Migalhas de Peso

As relevantes discussões judiciais sobre o reintegra no âmbito do STF

Um julgamento favorável do STF em relação às questões acima descritas garantirá que o reintegra funcione como efetivo mecanismo de desoneração tributária das exportações, que é justamente a razão pela qual ele foi instituído.

15/12/2021

(Imagem: Arte Migalhas)

O STF retirou da pauta de julgamento a ADIn 6.040, juntamente com a ADIn 6.0551, ambas ajuizadas para discutir a (in)constitucionalidade das sucessivas reduções, pelo Poder Executivo, dos percentuais de aproveitamento do Regime Especial de Reintegração de Valores Tributários para as Empresas Exportadoras (REINTEGRA).

O REINTEGRA foi instituído no contexto do Plano Brasil Maior, com o objetivo de promover a devolução de valores referentes a custos tributários residuais existentes nas cadeias produtivas destinadas à exportação, mediante ressarcimento dos valores e/ou compensação com outros tributos federais. Assim, o REINTEGRA visava à redução dos custos tributários incorridos na produção de bens destinados ao mercado externo, de modo a estimular a competitividade da indústria nacional.

Em linhas gerais, as empresas produtoras que exportam bens que, cumulativamente, (i) tenham sido industrializados no País; (ii) estejam classificados em código na Tabela de Incidência do IPI e (iii) tenham custo total de insumos importados não superior ao limite percentual do preço de exportação (de acordo com o tipo de produto), fazem jus ao ressarcimento de crédito tributário correspondente a determinado percentual de suas receitas de exportação.

De acordo com o artigo 2º da lei 12.546/11, que instituiu o referido regime especial, o valor a ser ressarcido, no âmbito do REINTEGRA, deveria ser “calculado mediante a aplicação de percentual estabelecido pelo Poder Executivo sobre a receita decorrente da exportação de bens produzidos” pelo exportador, sendo que tal percentual poderia ser fixado entre 0% e 3%.

Inicialmente, o REINTEGRA foi regulamentado pelo Decreto 8.304/2014, que fixou o benefício do crédito com base no maior percentual previsto em lei, de 3%. Contudo, tal situação foi alterada com a edição da lei 13.043/14 e do Decreto 8.415/2015, que trouxeram nova regulamentação para o regime especial.

O artigo 2º, caput, do decreto 8.415/15 previu, como regra geral, que o percentual a ser restituído no âmbito do REINTEGRA seria de 3% sobre a receita de exportação do produtor, excepcionando-o apenas nos primeiros anos de vigência do ato infralegal, nos quais vigorariam percentuais progressivos de 1% e 2%.

Sendo assim, por meio do seu § 7º, o percentual de aproveitamento do regime foi estipulado em (i) 1%, no período de 1º.3.2015 a 31/12/16; (ii) 2%, no período de 1º/1/17 a 31/12/17 e (iii) somente retornaria ao percentual de 3% a partir de 1º.1.2018 – a não ser que houvesse novo ato do Poder Executivo alterando as mencionadas alíquotas, em razão da situação econômica do País.

De lá para cá, o § 7º do artigo 2º do decreto 8.415/15 foi alterado três vezes, sempre para reduzir os percentuais escalonados originalmente previstos. Primeiramente, o decreto 8.543/15 reduziu o percentual do crédito aplicável ao período de 1º.12.2015 a 31.12.2016, de 2% para 0,1%. Depois, o decreto 9.148/17 reduziu o percentual aplicável ao ano de 2018, de 3% para 2%. Por último, o decreto 9.393/18 reduziu o percentual aplicável a partir de 1o.6.2018, de 2% para 0,1%.

Tais reduções, no entanto, além de implicarem majoração da carga tributária dos exportadores, ainda desrespeitaram diversos princípios constitucionais e legais como: não exportação de tributos, garantia ao desenvolvimento nacional, neutralidade fiscal, segurança jurídica, livre-iniciativa, livre concorrência e anterioridade tributária.

Justamente por isso, foram iniciadas discussões judiciais pelos contribuintes envolvendo a redução das alíquotas de aproveitamento do benefício do REINTEGRA, sendo que, a nosso ver, os exportadores devem estar atentos especialmente para as seguintes: (i) o Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 1.285.177 e (ii) a ADIn 6.055, que será julgada conjuntamente com a ADIn 6.040 – todas em trâmite perante o STF.

Com relação ao ARE 1.285.177 (Tema 1.108 da Repercussão Geral), o contribuinte discute a inconstitucionalidade da redução das alíquotas do REINTEGRA por meio de atos do Poder Executivo, sem a devida observância ao princípio da anterioridade do exercício financeiro2.

Isso, porque, uma vez que o REINTEGRA é um benefício atribuído às receitas de exportação de empresas produtoras, a redução de suas alíquotas implica, ainda que indiretamente, a elevação da carga tributária dos contribuintes beneficiados pelo regime especial. Sendo assim, o contribuinte defende, com base no princípio da anterioridade previsto na Constituição Federal, que os atos infralegais que promoveram tais reduções somente poderiam ser aplicados aos fatos geradores ocorridos no ano seguinte ao da publicação de cada um deles.

Apesar de o Fisco Federal não reconhecer a aplicação do princípio da anterioridade à presente discussão, sob a justificativa de que, no caso do REINTEGRA, inexiste efetiva instituição ou aumento da carga tributária, mas tão somente a redução de um benefício fiscal, vale destacar que o STF já se manifestou, em mais de uma oportunidade, de maneira favorável ao entendimento dos contribuintes. Há diversas decisões da Suprema Corte reconhecendo que, promovido o “aumento indireto de tributo mediante redução da alíquota de incentivo do Regime Especial de Reintegração de Valores Tributários para as Empresas Exportadoras REINTEGRA, cumpre observar o princípio da anterioridade, geral e nonagesimal, constante das alíneas b e c do inciso III do artigo 150 da Constituição Federal3.

Por outro lado, no que diz respeito às ADIns 6.055 e 6.040, os contribuintes defendem que o REINTEGRA não se caracteriza como um benefício fiscal propriamente dito, mas como verdadeira proteção constitucional às exportações, motivo pelo qual se deve adotar uma interpretação ampla e finalística de tal imunidade tributária, para dar máxima efetividade aos valores que esta visa prestigiar.

Isso significa que, apesar da faculdade conferida ao Poder Executivo para alterar os percentuais de ressarcimento do REINTEGRA, esses devem ser calculados com base em elementos técnicos e nos princípios que motivaram a instituição do regime especial, e não de maneira discricionária como tem ocorrido. Ora, não se pode esquecer que o REINTEGRA foi instituído para “reintegrar valores referentes a custos tributários residuais – impostos pagos ao longo da cadeia produtiva e que não foram compensados – existentes nas suas cadeias de produção”4, ou seja, para corrigir as distorções geradas pelo sistema tributário brasileiro, causadoras de cumulatividade e da exportação de tributos.

Justamente por isso, os contribuintes requerem, por meio das ADIs 6.055 e 6.040, a interpretação dos §§ 1º e 2º do artigo 22 da lei 13.043/14 conforme a Constituição Federal, com a declaração de inconstitucionalidade, de forma a afastar as reduções discricionárias - imotivadas e meramente arrecadatórias - dos percentuais de aproveitamento do REINTEGRA. 

Em ambos os julgamentos – do ARE 1.285.177 e das ADIns 6.055 e 6.040 –, o STF terá a oportunidade de analisar o benefício do REINTEGRA à luz dos princípios que motivaram a sua instituição (desoneração das exportações como instrumento de fomento ao desenvolvimento nacional, livre concorrência, isonomia, neutralidade fiscal, etc.), bem como dos demais princípios constitucionais (anterioridade, segurança jurídica, isonomia). Além disso, caberá à Suprema Corte decidir sobre a constitucionalidade (ou não) do conjunto normativo que tem restringido o direito dos exportadores à recuperação do resíduo tributário remanescente na cadeia de produção de bens exportados, e criado obstáculos à competitividade do produto brasileiro no exterior.

Um julgamento favorável do STF em relação às questões acima descritas garantirá que o REINTEGRA funcione como efetivo mecanismo de desoneração tributária das exportações, que é justamente a razão pela qual ele foi instituído. Esse motivo, por si só, justifica que os exportadores acompanhem de perto tais julgamentos, cujo resultado poderá assegurar-lhes o direito de recuperar eventuais resíduos tributários que indevidamente remanesceram nas respectivas cadeias produtivas nos últimos anos, bem como maior capacidade competitiva no mercado internacional.

Por fim, considerando a recente tendência do STF de modular os efeitos de decisões em matéria tributária, caberá aos contribuintes afetados pela situação acima descrita ingressarem com as respectivas ações judiciais antes da conclusão dos julgamentos do ARE 1.285.1775 e das ADIns 6.055 e 6.040, de modo a garantir a preservação de seus direitos.

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1 Inicialmente, os casos estavam pautados para serem julgados em 2.6.2021, porém, foram retirados da pauta e incluídos no dia 1º.12.2021. Após nova retirada de pauta, ainda não há previsão da nova data de julgamento dos casos.

2 Conforme esclarecido na decisão que reconheceu a repercussão geral do assunto, a discussão do ARE 1.285.177 está centrada na aplicação do princípio da anterioridade anual, uma vez que, “apesar de assente na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal o entendimento segundo o qual a redução da alíquota do Reintegra (Decretos 8.415/2015, 9.148/2017 e 9.393/2018) configura aumento indireto de tributo e deve obedecer ao princípio da anterioridade nonagesimal, não se verifica posicionamento pacífico quanto à aplicabilidade da anterioridade anual.” (STF, ARE 1.285.177 RG/ES, Rel. Min. Luiz Fux, d.j. 15.10.2020)

3 STF, Ag. Reg. no RE n.º 964.850/RS, Primeira Turma, Rel. Min. Marco Aurélio, d.j. 8.5.2018

4 Exposição de Motivos da Medida Provisória n.º 540/2011, convertida na lei 12.546/2011.

5 Atualmente, não há previsão para o julgamento das ADIs 6.040 e 6.055, nem do ARE 1.285.177.

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*Este artigo foi redigido meramente para fins de informação e debate, não devendo ser considerado uma opinião legal para qualquer operação ou negócio específico.

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Mauro Berenholc
Sócio da prática tributária de Pinheiro Neto Advogados.

Cora Mendes
Associada da prática tributária de Pinheiro Neto Advogados.

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