Em sua exposição de motivos, o Código de Processo Civil atual, instituído pela lei 13.105/15 (CPC/15), consigna que a ineficiência do sistema processual enfraquece todo o ordenamento jurídico, visto que o direito processual civil é o instrumento de concretização do direito material em si. Diante disso, com a sua entrada em vigor, passou-se a objetivar a resolução destas fragilidades, sobretudo com a implementação concreta do princípio da efetividade.
Nesse sentido, para a concretização de tal objetivo, uma das soluções buscadas pelo “novo” processo civil é o de outorgar força normativa aos precedentes judiciais emanados pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Com efeito, os magistrados e os tribunais, além da observância ao ordenamento jurídico em si, passaram a ser obrigados a fundamentar os seus provimentos jurisdicionais de modo a levar em consideração também os precedentes judiciais firmados no âmbito dos Tribunais Superiores.
Tanto é assim, que o artigo 489, §1º, inciso VI, do Código de Processo Civil, dispõe expressamente que “Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que: (...) deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento.”
Ademais, o artigo 926 dispõe que os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la “estável, íntegra e coerente”, ao passo que o artigo 927 disciplina que os juízes e os tribunais deverão observar, dentre outros comandos, a jurisprudência firmada no âmbito do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
As alterações promovidas pelo CPC/15, como indica boa parte da doutrina, permite ao intérprete e aplicador da norma concluir a admissão, no Brasil, do chamado “Sistema de Precedentes”.
Em linhas gerais, o sistema de precedentes pode ser entendido como a fórmula que passou a ser observada pelo Poder Judiciário com o objetivo de primar pela otimização dos seus trabalhos, materializada através da uniformização das decisões judiciais, visando ao atingimento da segurança jurídica, da previsibilidade, da isonomia, de mitigar a dispersão da jurisprudência e diminuir a litigiosidade, além de reduzir o tempo até então levado para a prestação jurisdicional. Ao fim, o sistema de precedentes se mostra bastante importante para os fins que motivaram a sua adoção, pois trata as mesmas situações fáticas com as mesmas soluções jurídicas.
Além das finalidades elencadas anteriormente, há também que se ressaltar que o sistema de precedentes, a teor do disposto no artigo 332 do CPC/15, permite ao magistrado, nas causas que prescindem de dilação probatória, julgar liminarmente improcedente o pedido deduzido na ação, independentemente da citação do réu, desde que esta ação incorra em qualquer das hipóteses previstas nos incisos do referido dispositivo legal, os quais, basicamente, reproduzem aqueles elencados no já tratado artigo 927 do CPC/15. O provimento jurisdicional aqui tratado estará, inclusive, sujeito à coisa julgada material, possuindo efeito obstativo à parte.
Outra hipótese atraente aos defensores do sistema de precedentes é a possibilidade de o relator decidir monocraticamente determinado recurso (seja para dar, seja para negar provimento), quando houver jurisprudência ou precedente jurisprudencial regulando a matéria recursal, conforme previsão do artigo 932, incisos IV e V do CPC/15. Tal hipótese evidencia o comando previsto no já abordado artigo 926, do CPC/15, que, como visto, trata da necessidade de se uniformizar a jurisprudência e mantê-la “estável, íntegra e coerente”.
Ademais, o artigo 496, §4º do CPC/15, dispõe que não estarão sujeitos à remessa necessária casos submetidos ao sistema de precedentes. Tal previsão vai ao encontro dos objetivos visados pelo sistema, pois seria totalmente contraditório submeter ao duplo grau de jurisdição processos que a sentença está em conformidade com o sistema de precedentes, pois o tribunal não poderá reformar o entendimento lá firmado, dada a vinculação do precedente utilizado como fundamento.
Desse modo, dos exemplos citados nas linhas anteriores, é possível depreender que o sistema de precedentes, de fato, apresenta-se como uma ferramenta importante para o atingimento da economia processual, visto que auxilia – e muito – o já assoberbado Poder Judiciário a eliminar processos que não têm a menor razão de existir.
Superadas as questões relacionadas aos benefícios do sistema de precedentes, importa agora tratar da necessidade de que os provimentos jurisdicionais possuam fundamentação bastante aprofundada, a teor do disposto no artigo 489, do CPC/15.
Nessa esteira, vale mencionar que a decisão, aqui entendida como qualquer provimento jurisdicional, deve enfrentar todas as questões deduzidas pelas partes e até mesmo aquelas não deduzidas, visto ser possível que tal decisão, se firmada como precedente vinculante, terá o potencial de produzir efeitos em processos outros que não aquele que foi concretamente objeto de julgamento. Explica-se.
Como já tratado anteriormente, um precedente atua como verdadeira estrutura normativa, que é chamada costumeiramente de tese jurídica.
O precedente reclama a construção de uma tese jurídica, esta tese, por sua vez, está baseada em um determinado contexto fático-jurídico, sendo que esta tese jurídica será utilizada como norma passível de ser utilizada como fundamento de decidir em futuras demandas, as quais, por sua vez, deverão ter o mesmo contexto fático-jurídico utilizado no precedente. Por conseguinte, a tese jurídica – também conhecida como ratio decidendi – é a descrição da fundamentação jurídica que serviu de alicerce para o julgamento. Em tal fundamentação, devem ser encontrados a ponderação dos fatos relevantes do processo, da questão jurídica controvertida, dos fundamentos propriamente ditos e da solução determinada pelo Poder Judiciário.
Assim, a ratio decidendi pode ser compreendida como a norma extraída da argumentação do provimento jurisdicional, feita através de um exercício de hermenêutica, que sopesou regras e princípios dentro de um determinado contexto fático-jurídico, de sua fundamentação e do que restou decidido em determinado precedente. A partir de tal compreensão é que o precedente poderá ser replicado em processos futuros que possuem o mesmo contexto fático-jurídico.
É dentro desse contexto que o dever de fundamentação do provimento jurisdicional ganha relevo, sobretudo com o advento do CPC/15, que exige dos magistrados um padrão máximo de fundamentação das decisões judiciais e, sobretudo, daquelas afetadas ao regime jurídico dos precedentes, inclusive da distinção dos casos (distinguishing) e da superação (overruling) destes últimos.
Precedentes que não observam o padrão máximo de fundamentação acabam por gerar insegurança jurídica e acarretam a proliferação de litígios ao invés de contê-los, pois impossibilitam a compreensão exata do que fora decidido e dificultam a aderência dos tribunais ao precedente, o que também causa a imprevisibilidade, já que ocasionam a prolação de decisões contraditórias tratando sobre o mesmo contexto fático-jurídico.
Sob essa perspectiva, tem-se que a fundamentação em padrão máximo atuará em dois momentos do precedente: o primeiro quando de sua formação e o segundo quando de sua aplicação. Daí porque é inegociável a sua observância.
Se de determinado precedente não for possível extrair a sua ratio decidendi, então não será possível a sua aplicação de maneira satisfatória e de modo a atingir os fins para os quais o sistema de precedentes foi criado. Por esse motivo, exige-se dos magistrados o padrão máximo de fundamentação, a fim de promover, ao fim e ao cabo, a pacificação social.
É valido ressaltar, também, que o dever de observância ao padrão máximo de fundamentação não se limita aos provimentos jurisdicionais que farão parte do sistema de precedentes, pelo contrário, as decisões que determinam a aplicação do mesmo sistema de precedentes também devem ser fundamentadas de forma adequada, em linha com o determinado pelo artigo 927, §1º e pelos artigos 10 e 489, §1º, todos do CPC/15.
Justamente através da fundamentação pormenorizada que as partes terão a exata compreensão se o processo em que contendem está subsumido ao precedente invocado pelo magistrado, se há caso de distinguishing ou até mesmo de overruling. Diante disso, a fundamentação em padrão máximo tem especial relevância tanto para a formação como para a aplicação do sistema de precedentes, por permitir que seja identificada a ratio decidendi e, através da extração da norma desta, dos casos de distinção (distinguishing) e de superação (overruling) do julgado invocado pelo magistrado.
Portanto, em que pese o sistema de precedentes trazido no bojo do Código de Processo Civil atual representar uma grata evolução ao procedimento, ao mesmo tempo, é preciso bastante parcimônia na sua utilização e é imprescindível que os provimentos jurisdicionais atendam ao padrão máximo de fundamentação, pois somente com a sua observância é que será possível o atingimento das finalidades pelas quais o sistema de precedentes fora adotado, conforme exposto ao longo deste texto.