Migalhas de Peso

Reforma trabalhista 2.0

A necessidade de uma nova reforma trabalhista baseada nos relatórios apresentados pelos juristas que compõem o GAET - Grupo de Altos Estudos Trabalhistas.

12/1/2022

(Imagem: Arte Migalhas)

A recente divulgação dos relatórios apresentados pelos juristas integrantes do GAET - Grupo de Altos Estudos Trabalhistas ressuscitou a discussão acerca da necessidade de realização de uma nova reforma trabalhista.

Os documentos vinculados no site do recém-recriado Ministério do Trabalho e Previdência estão pautados em cinco pilares, a saber, economia do trabalho, direito do Trabalho e segurança jurídica, Trabalho e Previdência e Liberdade Sindical.

O primeiro relatório, efetuado pelo sub-grupo que trata da economia do trabalho, traduz medidas para a instituição de uma política de trabalho mais articulada e lógica. Assim, as sugestões do grupo, nesse campo, visam o equacionamento do crescimento econômico e da geração de empregos.

Para tanto, sugerem-se estratégias para evitar a informalidade, estimular a estabilidade das relações de emprego, inclusive com alterações nos programas de FGTS e seguro-desemprego, instituição de programas de certificação de competências, recolocação de trabalhadores, renda mínima e maior estímulo às microempresas. Tratam-se, assim, de matérias que adentram no campo das políticas públicas, refletindo em institutos do direito material do Trabalho.

O terceiro sub-grupo de trabalho, tratando do Trabalho e Previdência, também apresentou sugestões legislativas mais relativas às políticas públicas e normas previdenciárias, com incidência reflexa na legislação trabalhista.

Dentre as novidades legislativas sugeridas estaria a maior participação das empresas no processo administrativo referente a aposentadorias acidentárias, aperfeiçoamento da insalubridade e periculosidade na relação trabalhista/previdenciária, fim da imprescritibilidade das ações de reconhecimento de vínculo para fins previdenciários, exclusão do acidente de trajeto, efeitos do emprego intermitente na previdência, informação de aposentadoria especial na CTPS eletrônica e definição de critérios mais claros para caracterização ou não da covid como doença ocupacional.

Sem dúvidas, são as sugestões integradas apresentadas pelo segundo e quarto sub-grupos de trabalho, que tratam, respectivamente, do direito do Trabalho e segurança jurídica e da liberdade sindical, que traduzem maiores transformações no cenário jurídico nacional e uma efetiva nova reforma trabalhista.

Inicialmente, no campo do direito sindical, a principal transformação seria a migração do modelo de unicidade para a adoção da pluralidade sindical.

O grupo de estudos propõe que a redação constitucional seja alterada e acrescentada dos seguintes dispositivos:

“Art. 8º. (...): I – Os trabalhadores e os empregadores, sem distinção de qualquer espécie, terão direito de constituir, sem autorização prévia ou interferência do Estado, organizações sindicais de sua escolha, por segmento produtivo ou por empresa; (NR) II – A negociação coletiva de condições de remuneração e trabalho poderá ser realizada com mais de uma entidade sindical, conforme a filiação dos trabalhadores e empresas a diferentes sindicatos (NR); III – ao sindicato cabe a defesa dos direitos e interesses coletivos de seus associados e daqueles que, em conflitos coletivos, venham a aderir à norma coletiva instituída, mediante desconto de taxa negocial coletiva limitada a um dia de salário, da qual estarão isentos os associados; (NR) IV – a substituição processual do sindicato em dissídios individuais é limitada aos seus associados, podendo beneficiar-se da decisão judicial que vier a ser proferida os trabalhadores que se associarem ao sindicato durante a tramitação do processo, antes da execução da sentença; (NR).” (2021, p. 54/55).

Além disso, a proposta extingue o criticado poder normativo conferido à Justiça do Trabalho, que caracterizaria uma interferência estatal indevida na atuação sindical.

A apresentação de tal proposta de EC se compatibiliza com antigas críticas doutrinárias dos estudiosos do direito coletivo do Trabalho, os quais sempre observaram na unicidade sindical uma afronta à plena liberdade dos sindicatos, destacando a natureza autoritária do princípio, mantido no ordenamento constitucional desde a era vargas e a Constituição de 1946. Neste sentido, inclusive, pontua o doutrinador Amauri Mascaro do Nascimento que:

“As objeções que são apontadas quanto ao sistema do sindicato único cingem-se à restrição que se impõe à livre constituição de sindicatos pelos interessados, de modo que aqueles que pertencem ao grupo não têm outras opções, ainda que em desacordo com as diretrizes sindicais. A representação dos interesses fica canalizada para uma única organização, não restando alternativas para os representados em desacordo com as diretrizes da diretoria do sindicato, a não ser influir nas eleições para a sua renovação.” (2011, p. 1278).

A modificação do texto constitucional nos termos acima delineados permitiria a ratificação da convenção 87 da Organização Internacional do Trabalho, que, desde 1948, preceitua como primado da liberdade sindical:

“Art. 2 — Os trabalhadores e os empregadores, sem distinção de qualquer espécie, terão direito de constituir, sem autorização prévia, organizações de sua escolha, bem como o direito de se filiar a essas organizações, sob a única condição de se conformar com os estatutos das mesmas.

Art. 3 — 1. As organizações de trabalhadores e de empregadores terão o direito de elaborar seus estatutos e regulamentos administrativos, de eleger livremente seus representantes, de organizar a gestão e a atividade dos mesmos e de formular seu programa de ação. 2. As autoridades públicas deverão abster-se de qualquer intervenção que possa limitar esse direito ou entravar o seu exercício legal. (...)

Art. 5 — As organizações de trabalhadores e de empregadores terão o direito de constituir federações e confederações, bem como o de filiar-se às mesmas, e toda organização, federação ou confederação terá o direito de filiar-se às organizações internacionais de trabalhadores e de empregadores.”

Além das modificações no campo sindical, o grupo propõe alterações em diversos aspectos sensíveis da legislação trabalhista, como, por exemplo, a previsão de ausência de vínculo empregatício entre prestadores de serviços e aplicativos informáticos de economia compartilhada. A positivação de tal entendimento sepultaria as celeumas sobre a questão, ocasionando maior segurança jurídica para empresas e prestadores de serviços. Aliás, tal dispositivo estaria em consonância com a jurisprudência atual majoritária do TST, segundo a qual:

“AGRAVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. ACÓRDÃO PUBLICADO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.467/2017. VÍNCULO DE EMPREGO. MOTORISTA DE APLICATIVO. UBER. AUSÊNCIA DE SUBORDINAÇÃO. TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA RECONHECIDA. Conforme já exposto na decisão agravada, os elementos constantes dos autos revelam a inexistência do vínculo empregatício, tendo em vista a autonomia no desempenho das atividades do autor, a descaracterizar a subordinação. Isso porque é fato indubitável que o reclamante aderiu aos serviços de intermediação digital prestados pela reclamada, utilizando-se de aplicativo que oferece interface entre motoristas previamente cadastrados e usuários dos serviços. E, relativamente aos termos e condições relacionados aos referidos serviços, esta Corte, ao julgar processos envolvendo motoristas de aplicativo, ressaltou que o motorista percebe uma reserva do equivalente a 75% a 80% do valor pago pelo usuário. O referido percentual revela-se superior ao que esta Corte vem admitindo como bastante à caracterização da relação de parceria entre os envolvidos, uma vez que o rateio do valor do serviço em alto percentual a uma das partes evidencia vantagem remuneratória não condizente com o liame de emprego. Precedentes. Ante a improcedência do recurso, aplica-se à parte agravante a multa prevista no art. 1.021, § 4º, do CPC. Agravo não provido, com imposição de multa” (Ag-AIRR-1001160-73.2018.5.02.0473, 5ª Turma, Relator Ministro Breno Medeiros, DEJT 20/08/2021).

Sem a intenção de esgotar a totalidade das modificações sugeridas pelo relatório apresentado, destacam-se as principais medidas de direito material e processual do trabalho: a) exclusão de franquia, facção e parceria do conceito de grupo, exceto se fraudulentos; b) inclusão do período de treinamento e formação, após a formalização do contrato, como tempo de serviço; c) esgotamento dos meios executórios em face do devedor principal para possibilitar a execução subsidiaria dos sócios; d) admissão da decretação da prescrição de ofício pelo juiz; e) extinção da hora noturna reduzida, passando a jornada noturna a ser compreendida entre 21h e 5h, majorando-se o adicional correspondente para 25%; f) aumento do mandato dos cipeiros para 2 anos; g) possibilidade de redução do intervalo intrajornada por intermédio de acordo individual; h) exclusão de períodos de cursos da jornada de trabalho; i) modificação na autorização de trabalho em domingos e feriados; j) limitação do enquadramento nas disposições do turno ininterrupto de revezamento tão somente quando a alternância ocorre em período inferior a 3 meses; l) exclusão do dever de indenizar do empregador nos casos em que o empregado sofrer acidente de trabalho por não utilizar equipamentos de proteção individual regularmente fornecidos e cujo treinamento tenha sido ministrado pelo patrão; m) possibilidade de realização de exame de gravidez no ato demissional, ficando o empregador desobrigado de reintegrar ou indenizar caso a empregada negue a realização da testagem; n) exclusão da garantia gestante dos contratos por prazo determinado; o) limitação da reintegração ou indenização ao período posterior à comunicação ao empregador da gravidez, desde que dentro do lapso temporal estabilitário; p) possibilidade de abatimento de valor recebido em seguro de vida ou danos contratado pelo empregador da indenização por danos morais; q) desconsideração da personalidade jurídica por dissolução irregular  e adoção expressa da teoria maior na seara trabalhista; r) extinção do contrato de trabalho como decorrência da aposentadoria, exceto se por invalidez; s) presunção de consentimento com a mudança no contrato laborativo, se o empregado não se opuser no prazo de 5 anos; t) adoção expressa da lei do pavilhão nos casos de conflitos marítimos; u) previsão de incidente de formação de grupo econômico; v) regramento do seguro-garantia; e x) atualização dos créditos trabalhistas pelo IPCA-E.

Evidente que muitas das alterações supracitadas são salutares e justificadas, acarretando maior segurança jurídica nas relações trabalhistas.

No entanto, também é certo que várias das questões levantadas pela comissão de juristas é tormentosa na seara do direito do Trabalho, com diversas correntes e entendimentos de renomados operadores do Direito. O debate acerca das modificações, então, será acalorado, mormente considerando o cenário político de proximidade das eleições presidenciais no país.

Deve-se ter em mente, contudo, que tal debate é próprio das sociedades democráticas e a participação dos mais diversos atores sociais é muito produtivo para a confecção de leis efetivas. Inclusive, quanto mais ampla for a consulta aos setores interessados, maior a probabilidade da edição de uma legislação sólida, duradoura, estável e consentânea com a realidade.

Caso os agentes legiferantes e toda a sociedade se engajem na realização desse amplo debate para modernização das leis trabalhistas, talvez a reforma trabalhista 2.0 aproxime um pouco mais o direito trabalhista da sociedade 5.0 em que estamos inseridos.

____

1 BRASIL. Ministério do Trabalho e Previdência. Relatório dos Grupos de Estudos Temáticos. Disponível aqui.

2 Convenção 87 da Organização Internacional do Trabalho. 17 de junho de 1948. Disponível aqui.

3 NASCIMENTO, Amauri Mascaro Curso de direito do trabalho: história e teoria geral do direito do trabalho: relações individuais e coletivas do trabalho / Amauri Mascaro Nascimento. – 26. ed. – São Paulo: Saraiva, 2011.

Quésia Falcão de Dutra
Graduada em Direito pela Universidade Federal de Santa Maria. Pós-graduada em Prevenção e Combate à Corrupção pelo CERS / Estácio de Sá. Analista Judiciária no TRT da 2ª Região.

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