Não é novidade o entrelaçamento da economia e do mercado ao meio ambiente, e, consequentemente, ao Direito Ambiental.
Para atingir essa conclusão, basta trazer à lembrança que, já há quase 50 anos, foi o Conselho da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que, na Recomendação C (72) 128, de 26 de maio de 1972, plantou a semente do princípio do poluidor-pagador (Polluter-Pays Principle), cujas bases foram lançadas de forma mais consistente pelo economista britânico Arthur Cecil Pigou (que, ainda na década de 1920, desenvolveu o conceito de “externalidades” das atividades econômicas), e que, hoje, está consolidado não só no Direito Internacional, como também nos ordenamentos internos de muitos países.
Não deve causar surpresa ou espanto, portanto, a afirmação de que o mercado, desde que bem arejado com exigências relacionadas a governança, ética e accountability, figura como importante aliado do Direito (internacional e doméstico), na tarefa de garantir, sob o império da lei e com responsabilidade intergeracional, a proteção ao meio ambiente.
Sensível a isso, a lei 13.986/20, no art. 42, impôs modificações à lei 8.929/94 (que revolucionou o Sistema Privado de Financiamento do Agro), para inserir a previsão pela qual poderiam ser considerados “Produtos Rurais”, a serem lastreados pela CPR, aqueles obtidos nas atividades “relacionadas à conservação de florestas nativas e dos respectivos biomas e ao manejo de florestas nativas no âmbito do programa de concessão de florestas públicas, ou obtidos em outras atividades florestais que vierem a ser definidas pelo Poder Executivo como ambientalmente sustentáveis.”
No início de 2021, sobrevieram, demonstrando rápida evolução, a lei 14.119/21, que instituiu Política Nacional de Pagamento por Serviços Ambientais, e, mais recentemente, em 01/10/2021, a criação de “Tokens” de Crédito de Carbono (como o MCO2 Token), e, por fim, a regulamentação da chamada “CPR Verde” (Decreto 10.828/21).
Conquanto a CPR comum e a chamada CPR Verde tenham finalidades diversas - a primeira se revela como um título privado de financiamento do agronegócio (como instrumento de captação de recursos de custeio), e a segunda, não menos importante, concretiza a promessa, originada do Código Florestal, de instrumentalizar e simplificar o pagamento por serviços ambientais (PSA) -, o reconhecimento dos serviços ambientais como um “Produto Rural” (dado o histórico exitoso da CPR), e, principalmente, a criação de mais um instrumento que dará lastro a operações relacionadas a esses serviços, são iniciativas que não podem ser vistas se não com otimismo, a despeito dos alarmantes dados de desmatamento.
De fato, trata-se da concretização de uma promessa trazida pela lei 12.727/12, que, embora tenha demorado quase uma década, deu ainda mais corpo a iniciativas estaduais de PSA e ao emergente mercado de crédito de carbono, atingindo de forma certeira o setor econômico, em seu momento de maior permeabilidade, imposta pelas preocupações que deram causa à agenda 2030 e à pauta ESG.
Ademais disso, é iniciativa que se soma (para citar apenas alguns exemplos), internacionalmente, ao mercado criado no Protocolo de Kyoto, e, nacionalmente, i) ao RENOVABIO; ii) aos green bonds; iii) às linhas de crédito preferenciais voltadas a atividades sustentáveis (ex: linha ABC); e iv) a inúmeras iniciativas privadas (ex: o programa Algodão Brasileiro Responsável (ABR), o Programa SBC (Soja Baixo Carbono) e a Liga do Araguaia) na transição para uma economia de baixo carbono.
A princípio, os atores envolvidos, que operarão de forma relativamente livre, serão: os produtores do serviço ambiental (emitentes), os compradores desse serviço (normalmente, empresas cuja atividade gera externalidades negativas, e que desejam, portanto, neutralizá-las), entidades privadas de certificação, entidades autorizadas pelo Banco Central do Brasil para registrarem o título (art. 3º-D da lei 8.929/94) e instituições financeiras (que manterão eventuais contas de garantia).
Embora, como visto, não seja a CPR Verde um título que tipicamente serve ao financiamento de atividades, entende-se que nada impede que o pagamento pelo serviço ambiental nela lastreado seja utilizado para custeio de outras atividades, inclusive que venham a gerar novas externalidades positivas e novo serviço ambiental (o produtor poderia, por exemplo, utilizar do PSA para custear eventual recomposição de área de reserva deficitária).
Logo, denota-se uma aptidão pedagógica, que, ao estimular atividades sustentáveis, revela uma outra face do princípio do poluidor-pagador, pela qual o produtor de externalidades positivas passa a ser retribuído.
A depender da confiabilidade que fornecerá aos atores econômicos interessados, da forma com que o mercado se organizará no sentido de viabilizar financeiramente as operações (sobretudo em vista dos consideráveis custos que a certificação implica hoje), e da segurança jurídica que os operadores do direito darão a ela, cuida-se de inovação muito bem-vinda, que se soma à grande onda verde que deve pautar o futuro da humanidade, e, logicamente, o Direito.