A lei 14.286/21, que instituiu o “Novo Marco Legal do Câmbio”, foi sancionada, sem vetos, pela Presidência da República, consoante publicação do Diário Oficial da União de 30/12/21. A norma que foi gestada pelo projeto de lei 5.387, de 2019, então submetido pelo presidente do Banco Central do Brasil (BCB) e pelo Ministro da Economia à Presidência da República, tem por escopo a regulamentação do mercado de câmbio brasileiro, o capital brasileiro no exterior, o capital estrangeiro no país e a prestação de informações ao BCB.
A lei possui vinte e nove artigos divididos em seis capítulos, quais sejam: (i) disposições preliminares (art. 1º); (ii) do mercado de câmbio (arts. 2º ao 7º); (iii) do capital brasileiro no exterior e do capital estrangeiro no país (arts. 8º ao 10); (iv) das informações para a compilação de estatísticas macroeconômicas oficiais pelo Banco Central do Brasil (art. 11); (v) disposições gerais (arts. 12 ao 19), e; (vi) disposições finais (arts. 20 ao 29).
Os aludidos capítulos versam sobre quatro temas: “(...) o primeiro trata da regulamentação do mercado de câmbio no país; o segundo trata da regulamentação do capital brasileiro no exterior e do capital estrangeiro no País; o terceiro fala da compilação de estatísticas macroeconômicas oficiais pelo Banco Central do Brasil; e o quarto eixo trata de um conjunto de alterações e revogações de normativos legais que se tornarão obsoletos em razão do PL 5.387/19”1.
O ponto de maior proeminência, como é possível intuir com o título deste artigo, atina-se às mudanças da legislação que regula o mercado de câmbio no País, dentre as quais destacamos o limite de moeda em espécie para levar ou trazer em viagens. Vide:
Art. 14. O ingresso no País e a saída do País de moeda nacional e estrangeira devem ser realizados exclusivamente por meio de instituição autorizada a operar no mercado de câmbio, à qual caberá a identificação do cliente e do destinatário ou do remetente.
§ 1º O disposto no caput não se aplica ao porte, em espécie, de valores:
I - até US$10.000,00 (dez mil dólares dos Estados Unidos) ou seu equivalente em outras moedas; e (...).
Como visto, houve substancial alteração do limite de dinheiro em espécie que cada passageiro poderá portar ao entrar e sair do Brasil, sem precisar declarar às autoridades da Receita Federal Brasileira.
Isso porque, o limite que, hoje, é de R$ 10.000,00 (dez mil reais), passará, com a entrada em vigor da lei (um ano após a publicação – vide art. 29), a ser de US$ 10.000,00 (dez mil dólares)2. Note que, ao mudar o índice de real para dólar, a lei não apenas sanou a defasagem do limite imposta pela grande desvalorização do real frente ao dólar (R$ 10.000,00, na cotação de 03/01/2022, equivalem a US$ 1.775,91), como aumentou consideravelmente o limite (na mesma cotação atual,3 US$ 10.000,00 equivalem a aproximadamente R$ 56.000,00).
A medida é benéfica aos viajantes, vez que: (i) as compras realizadas com dinheiro vivo, no exterior, não são taxadas pelo Imposto sobre Operações Financeiras (IOF)4, que incide, por exemplo, nas compras efetuadas por meio de cartão de crédito ou pré-pago; (ii) bem como aumenta a possibilidade de o viajante pagar menos na taxa de câmbio, na medida em que poderá negociar a transação cambial, no Brasil, não precisando realizar o câmbio no exterior, tampouco se submetendo à cotação5 do cartão de crédito.
O marco legal ainda (i) libera negociações de até US$ 500 entre pessoas físicas, desde que de forma eventual e não profissional6, com o fito de impulsionar o desenvolvimento de plataformas peer-to-peer para negociação de câmbio, e; (ii) expande as hipóteses permissivas de pagamento em moeda estrangeira de obrigações devidas no território nacional7.
Os demais dispositivos da lei, para além do aumento do limite do porte de dinheiro em espécie não declarável, apresentam claro propósito de modernizar e tornar mais eficiente o mercado de câmbio no país, compatibilizando o arcabouço macroeconômico legal com o momento atual (que reclama flexibilização do fluxo bilateral de moeda). Como corolário lógico, espera-se que a lei atraia investimentos externos no Brasil e simplifique os procedimentos de comércio exterior, beneficiando pessoas físicas e jurídicas.
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1 Trecho constante no relatório do projeto de lei 5.397, de 2019.
2 Ou seu equivalente em outras moedas.
3 https://www.bcb.gov.br/conversao
4 A alíquota varia de acordo com o tipo de operação financeira realizada. Por exemplo, em compras internacionais no cartão de crédito ou pré-pago, a alíquota é de 6,38% sobre a operação.
5 Não obstante, desde 2020, a cotação do dólar tenha passado a ocorrer na data da compra, e não mais na data do fechamento da fatura, minimizando a vulnerabilidade do consumidor frente à variação cambial, cada instituição financeira considerará o valor do Ptax (taxa de câmbio oficial, calculada pelo Banco Central com base na média dos valores de compra e venda do dólar ao longo do dia), adicionando seu spreed ou ágio, o que faz com que o valor varie em cada instituição.
6 Art. 19. O disposto nesta Lei não se aplica a operações de compra ou venda de moeda estrangeira em espécie, no valor de até US$ 500,00 (quinhentos dólares dos Estados Unidos da América) ou seu equivalente em outras moedas, realizadas no País, de forma eventual e não profissional, entre pessoas físicas.
7 Art. 13. A estipulação de pagamento em moeda estrangeira de obrigações exequíveis no território nacional é admitida nas seguintes situações:
I - nos contratos e nos títulos referentes ao comércio exterior de bens e serviços, ao seu financiamento e às suas garantias;
II - nas obrigações cujo credor ou devedor seja não residente, incluídas as decorrentes de operações de crédito ou de arrendamento mercantil, exceto nos contratos de locação de imóveis situados no território nacional;
III - nos contratos de arrendamento mercantil celebrados entre residentes, com base em captação de recursos provenientes do exterior;
IV - na cessão, na transferência, na delegação, na assunção ou na modificação das obrigações referidas nos incisos I, II e III do caput deste artigo, inclusive se as partes envolvidas forem residentes;
V - na compra e venda de moeda estrangeira;
VI - na exportação indireta de que trata a Lei nº 9.529, de 10 de dezembro de 1997;
VII - nos contratos celebrados por exportadores em que a contraparte seja concessionária, permissionária, autorizatária ou arrendatária nos setores de infraestrutura;
VIII - nas situações previstas na regulamentação editada pelo Conselho Monetário Nacional, quando a estipulação em moeda estrangeira puder mitigar o risco cambial ou ampliar a eficiência do negócio;
IX - em outras situações previstas na legislação.
Parágrafo único. A estipulação de pagamento em moeda estrangeira feita em desacordo com o disposto neste artigo é nula de pleno direito.