A legislação reflete uma demanda mais que urgente dos clubes esportivos que viram suas rendas (quotas das respectivas federações, patrocínio esportivo, comercialização de produtos, torcida nos estádios e outras) despencarem drasticamente diante da situação atípica ocasionada pelo coronavírus, que resultou, entre outras situações, no fechamento dos estádios ao público, e, em que pese não ter tal receita, os clubes fossem obrigados a manter suas estruturas para continuidade dos campeonatos estaduais, nacionais e internacionais.
Embora um clube esportivo detenha outras fontes de renda, como, por exemplo, patrocinadores, associados, venda de produtos com os símbolos e/ou brasão do time, licenças de imagens etc., fato é que os torcedores nos estádios arrecadavam uma grande receita e também fomentavam as demais fontes de renda.
É fato que alguns clubes de futebol brasileiro já acumulavam passivos arquimilionário anteriores à pandemia, de modo que tal cenário econômico só agravou ainda mais a situação, levando muitos dos clubes a passar por dificuldades financeiras extremas, sendo que a preocupação do governo se deu no sentido de criar meios de recuperação desses clubes.
Nos últimos tempos houve um grande avanço sobre os meios de superação da crise pelos clubes de futebol, especialmente após a autorização da justiça em seguir com o pedido de recuperação judicial do clube Figueirense, além de outros, em meados de março do último ano vigente. Via de regra, os clubes esportivos no Brasil são constituídos na forma de associações civis.
A grande controvérsia do tema girava em torno da ausência de previsão legal da possibilidade de associações civis buscarem o benefício de recuperação concedido pela lei 11.101/05 e da interpretação extensiva do termo "sociedade empresária".
Isso porque a criação de pessoas jurídicas de direito privado no formato de sociedade e associação possuem naturezas jurídicas e implicações distintas, além do ponto de vista de tratamento tributário que se mostra mais benéfico na constituição de associação.
Com o levantamento da discussão, se mostraram entre os operadores do direito duas principais linhas para enfrentar o conflito: 1) entendimento positivista, em que se argumenta a ausência de legitimidade dos clubes por pura distinção entre sociedade e associação, bem como ausência de previsão legal neste último; e 2) entendimento interpretativo, fazendo uma extensão do termo sociedade empresária para agente econômico, fazendo com que a atividade desenvolvida pelo clube se equiparasse à de sociedade empresária.
A nova lei sancionada pelo presidente veio como forma de colocar um ponto final no debate para prever expressamente a legitimidade de clubes de futebol pleitearem o benefício da recuperação judicial e/ou extrajudicial, desde que o clube faça a conversão de associação civil para SAF - Sociedade Anônima de Futebol.
É notório que a lei foi finalizada às pressas, uma vez que em determinados pontos não se mostra fluída com o ordenamento jurídico, como exemplo ao utilizar a premissa do produtor rural para que associações futebolísticas possam efetivar sua inscrição no registro público de empresas mercantis, forma esta vedada a outros tipos de associações.
Inclusive, isso acaba trazendo às associações futebolísticas somente benefícios, se valendo da prerrogativa de associação para melhor tratamento tributário e da prerrogativa de sociedade empresária em se valer dos meios de recuperação previstos na lei 11.01/05, ou seja, o melhor dos dois mundos.
Além da possibilidade de recuperação judicial ou extrajudicial, a norma trouxe um mecanismo de reestruturação de dívidas específico pela possibilidade de concurso de credores por intermédio do regime centralizado de execuções, tanto na esfera trabalhista quanto na cível.
Nesse regime especial de concurso de credores, os clubes contarão com um prazo de pagamento de seis anos, prorrogável por mais quatro anos, observados os requisitos e as condições especiais.
Em que pese o ponto principal da lei neste momento seja a superação da crise dos clubes, a norma também traz todo o regramento para constituição das Sociedades Anônimas de Futebol; regramento do corpo diretivo; transformação de associações em SAFs; formas de financiamento da sociedade e emissão de títulos - ações, debentures etc. -; obrigação da SAF em programas de desenvolvimento educacional e social; e tratamento tributário.
Do texto elaborado pelo Congresso Nacional, o presidente da República vetou algumas disposições que tratavam sobre o tratamento tributário dos clubes que implicavam em renúncia por parte da União, violando a legislação de responsabilidade fiscal de diretrizes orçamentárias vigentes no país.
A nova legislação entrou em vigor na data de sua publicação, ocorrida em 9/8/21, a qual já está sendo comemorada por clubes de futebol que poderão usufruir das benesses da lei 11.101/05 para soerguimento, sem risco de extinção da demanda, diante do ainda controverso assunto envolvendo pedidos de recuperação judicial por associações civis.