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Marcas de posição no Brasil: um estímulo à proteção dos sinais não tradicionais

Cabe destacar o papel persuasivo que a regulamentação das marcas de posição pode oferecer para que o sistema de registro brasileiro se torne cada vez mais receptivo às marcas não tradicionais.

21/12/2021

(Imagem: Arte Migalhas)

Entrou em vigor recentemente uma nova forma de apresentação de marca, a chamada marca de posição. A autorização para o registro dessa nova modalidade de marca veio com a publicação, pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial - INPI, da Portaria 37/21, de 21 de setembro de 2021.

Mas o que isso significa na prática? Para responder essa pergunta, é importante tecer breves comentários sobre a definição de marca, os conceitos de marcas tradicionais e não tradicionais, bem como as principais características das marcas de posição.

De forma didática, e segundo interpretação consolidada da lei 9.279/96 (lei da Propriedade Industrial - "LPI"), a marca pode ser definida como um sinal distintivo que tem como objetivo identificar a origem e distinguir produtos fabricados ou serviços prestados de outros idênticos, semelhantes ou afins de origem diversa.

Dentro desse contexto, as marcas são comumente classificadas em dois tipos: tradicionais e não tradicionais. As tradicionais são aquelas visualmente perceptíveis e identificadas predominantemente por meio de palavras e logos, sendo registráveis na prática como nominativas, figurativas e mistas.

Por sua vez, as marcas não tradicionais são reconhecidas sob diversas espécies, como tridimensionais, trade dress (conjunto imagem), de posição, cores isoladas, em movimento, hologramas, gestuais, luminosas, táteis, sonoras, olfativas, gustativas, entre outras. Assim, quando comparadas às marcas tradicionais, elas constituem um leque mais abrangente e receptivo às inúmeras formas de inovação e tecnologia presentes hoje no mundo.

A concessão de registro para sinais que não atendem ao requisito da "perceptibilidade visual" ainda não foi implementada no Brasil, pois o INPI adota o entendimento de que a LPI não admite expressamente a registrabilidade desses sinais.

Até a publicação da portaria  mencionada, importantes players do mercado se valiam de pedidos de registro sob a modalidade figurativa para tentar proteger de alguma maneira o que na prática eram marcas de posição. Um exemplo emblemático nesse sentido diz respeito a uma famosa marca esportiva que obteve registros para marcas figurativas consistentes na afixação de três listras laterais em artigos de vestuário esportivo. 

No entanto, esses  registros não garantiam ao seu titular a mesma segurança jurídica que os registros específicos para marcas de posição passarão a oferecer a partir de agora. Isso porque cada uma dessas modalidades tem uma função própria e específica, além de formas de apresentação distintas: enquanto a marca figurativa é formada por figuras ou desenhos, a marca de posição é constituída especificamente por um sinal aposto em uma posição peculiar de um produto.

Além da estratégia de registro de marcas de posição como figurativas, o ingresso no Judiciário também foi uma alternativa utilizada pelos titulares dessas marcas em busca do reconhecimento de proteção legal específica. A decisão paradigma sobre o tema trata do reconhecimento como marca da letra "N" em uma determinada posição do tênis de uma famosa fabricante norte-americana de calçados casuais.

Outra ação judicial bem conhecida, que perdurou na Justiça durante 20 anos até uma decisão final, foi a que contemplou reconhecimento marcário às linhas em forma de arco costuradas no bolso traseiro de uma calça jeans bastante conhecida no mercado.

De fato, dentre as principais dificuldades enfrentadas pelo titular de uma marca de posição não registrada estavam o reconhecimento de sua identidade marcária não tradicional, normalmente sujeita a um processo judicial complexo e custoso, devido à ausência de um título de propriedade e à capacidade de aplicação de seu direito sobre tal sinal contra o uso indevido por terceiros infratores.

Com a entrada em vigor da norma que regulamenta as marcas de posição no Brasil, essas dificuldades poderão ser superadas, pois o reconhecimento passará a ser feito agora pelo INPI por meio de uma sistemática jurídica e procedimental própria.

Segundo a definição do próprio INPI na referida portaria, as marcas de posição passíveis de registro são aquelas formadas por um "conjunto distintivo capaz de identificar produtos ou serviços e distingui-los de outros idênticos, semelhantes ou afins, desde que: seja formado pela aplicação de um sinal em uma posição singular e específica de um determinado suporte; e a aplicação do sinal na referida posição do suporte possa ser dissociada de efeito técnico ou funcional".

Em outras palavras, trata-se do reconhecimento, como verdadeiro signo distintivo, da posição de um elemento específico, em um local determinado na superfície de um produto, que não decorra de necessidade técnica nem gere melhoria do produto. Ou seja, a marca de posição pode ser compreendida como um sinal que se repete, sempre em determinada posição distintiva, em tamanho e em cores que contrastam com o produto que se pretende proteger.

A Nota Técnica do INPI que disciplina os procedimentos referentes à análise de pedidos de registro de marcas de posição definiu de forma clara que, quanto mais distintivo o sinal aplicado, maior a distintividade da marca de posição e, consequentemente, maior será o seu âmbito de proteção. Nesse sentido, será importante verificar, na medida em que as diretrizes de análise forem sendo testadas, qual será exatamente o nível de rigidez adotado pelo examinador para avaliar a peculiaridade da posição e a distintividade do sinal requerido como marca de posição.

Outro ponto que também merece destaque – e valerá a pena observar quanto aos critérios de análise adotados pelo INPI – está relacionado ao fato de que, em diversas outras jurisdições, como na Europa e nos Estados Unidos, as marcas de posição dependem de prova de secondary meaning para que sejam reconhecidas.

O secondary meaning é entendido como o processo pelo qual um sinal deixa de ser tido como de uso comum e se torna distintivo como resultado do seu uso contínuo e prolongado no mercado, adquirindo um segundo significado. Esse fenômeno é reconhecido pela jurisprudência e doutrina brasileiras, mas não está previsto na LPI, de modo que não é aplicado pelo INPI no exame de pedidos de registro de marca em geral. Como o INPI também não analisará o secondary meaning no âmbito das marcas de posição, estima-se que poucas marcas de posição serão registradas pelo Instituto.

De todo modo, a esperada rigidez do exame de mérito imposta pela regulamentação recém-publicada não minimiza em absoluto os pontos positivos que podem ser alcançados com o advento dessa nova forma de apresentação marcária no Brasil. De forma geral, a iniciativa do INPI é louvável, um avanço que demonstra o ímpeto de modernização do Instituto e um aceno fundamental na direção da tendência internacional de abertura às marcas não tradicionais.  

Em suma, o titular de um registro para uma marca de posição passa a ter mais segurança jurídica para aplicar o seu direito contra o uso indevido por terceiros infratores. Além disso, por meio do processo de registro, o examinador do INPI poderá contribuir para a proteção do público consumidor ao evitar o registro de marcas colidentes. Por sua vez, os consumidores também serão beneficiados com essa novidade, pois tal reconhecimento evitará confusões e/ou associações indevidas no mercado.

A expectativa das indústrias, principalmente dos setores de marcas de luxo e da moda, é de que a incorporação dessa nova forma de apresentação ao sistema de registro marcário brasileiro incentive a criação de marcas mais inovadoras e aprimore o consumo.

Por fim, cabe destacar o papel persuasivo que a regulamentação das marcas de posição pode oferecer para que o sistema de registro brasileiro se torne cada vez mais receptivo às marcas não tradicionais. Muito se discute que uma possível modernização da LPI para permitir o registro de marcas perceptíveis por quaisquer dos sentidos humanos, como já adotado por outras potências globais, poderá servir, ao mesmo tempo, para fomentar o desenvolvimento econômico e valorizar a propriedade intelectual no país.

André Provedel de Menezes Junqueira Reis
Associado da área de Propriedade Intelectual e Tecnologia da Informação do Trench Rossi Watanabe.

Lilian Turlão
Associada da área de Propriedade Intelectual e Tecnologia da Informação do Trench Rossi Watanabe.

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