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A falácia da “advocacia predatória” e o risco a parcialidade do Poder Judiciário

Os tribunais devem tomar medidas contra abusos que repercutem na justiça, porém quanto ao excesso de litigiosidade em direito do consumidor, é preciso uma compreensão sistêmica da origem das demandas.

16/12/2021

(Imagem: Arte Migalhas)

O TJ Bahia, como já fez o TJ de Pernambuco, anunciou o enfrentamento à litigiosidade excessiva.

E as medidas objetivas que está tomando são:

a) implantação do Centro de Inteligência da Justiça Estadual da Bahia (CIJEBA);

b) compartilhamento de informações relacionadas ao exercício da advocacia predatória.

A iniciativa de enfrentar a litigiosidade faz sentido, considerando o cenário em que vivemos. Realmente, há muitos processos e os problemas não deveriam, via de regra, necessitar de resolução judicial.

Porém, as medidas eleitas pelo tribunal são desastrosas para o fim que se destinam, pois não atacam a verdadeira causa dos litígios.

A matéria não detalhou que tipo de ação é considerada excessiva, mas é notório que são de natureza de consumidor, em que as relações são massificadas. Um contrato de adesão ilegal não atinge apenas um consumidor, mas milhares desses.

Do mesmo modo, também não informou qual é o resultado do julgamento destas ações. Porém, neste tipo de advocacia é praxe receber honorários somente em caso de sucesso destes processos.

Por consequência lógica, se o advogado entra com vários processos é porque eles são procedentes. E se procedentes são, há o reconhecimento da conduta ilícita.

Portanto, a causa de tantos processos é a violação sistemática e recorrente de grandes grupos empresariais, como bancos, telefonias e cias. aéreas.

O direito do cidadão sofrerá pelo comportamento do seu advogado?

Precisamos saber quais serão as medidas concretas que o “centro de inteligência” tomará.

A matéria não foi clara sobre quais ações esse setor irá tomar, mas se seguir o exemplo do TJPE identificará e tratará de demandas tidas como “agressoras” ou promovidas pela “advocacia predatória”. Nestas duas classificações, o único elemento objetivo que se extrai é o elevado número de processos patrocinados por um advogado.

Por outro lado, não se sabe qual é a quantidade exata de processos que o advogado deve ter para ter sua advocacia considerada predatória.

Mas se assim for identificado, pelo que os tribunais dizem e não dizem, no mínimo as demandas promovidas por este profissional serão de alguma forma rastreadas.

O que acontecerá, então? Estes autos terão uma etiqueta, identificando “advocacia predatória”? E o juiz que se deparar com a identificação deverá fazer o que? Julgar o direito da parte com base no comportamento do advogado?

Referidos questionamentos são razoáveis e merecem uma resposta do judiciário, pois como as informações estão colocadas podemos inferir risco de dano à parcialidade.

Por outro lado, a inteligência de dados poderia ser utilizada para identificar os grandes ofensores, que mesmo condenados, não cessam o comportamento ilícito.

E com isso, dar subsídios aos julgadores aplicarem indenizações efetivas quanto ao caráter pedagógico.

A utilização (indevida) do termo advocacia predatória

O termo “advocacia predatória” é utilizado, reiteradamente, em peças processuais de defesa destas grandes empresas.

Nesta narrativa, o único elemento em comum que qualifica o advogado para ser classificado integrante da advocacia predatória é o número de processos.

Para chamar a atenção, ela traz alguns exemplos de advogados com um número de processos que pode ser considerado grande para o padrão de manufatura, que também praticaram crimes em conjunto com a advocacia.

Porém, na esmagadora maioria das vezes as alegações são vazias e servem unicamente para reprimir a defesa do direito do cidadão, com o tumulto do processo e intimidação dos advogados.

Assim, a apropriação no judiciário do termo advocacia predatória, inventado e fomentado de maneira abusiva por grandes descumpridores da lei, coloca em xeque sua parcialidade que é premissa do Estado Democrático de Direito.

Atividades criminosas no âmbito da advocacia merecem repreensão

É claro que entre os advogados que atuam com casos repetitivos, há aqueles que ajuizam (intencionalmente) ações em duplicidade, prospectam clientes por meio de acesso ilegal de dados, utilizam procuração falsa, etc.

Do mesmo modo, sabemos que existem advogados figurões, a serviço de grandes empresas, que intermediam todo tipo de relação subversiva com uma minoria também de funcionários corruptos, inclusive na justiça.

Tratam-se de atividades criminosas que merecem repreensão, sim.

Mas a utilização de conceitos subjetivos como “advocacia predatória” e “advogado agressor”, que na prática tem rotulado de maneira negativa todo um grupo de advogados que por sinal não é maléfico à sociedade e tampouco ilícito, não pode ser adotada pelo Poder Judiciário.

Conclusão

Os tribunais devem tomar medidas contra abusos que repercutem na justiça, porém quanto ao excesso de litigiosidade em direito do consumidor, é preciso uma compreensão sistêmica da origem das demandas.

A expressão “advocacia predatória” faz parte de uma estratégia de bancos e grandes empresas para identificar advogados que defendem grande quantidade consumidores. A adoção do termo pelo judiciário coloca em risco sua parcialidade.

Atos criminosos praticados dentro da advocacia merecem ser repreendidos, contudo esta situação não deve ser confundida com a atuação legítima da advocacia digital de impacto, assim chamada por patrocinar número elevado de casos tendo como premissa de produção ferramentas digitais.

Dificultar a vida desta parte da advocacia pode até funcionar no curto prazo para reduzir o número de novas demandas, mas no final das contas punirá a vítima de danos com acesso reduzido à justiça.

Julio Engel
Advogado e sócio do Engel Advogados.

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