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A revisão geral anual do subsídio de agentes políticos na mesma legislatura

Nos debates da PEC 173/1995 – que resultou na EC 19/1998, ocorridos na Comissão Especial, é possível extrair a intenção sempre permanente das reformas administrativas que ocorreram no Brasil, sobretudo dos limites, alcance e extensão do princípio da anterioridade da legislatura.

13/1/2022

(Imagem: Arte Migalhas)

O Supremo Tribunal Federal (STF), reconhecendo a repercussão geral no Recurso Extraordinário (RE) 1344400 (Tema 1.192), irá decidir se é constitucional lei municipal que preveja revisão geral anual do subsídio de agentes políticos na mesma legislatura, à luz do inciso VI, do art. 29 da Constituição Federal de 1988.

O tratamento constitucional dispensado aos agentes políticos – detentores de mandato eletivo – há muito tempo demanda esforços interpretativos sobre a sua real característica estatal e o adequado regime jurídico de submissão. Os agentes políticos subordinam-se a diversas regras próprias distribuídas no decorrer da lei Fundamental de 1988, ao mesmo passo que usufruem de direitos aplicáveis aos servidores públicos em geral, sobretudo quando se trata da sistemática remuneratória.

Um ponto relevante que ainda nos parece turbulento, reside na aplicação da Revisão Geral Anual – RGA aos agentes políticos – em especial os vereadores -, considerando que o inciso VI, do art. 29 da Constituição Federal impede que se concedam aumentos na mesma legislatura.

O dispositivo informa que “o subsídio dos Vereadores será fixado pelas respectivas Câmaras Municipais em cada legislatura para a subsequente, observado o que dispõe esta Constituição, observados os critérios estabelecidos na respectiva lei Orgânica”. Isso é o que se denomina de anterioridade de legislatura.

Notadamente, não podemos visualizar a Revisão Geral Anual – RGA sob a mesma perspectiva da fixação do subsídio entabulado nos incisos V e VI do artigo 29 da CF, eis que são institutos jurídicos categoricamente distintos.

Não obstante, o Supremo Tribunal Federal – STF tem caminhado pelo território da compreensão de que mesmo a RGA – concedida no mesmo exercício - estaria abarcada pelo óbice da legislatura contida no inciso VI do art. 29 da CRFB/88. Isso é visualizado em diversos precedentes, dentre eles o da lavra do ministro Edson Fachin, datado de 24 de janeiro de 2021 (RE 729.732 SP).

Esse ponto, a nosso ver, é de imperiosa relevância, eis que se utilizam da avaliação sistemática dos dispositivos constitucionais para afastar a incidência da RGA aos agentes políticos (redução interpretativa ontológica do dispositivo). Tal compreensão parece-nos estar em dissonância, inclusive, com outros precedentes do STF subjacentes à temática, além de não se promover a interpretação lógico-sistemática e histórica adequada do preceito constitucional. Não é possível conceber a RGA como aumento, seja a quem for e, da mesma forma, que seja instituto alheio aos subsídios dos agentes políticos.

Não por outro motivo que a revisão remuneratória, nos termos da lei de Responsabilidade Fiscal – LRF, é dispensada de estudos de impacto orçamentário, considerando que sua função é tão somente recompor a perda inflacionária da moeda, sem qualquer expressão econômico-monetária similar ao aumento. (art. 17, §§ 1º e  6º da LRF).

Aliás, a RGA possui assento constitucional explícito a contemplar os agentes políticos, uma vez que “a remuneração dos servidores públicos e o subsídio de que trata o § 4º do art. 39 somente poderão ser fixados ou alterados por lei específica, observada a iniciativa privativa em cada caso, assegurada revisão geral anual, sempre na mesma data e sem distinção de índices” (art. 37, X CF)

Com a referência do § 4º do art. 39 feita no inciso X, do art. 37 da CF, vê-se a intenção eloquente do Constituinte em abarcar os agentes políticos elencados naquele dispositivo, eis que “O membro de Poder, o detentor de mandato eletivo, os Ministros de Estado e os Secretários Estaduais e Municipais serão remunerados exclusivamente por subsídio fixado em parcela única, vedado o acréscimo de qualquer gratificação, adicional, abono, prêmio, verba de representação ou outra espécie remuneratória, obedecido, em qualquer caso, o disposto no art. 37, X e XI.” (§ 4º do art. 39 CF).

Percebe-se, assim, que a CF criou o limitador da legislatura apenas à fixação do subsídio (aumento, majoração, criação de despesa), garantindo-se, no mesmo plano, a revisão (recomposição da perda inflacionária) dos subsídios dos que exercem mandato eletivo.

Contudo, torna-se imperioso não perder de vista o que o STF vem decidindo e, para tanto, entender os contornos subjacentes levados aos debates de seus julgados. Dentre as argumentações levantadas, nota-se um rechaço de se aplicar a RGA dos servidores estatutários aos agentes políticos, sob o subterfúgio de considerá-los agentes com regimes distintos de submissão.

No RE 650898/RS colocou-se em debate o (des)cabimento, por lei municipal, do pagamento de adicional de férias e décimo terceiro a agentes políticos que percebessem subsídios. Assentou-se, inicialmente, argumentos acerca da incompatibilidade dos dispositivos municipais com o art. 39, § 4º, da Constituição Federal, o qual veda o acréscimo de gratificação ou outra espécie remuneratória ao subsídio de detentor de mandato eletivo.

Após a conclusão do voto do ministro Marco Aurélio, relator do RE 650898/RS, que compreendia que os agentes políticos não poderiam usufruir de garantias pertinentes aos servidores em geral, os ministros passaram a se debruçar de maneira aprofundada sobre a questão. Nos debates iniciais, pesava a compreensão de que os agentes políticos possuíam características preponderantemente distintas dos demais servidores, de modo a afastar as mesmas vantagens remuneratórias. Não obstante, o debate evoluiu e o ministro Gilmar Mendes passou a implementar visão divergente do relator, aduzindo que “estamos a falar de atributos normais da remuneração dos servidores: férias ou décimo terceiro, para aquele que faz jus, e 1/3 de férias. [...]. Mas esses ganhos que auferem os agentes políticos, em geral, e todos aqueles remunerados por subsídios, parece-me que deveriam ser reconhecimentos.” (Destacou-se)

Em continuidade, o ministro Luis Roberto Barroso, de maneira contundente, disse que “os agentes políticos não devem ter uma situação melhor do que a de nenhum cidadão comum [...]. Mas também não devem estar condenados a ter uma situação pior.”(Destacou-se)

Na mesma linha caminhou o ministro Luiz Fux, entendendo que “interpretar o art. 39, §§ 3º e 4º, da CRFB para afastar dos agentes políticos, ainda que apenas aos detentores de mandato eletivo, de receberem qualquer outra verba além do subsídio - especialmente verbas consagradas a qualquer [...] representa afastar a aplicabilidade imediata dos direitos fundamentais sociais(Destacou-se)

Ao final deste julgado (RE 650898/RS), decidiu a maioria da Suprema Corte que a criação de diplomas normativos municipais concedendo o pagamento de férias e décimo terceiro (vantagens pecuniárias) a agente político não confrontaria a lei fundamental de 1988, justamente porque são direitos que devem ser aplicados a todos e a característica de agente político não afasta garantias concebidas aos servidores públicos em geral.

Esse precedente, portanto, é um catalisador para uma nova perspectiva interpretativa da Suprema Corte sobre o inciso VI do art. 29 da CF/88, à luz dos métodos hermenêuticos constitucionais da concordância prática e da unidade constitucional.

Além disso, ao realizarmos uma interpretação histórica dos anais da PEC 627/1998 - que resultou na EC 25/2000 -, vê-se que o Relator, Senador Jefferson Péres, ao fazer a leitura do inciso VI do art. 29 combinado com o § 4º art. 39 e inciso X do art. 37 da CF, explicou que “pelo inciso X se aplica à remuneração dos Vereadores a revisão geral anual da remuneração dos servidores públicos e pelo inciso XI se estabelece que o subsídio de qualquer dos agentes públicos, percebido cumulativamente ou não, incluídas as vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza, não poderá exceder o subsídio, em espécie, percebido pelos Ministros do Supremo Tribunal Federal.”(Destacou-se)

Nos debates da PEC 173/1995 – que resultou na EC 19/1998 -, ocorridos na Comissão Especial, é possível extrair a intenção sempre permanente das reformas administrativas que ocorreram no Brasil, sobretudo dos limites, alcance e extensão do princípio da anterioridade da legislatura (recordemo-nos que o inciso VI, do art. 29 da CF não está inserido numa perspectiva de reforma política, mas sim administrativa):

A presente sugestão visa manter o texto constítucional atual. no que se refere à periodicidade dos reajustes a serem concedidos aos membros de Poder e agentes políticos. A atual Constituição veda que os membros do Poder Legislativo possam ter suas remunerações aumentadas no curso da legislatura para a qual foram eleitos; por 4 anos, têm direito apenas aos mesmos reajustes gerais concedidos aos demais servidores.1

Portanto, resta evidente que a interpretação constitucionalmente adequada do princípio da anterioridade impede tão somente a concessão de aumentos a agentes políticos no curso da legislatura para a qual foram eleitos, mantendo-se, à luz dos métodos lógico-sistemático (VI, art. 29; art. 37, X, § 4º art. 39 todos da CF) e histórico (revelado pelos Anais do Congresso Nacional), conjugado com a ratio decidendi do RE 650898/RS, o direito aos mesmos reajustes gerais concedidos aos demais servidores.

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Dossiê Digitalizado da PEC 267/1988 - Parecer n 473, DE 1998-PLENÁRIO, 1998, p. 5.

COMISSÃO ESPECIAL (CESP). Voto em Separado dos Deputados Marcelo Déda (PT-SE), Maria Laura (PT-DF), Teilma De Souza (PT-SP), Celso Daniel. (PT-SP), Ivan Valente (PT-SP) e Waldomiro Floravante (PT-RS), 1997,  p. 04235

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1 http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf/DCD07FEV1997.pdf#page=17

Herick Feijó
Advogado, mestrando em Segurança Pública, Cidadania e Direitos Humanos, especialista em Direito Público e membro da Comissão Nacional de Estudos Constitucionais (CFOAB).

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