Migalhas de Peso

Programas simplificados de compliance da integridade em municípios de pequeno porte

A implementação de programas de compliance em municípios de pequeno porte mostra-se medida essencial ao combate à corrupção, o que deverá ocorrer com observância a diversos fatores.

7/1/2022

(Imagem: Arte Migalhas)

De início, insta considerar as premissas que motivam este breve estudo: (i) o alto índice de corrupção do Brasil1; (ii) a extensão continental do território brasileiro2; (iii) a vasta quantidade de municípios, que atualmente são 5.5703; (iv) o fato de que a significativa maioria destes municípios – 67,7%, ou 3.770 – possuem menos de 20 mil habitantes4; e, (v) o fato de que a utilização de programas de compliance da integridade mostrou-se mecanismo apto a prevenir, detectar e remediar atos de fraude e corrupção5.

Neste diapasão, destaca-se que a CGU - Controladoria Geral da União – atualmente denominada Ministério da Transparência, Fiscalização e CGU – exerce papel fundamental no combate à corrupção. Ressalta-se, v.g., o Sipef - Sistema de Integridade Pública do Poder Executivo Federal, que possui, como órgão central, a Secretaria de Transparência e Prevenção da Corrupção da CGU, e possui como objetivos (i) coordenar e articular as atividades relativas à integridade; e (ii) estabelecer padrões para as práticas e medidas de integridade6.

Em sua atuação, a CGU não somente fiscaliza e avalia programas de integridade, mas também disponibiliza diversas cartilhas, guias e orientações acerca da estruturação e implementação destes programas, como, v.g., o “Guia Prático das Unidades de Gestão de Integridade”7, o “Guia Prático de Gestão de Riscos para a Integridade”8 e, especificamente voltado para municípios, os documentos “Como Fortalecer sua Gestão: Lei Anticorrupção e Programa de Integridade”9 e “Sugestões de Decretos para a Regulamentação da Lei Anticorrupção nos Municípios”10, dentre vários outros.

Acerca dos municípios, entende-se imperioso que a Lei Anticorrupção (lei 12.846/1311) seja, também, regulamentada em âmbito municipal, assim como ocorreu no âmbito do Poder Executivo Federal, pelo decreto 8.420/1512, para possibilitar a plena aplicação dos importantes mecanismos de repressão aos atos ilícitos praticados contra a administração pública13.

De mais a mais, parece inevitável que programas de compliance da integridade de empresas sejam avaliados pelos municípios, mas também que estes – de pequeno, médio e grande porte – implementem seus próprios programas, usualmente denominados “sistema de integridade pública responsável e transparente”, como fez o município do Rio de Janeiro/RJ, mediante edição do decreto RIO 45.385/1814, ou “programa de integridade e boas práticas”, como fez o município de São Paulo/SP, através do decreto 59.496/2015.

No entanto, deve-se atentar para o fato de que, apesar de programas de compliance em municípios serem institutos essenciais para identificar e eliminar práticas lesivas, além de minimizar casos de corrupção16, algumas particularidades deverão ser observadas, considerando fatores como: (i) porte do município; (ii) capacidade econômico-financeira; (iii) estrutura organizacional; (iv) disponibilidade de servidores – tamanho do quadro; e, (v) disposição dos gestores e servidores para internalizar a cultura da ética e da integridade; dentre outros.

Por este motivo é que a CGU, ao elaborar a supracitada cartilha “Sugestões de Decretos para a Regulamentação da Lei Anticorrupção nos Municípios”17, salientou a inexistência de critérios absolutos para uma recomendação acerca de qual modelo – de decreto – deve ser adotado por determinado município, devendo ser considerados fatores adicionais, além das condições demográficas ou dimensões territoriais dos entes, como: (i) a avaliação da necessidade e da complexidade da administração pública local; e (ii) a estrutura das unidades que estarão com a missão de atuar na condução de processos e responsabilização de pessoas jurídicas18.

Daí então, resta nítido que o município de pequeno porte – por vezes, rural – não irá dispor da mesma estrutura existente em entes mais desenvolvidos, como o município de São Paulo/SP, Rio de Janeiro/RJ, Fortaleza/CE, Belo Horizonte/MG e vários outros ao redor do Brasil. Por vezes, até mesmo municípios de médio porte, na prática, encontram dificuldades para encontrar força de trabalho suficiente ou capacitada para garantir o desenvolvimento dos objetivos de programas de integridade, devendo “importar” servidores de outros municípios ou outras regiões, mediante a abertura concurso público, sem a participação de cidadãos locais.

De qualquer modo, a capacitação e o treinamento do(s) servidor(es) integrante(s) da autoridade responsável, posterior à criação e estruturação do “núcleo” de compliance municipal, deverá ser habitual e efetiva, na consecução de um programa de integridade efetivo. Sobre o tema, válido destacar que a LEC - Legal, Ethics & Compliance, na linha de várias outras entidades públicas e organizações privadas, considera a existência de dez pilares em um programa de integridade, dentre eles o do treinamento e comunicação19. Nesta mesma toada, a CGU reconhece que estratégias de monitoramento contínuo caracterizam eixos fundamentais de qualquer programa de compliance20.

Desta feita, parece evidente que a implementação – e também a gestão – de mecanismos anticorrupção, por demandar estrutura de servidores permanente, ampla e capacitada, deverá ser adaptada à realidade do ente federativo disposto a engajar-se nesta batalha, sendo que a estruturação de mecanismos e normas demasiadamente arrojadas e complexas pode representar um retrocesso no combate à corrupção em âmbito municipal, quando o ente não possui recursos tecnológicos, orçamento ou estruturas administrativas suficientes para garantir um nível aceitável de compliance.

Faz-se necessário, portanto, que o gestor e os responsáveis pela implementação do programa de integridade do município de pequeno porte permaneçam atentos à realidade local, estruturando mecanismos simplificados de compliance, sem abrir mão da efetividade destes programas.

Salienta-se, por fim, que usualmente, em municípios de menor porte, as próprias relações que envolvem a administração pública são mais simplificadas e, por isso, as estruturas de compliance também não demandam um alto grau de sofisticação. Assim, a implementação de programas de integridade em municípios de pequeno porte mostra-se essencial para difundir a cultura da ética em todo o país, o que deverá ser realizado com razoabilidade e observando as diretrizes legais e técnicas, além das boas práticas de governança.

_____

1 A Transparência Internacional informa que o Brasil, em 2020, permanece estagnado em patamar ruim, considerando que sua pontuação no Índice de Percepção da Corrupção está em 38 pontos, ou seja, abaixo da média dos BRICS (39), da média regional para a América Latina e o Caribe (41) e mundial (43), e ainda mais distante da média dos países do G20 (54) e da OCDE (64). Fonte: TRANSPARÊNCIA INTERNACIONAL BRASIL. Índice de Percepção da Corrupção 2020. Disponível aqui.

2 O país ocupa uma área de 8.547.403 km², sendo menor, apenas, que Estados Unidos da América, China, Canadá e Rússia. Fonte: BRASIL. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Comissão Nacional de Classificação. Disponível aqui.

3 BRASIL. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Panorama Brasil. Disponível aqui.

4 AGÊNCIA BRASIL. Brasil tem 49 municípios com mais de 500 mil habitantes. Rio de Janeiro. 27 ago. 2021. Disponível aqui.

5 Consoante demonstram diversas autoridades e organizações nacionais e internacionais, bem como estudos e pesquisas.

6 Consoante disposto no art. 3º do decreto 10.756, de 27 de julho de 2021. BRASIL. Decreto 10.756, de 27 de julho de 2021. Institui o Sistema de Integridade Pública do Poder Executivo Federal. Disponível aqui.

7 BRASIL. Controladoria-Geral da União. Guia Prático das Unidades de Gestão de Integridade. Disponível aqui.

8 BRASIL. Controladoria-Geral da União. Guia Prático de Gestão de Riscos para a Integridade. Disponível aqui.

9 BRASIL. Controladoria-Geral da União. Como Fortalecer sua Gestão: Lei Anticorrupção e Programa de Integridade. Disponível aqui.

10 BRASIL. Controladoria-Geral da União. Sugestões de Decretos para a Regulamentação da Lei Anticorrupção nos Municípios. Disponível aqui.

11 BRASIL. Lei 12.846, de 1º de agosto de 2013. Dispõe sobre a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira, e dá outras providências. Disponível aqui.

12 BRASIL. Decreto 8.420, de 18 de março de 2015. Regulamenta a lei 12.846, de 1º de agosto de 2013, que dispõe sobre a responsabilização administrativa de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira e dá outras providências. Disponível aqui.

13 BRASIL. Controladoria-Geral da União. Sugestões de Decretos para a Regulamentação da Lei Anticorrupção nos Municípios. Disponível aqui.

14 RIO DE JANEIRO. Decreto RIO 45.385, de 23 de novembro de 2018. Institui o Sistema de Integridade Pública Responsável e Transparente – Integridade Carioca e o Sistema de Compliance do Poder Executivo do Município do Rio de Janeiro – Compliance Carioca, e dá outras providências. Disponível aqui.

15 SÃO PAULO. Decreto 59.496, de 8 de junho de 2020. Regulamenta o artigo 53 da Lei Orgânica do Município de São Paulo, bem como dispositivos das Leis 15.764, de 27 de maio de 2013, e 16.974, de 23 de agosto de 2018, dispondo sobre o sistema de controle interno municipal, a organização e o funcionamento da Controladoria Geral do Município, a adoção de medidas administrativas para transparência e controle, e o Programa de Integridade e Boas Práticas, para a prevenção da corrupção. Disponível aqui.

16 BARROS, Bruno Sampaio. A importância do compliance nos municípios brasileiros. Revista do Ministério Público de Contas do Estado do Paraná, Curitiba, v. 7, 13, p. 58-76, nov./mai. 2020. Disponível aqui

17 BRASIL. Controladoria-Geral da União. Sugestões de Decretos para a Regulamentação da Lei Anticorrupção nos Municípios. Disponível aqui.

18 BRASIL. Controladoria-Geral da União. Sugestões de Decretos para a Regulamentação da Lei Anticorrupção nos Municípios. Disponível aqui.

19 LEC. 10 pilares de um programa de compliance. Disponível aqui.

20 BRASIL. Controladoria Geral da União. Programa de integridade: diretrizes para empresas privadas. Disponível aqui

Antônio Barbosa de Souza Neto
Graduado em Direito pela Universidade Anhanguera-Uniderp. Mestre em Direito Econômico e Desenvolvimento pelo Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa - IDP de Brasília/DF. LL.M. em Direito Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas - FGV do Rio de Janeiro/RJ. Advogado, Consultor Jurídico e Professor de Pós-Graduação. Sócio do escritório Antônio Barbosa Advocacia e Consultoria, e Diretor do núcleo LexCare Compliance Consulting. Atuação especializada em Direito Administrativo e Compliance, com implementação e consultoria de programas de compliance da integridade e da informação em empresas privadas e entidades paraestatais e sindicais.

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