cessar a maior e indevida oneração da Fazenda Pública na fase judicial, comparada à do devedor privado.
Não tenho dúvida de que, cedo ou tarde, o Congresso Nacional elaborará lei que trate do assunto, sobretudo para remediar o prejuízo do credor trabalhista, decorrente da aplicação exclusiva da taxa SELIC na fase processual.