INTRODUÇÃO
Inicialmente, importante mencionar que o presente artigo é fruto de nossas aulas de Fundamentos de Direito Público, na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), ministradas pelo Professor Augusto Neves Dal Pozzo, o qual contribuiu imensamente para que o presente texto fosse publicado. Para melhor compreensão, a matéria será apresentada com enfoque inicial nos Direitos Fundamentais e suas repercussões jurídicas, para, na sequência, abordarmos o tema nuclear concernente ao enquadramento da Internet como Direito Fundamental, no ordenamento jurídico brasileiro.
Os Direitos Fundamentais são, quiçá, uma das maiores conquistas da humanidade no campo jurídico. Tal categoria jurídica tem como base a proteção da dignidade humana, de modo a envolver situações jurídicas sem as quais o indivíduo não se realiza, não convive e, muitas vezes, nem sobrevive. Sobre o tópico, o professor Luigi Ferrajoli, em sua obra intitulada como Derechos y garantías: La ley del más débil, afirma estes são direitos subjetivos que correspondem universalmente a todos os seres humanos enquanto dotados do status de cidadãos e pessoas.1 Com isso em mente, pode-se assumir que os Direitos Fundamentais são universais, devendo ser concretizados por todos, com vistas à realização plena do ser humano. Dessa forma, é pertinente ressaltar que é dever do Estado proteger os direitos fundamentais garantidos a todos os cidadãos.
1. CLASSIFICAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
Inicialmente, em benefício à cristalina intelecção do presente artigo, vale uma breve incursão acerca da classificação doutrinária dos Direitos Fundamentais, enfocando-se, primordialmente, dois aspectos nucleares: seu conteúdo, o qual será discorrido brevemente, e seu processo evolutivo, o qual será exposto de maneira mais detalhada.
No que tange à classificação dos direitos fundamentais sob o enfoque do conteúdo, esta leva em consideração os valores que visa proteger. Assim sendo, é tripartido em direitos fundamentais protetivos da liberdade – direitos de resistência –, protetivos do indivíduo diante das necessidades – direitos sociais, econômicos e culturais – e protetivos da preservação do ser humano – direito à paz, ao desenvolvimento, à comunicação social.
Ademais, em relação à classificação, importante evidenciar que os direitos fundamentais constituíram um processo expansivo de acumulação de níveis de proteção das esferas da dignidade da pessoa humana. Dentro deste contexto, é necessário retornar ao excelente jurista tcheco-francês Karel Vasak, quem idealizou tal sistema classificatório. Para ele, esse método discrimina os direitos em três gerações, sendo a primeira delas a que abriga os direitos civis, individuais e políticos, tendo sua origem após a Revolução Francesa em 1799, e que dado seu momento histórico, buscam estabelecer um espaço público e um privado, além de exigir do Estado uma postura de interferência mínima dentro da sociedade. Os direitos à liberdade, à vida, à igualdade perante a lei, à propriedade e à intimidade são exemplos dos de primeira geração.
Os direitos de segunda geração, por sua vez, preocupam-se com as necessidades humanas, de modo a postular a necessidade da intervenção estatal mínima a fim de garantir o exercício de uma vida digna aos seus cidadãos. Para tal, o Estado, em vez de abster-se, deve se fazer presente mediante prestações. São exemplos de direitos de segunda geração: os direitos sociais, econômicos e culturais que visam, por exemplo, a saúde, a educação e a previdência.
Por fim, os direitos de terceira geração são voltados à essência do ser humano, à sua razão de existência e ao destino da humanidade. São comumente ligados à noção de fraternidade, ou mesmo solidariedade, e incluem o direito à preservação do meio ambiente, à comunicação, à paz, ao desenvolvimento econômico dos países, entre outros.
Além das três gerações supracitadas e idealizadas por Karel Vasak, diversos autores atualmente desenvolvem os conceitos de quarta e quinta geração, entretanto, nestas novas categorias, não há mais unanimidade doutrinária. Segundo Paulo Bonavides, um dos crentes dessa nova onda de gerações, os direitos fundamentais de quarta geração seriam aqueles resultantes da globalização e são exemplos o direito à democracia, à informação, ao pluralismo e, para alguns (como Norberto Bobbio), à bioética. Já a quinta geração consiste no reconhecimento da normatividade do direito à paz, em crítica ao jurista Vasak, o qual teria, inicialmente, inserido a paz no âmbito dos direitos de terceira geração.
2. CONTEXTO HISTÓRICO
No que tange ao seu surgimento, apesar de certas divergências, acredita-se que a consolidação desses direitos se iniciou com a ratificação da Carta Magna, em 1215, pelo então Rei da Inglaterra, João o Sem-Terra. Nesse documento feudal, são prescritas diversas liberdades civis à burguesia e à Igreja inglesa, e há uma cláusula que chama especial atenção: em seu artigo 39, proclama-se que "Nenhum homem livre será preso, aprisionado ou privado de uma propriedade, ou tornado fora-da-lei, ou exilado, ou de maneira alguma destruído, nem agiremos contra ele ou mandaremos alguém contra ele, a não ser por julgamento legal dos seus pares, ou pela lei da terra". Ou seja, nenhum homem livre teria o seu direito à liberdade ou à propriedade sacrificados salvo na conformidade da law of the land – atualmente, a expressão “law of the land” é reconhecida como “due process of law” (devido processo legal).
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1 “[…] son ‘derechos fundamentales’ todos aquellos derechos subjetivos que corresponden universalmente a ‘todos’ los seres humanos en cuanto dotados del status de personas, de ciudadanos o personas con capacidad de obrar; entendendo por ‘derecho subjetivo’ cualquier expectativa positiva (de prestaciones) o negativa (de no sufrir lesiones) adscrita a un sujeto por uma norma jurídica; y por ‘status’ la condición de un sujeto, prevista asimismo por una norma jurídica positiva, como presupuesto de suidoneidad para ser titular de situaciones jurídicas y/o autor de los actos que son ejercicio de éstas”.