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Policiais na ribalta: a importância de equipar as polícias com câmeras e os cuidados necessários

A adoção das cautelas necessárias e o aprendizado com as experiências de outros países serão fundamentais nesse sentido, viabilizando a implementação segura de programa de tamanha importância.

21/12/2021

(Imagem: Arte Migalhas)

Há dois anos, o Estado de Santa Catarina iniciou no Brasil um pioneiro projeto para equipar as polícias com câmeras corporais. Atualmente, os equipamentos já estão em funcionamento, também, em Rondônia e em São Paulo. A iniciativa, cuja possibilidade de implantação vai agora ser estudada por inúmeras forças policiais brasileiras, segue uma tendência de diversos países, alguns dos quais já adotam a tecnologia há mais de uma década. A proposta é simples: equipar os policiais com câmeras corporais que não são por eles controladas e não podem ser desligadas. 

A experiência, apesar de recente no Brasil, já tem demonstrado importantes resultados. Um estudo recente da PUC-Rio sobre a experiência do Estado de Santa Catarina aponta redução de 61% no uso da força policial, e os números de julho da Polícia Militar do Estado de São Paulo demonstram ter caído para zero o número de mortes nos 18 batalhões que adotaram as câmeras corporais, a partir de agosto de 2020.

O objetivo da iniciativa é conferir maior transparência ao trabalho dos agentes policiais. Em uma realidade em que a utilização de celulares para gravação de abordagens se tornou prática comum, a proposta vem para garantir, também, maior fidedignidade aos vídeos. Os benefícios da adoção da tecnologia são diversos e inegáveis: do ponto de vista do policial, as câmeras servem de estímulo para maior adesão dos profissionais às normas técnicas, bem como de desestímulo ao cidadão para praticar condutas possíveis de configurar desacato e crime contra a honra. Da perspectiva do serviço de segurança pública, os vídeos têm o potencial de melhorar a qualidade de eventuais apurações disciplinares e criminais, disponibilizando ferramentas para demonstrar a adequação ou não da conduta praticada. Do ponto de vista dos cidadãos e da sociedade, a existência de vídeos permite maior controle social sobre eventuais excessos de força, vieses de membros das forças policiais, bem como sobre as boas práticas e adequação dos protocolos policiais às evidências empíricas. 

A tendência, inclusive, vai ao encontro do recente entendimento do Superior Tribunal de Justiça quanto à validade da prova decorrente de busca e apreensão sem autorização judicial. Conforme estabelecido no julgamento do HC 598.051/SP, na hipótese de o ingresso ao domicílio contar com o consentimento do morador, é ônus do Estado comprovar a voluntariedade e a liberdade dessa manifestação, o que deverá ser feito por escrito e por registro audiovisual. A decisão, ainda, estabeleceu o prazo de um ano para que as forças policiais sejam devidamente aparelhadas e treinadas para atender aos parâmetros estabelecidos.

É de se esperar, portanto, que nos próximos anos o Brasil veja uma ampliação expressiva no uso desses equipamentos. E, naturalmente, um consequente aumento das inúmeras questões e debates que podem surgir a partir de tais vídeos.

O primeiro e importante debate diz respeito à utilização individual do vídeo, seja para fins processuais, seja para fins sociais (tais como exploração pela mídia). Afinal, há muito tempo a teoria da fotografia e a semiótica já chegaram à conclusão de que o vídeo, na medida em que contém signos, não possui sentidos unívocos, devendo passar por um processo de interpretação. E, justamente em tal processo, é necessária a busca da maior quantidade possível de provas relevantes, o que pode incluir câmeras utilizadas por outros policiais, bem como o acesso a câmeras das ruas e a câmeras veiculares (as chamadas dashboard cams).

A doutrina especializada tem mencionado dois mitos relacionados ao uso de vídeos para prova de fatos: o mito da totalidade, isto é, de imaginar que toda a informação necessária para interpretar um vídeo está contida no próprio vídeo; e o mito da transparência, no sentido de imaginar que o sentido do vídeo pudesse, de forma descontextualizada e independentemente de quaisquer outras provas, trazer um único e final sentido.

O segundo ponto, relacionado intimamente ao primeiro, diz respeito a quem pode ter acesso ao vídeo e em quais circunstâncias esse pode ser publicizado. Sabendo-se do potencial das imagens de gerar paixões para um “lado” ou para outro quando vistas de forma descontextualizada (naquilo que se convencionou chamar de “síndrome do milissegundo”), tais circunstâncias devem ser objeto de diretrizes claras e específicas, que indiquem claramente a quem incumbe a tomada de tais decisões e em quais circunstâncias é possível ter acesso à íntegra das imagens, bem como quando e de qual forma é permitida a sua edição. Além disso, considerando-se seu potencial probatório no âmbito de processos, necessária a existência de regras específicas para a preservação da cadeia de custódia dos materiais, o que, naturalmente, inclui todos os metadados.

Tais cuidados, seja como for, não devem de maneira alguma impedir a implementação dessa importante tecnologia. A adoção das cautelas necessárias e o aprendizado com as experiências de outros países serão fundamentais nesse sentido, viabilizando a implementação segura de programa de tamanha importância.

Ana Maria Colombo
Mestranda em Direito Penal Econômico, especialista em Direito e Processo Penal e sócia do escritório Silveiro Advogados.

Vitor de Paula Ramos
Doutor em Direito pela UdG (Espanha), professor no Master em Raciocínio Probatório da UdG (Espanha) e sócio e coordenador do Núcleo de Direito Probatório do escritório Silveiro Advogados.

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